O globo, n. 31172, 11/12/2018. País, p. 6

 

Rosa deu uma aula pública a Bolsonaro

Bernardo Mello Franco

11/12/2018

 

 

Presidente do TSE usou a diplomação para cobrar respeito às minorias. Ela lembrou que proteger os direitos humanos é uma obrigação, e não uma escolha dos governantes Jair Bolsonaro recebeu o diploma de presidente no Dia Mundial dos Direitos Humanos. A ministra Rosa Weber aproveitou a data para cobrar respeito às liberdades, às minorias e ao direito sagrado de discordar do governo.

A presidente do TSE começou com um aviso: o pleito ocorreu com “absoluta segurança e total lisura”. Foi o primeiro recado a Bolsonaro, que passou meses lançando suspeitas sobre a urna eletrônica.

A ministra celebrou o 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Em país de tantas desigualdades como o nosso, refletir sobre as declarações de direitos não constitui mero exercício teórico, mas necessidade inadiável que a todos se impõe, governantes ou governados”, disse.

Ela julgou necessário lembrar que a democracia não se resume à realização de eleições a cada quatro anos: “É, também, exercício constante de diálogo e de tolerância, de mútua compreensão das diferenças, de sopesamento pacífico de ideias distintas, até mesmo antagônicas, sem que a vontade da maioria, cuja legitimidade não se contesta, busque suprimir ou abafar a opinião dos grupos minoritários”.

Rosa ressaltou que proteger os direitos humanos não é uma escolha, e sim uma obrigação dos governantes. “Isso resulta claro não só dos deveres assumidos perante a comunidade internacional, mas sobretudo pelo que a própria Constituição determina”, ensinou.

Deputados do PSL reclamaram da aula pública, o que só demonstra que acusaram o golpe. A ministra disse o que disse porque Bolsonaro apelou ao discurso contra os direitos humanos para ganhar votos. No segundo turno, ele chegou a chamar seus adversários políticos de “marginais vermelhos”. “Ou vão para fora ou vão para cadeia”, ameaçou.

Na solenidade de ontem, o presidente eleito mudou o tom. Com o diploma nas mãos, ele reconheceu que as eleições foram “livres e justas” e prometeu governar para todos, “sem distinção de origem racial, raça, sexo, cor, idade ou religião”.

Que assim seja.

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Moro quer que depósitos sejam 'esclarecidos'

Eduardo Bresciani

11/12/2018

 

 

Futuro ministro da Justiça diz que seria ‘inapropriado’ comentar sobre caso do ex-assessor de Flávio Bolsonaro que movimentou R$ 1,2 milhão em um ano. Mas afirma que ‘apuração’ pode ser necessária, caso explicações sejam insuficientes

O futuro ministro da Justiça, o ex-juiz Sergio Moro, afirmou que os fatos precisam ser “esclarecidos”, ao comentar o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) que listou “movimentações atípicas” realizadas por um ex-motorista de Flávio Bolsonaro, filho do presidente eleito Jair Bolsonaro.

Fabrício José Carlos de Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e o mesmo mês de 2017. De acordo com o documento, anexado às investigações da Operação Furna da Onça, Queiroz recebeu depósito sem espécie e por meio de transferências de oito funcionários que já foram ou estão lotados no gabinete do parlamentar.

Moro afirmou que, como futuro ministro da Justiça, seria “inapropriado” comentar casos concretos, mas ressaltou a necessidade de esclarecimentos sob o caso, enfatizando que Bolsonaro já se manifestou sobre o tema ao falar que o cheque depositado por Queiroz para a futura primeira-dama, Michelle, seria o pagamento de um empréstimo.

— Fui nomeado para ser ministro da Justiça, não cabe a mim dar explicações sobre isso. Acho que o que existia de ministro da Justiça opinando sobre casos concretos é inapropriado. Então, esses fatos têm que ser esclarecidos. O presidente já apresentou alguns esclarecimentos, tem outras pessoas que precisam prestar seus esclarecimentos. E os fatos, se não forem esclarecidos, têm que ser apurados — disse Moro, que salientou a necessidade de “apuração”, caso os esclarecimentos sejam frágeis:

—O ministro da Justiça não é uma pessoa que deve ficar interferindo em casos concretos. E eu nem sou ainda ministro da Justiça. Até vi que têm pessoas cobrando uma posição, mas são as pessoas que têm que prestar esclarecimentos, o presidente já prestou os deles, ou, se não, os fatos que tem de ser apurados.

Moro reiterou que sua intenção ao trazer o Coaf da área econômica para a pasta da Justiça é fortalecer o órgão e fazer com que ele trabalhe de forma integrada a outros órgãos de controle e investigação. O ministro disse que pretende reforçar o corpo funcional do Conselho:

—Embora ele esteja em boas mãos, ele sofreu uma certa desidratação, por falta até de recursos humanos. Na nossa perspectiva, ele vindo ao Ministério da Justiça, haverá a possibilidade de reforçar o corpo funcional, com o que se espera que haja maior eficiência. Além disso, há a intenção de deixá-lo trabalhando mais próximo dessas operações de investigações.

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Em uma década, Coaf produziu 30 mil relatórios

Aguirre Talento

11/12/2018

 

 

Órgão que identifica transações financeiras suspeitas foi criticado por Onyx Lorenzoni após citar ex-assessor de Flávio Bolsonaro

Alvo de críticas de aliados do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), o Conselho de Controle de Atividades Financeiras ( Coaf ) produziu cerca de 30 mil relatórios de inteligência nos últimos dez anos. Estes documentos embasaram centenas de investigações da Polícia Federal contra políticos dos mais diversos partidos, dentre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB).

Só em 2017 foram 6.608 relatórios, que analisaram movimentações financeiras de 249.107 pessoas. Os dados de 2018 ainda não foram fechados e contabilizados pelo órgão.

O Coaf ganhou evidência nos últimos dias depois que um relatório, anexado à Operação Furna da Onça, que investigou deputados estaduais do Rio, apontou “movimentações atípicas” realizadas por um ex-motorista do deputado e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente eleito Jair Bolsonaro.

Fabrício José Carlos de Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e o mesmo mês de 2017. De acordo com o documento, Queiroz recebeu depósitos em espécie e por meio de transferências de oito funcionários que já foram ou estão lotados no gabinete do parlamentar.

Neste caso do ex-motorista, a movimentação financeira contabilizada pelo Coaf abrange tanto as entradas de recursos em suas contas como as saídas. Vinculado ao Ministério da Fazenda, o Coaf irá para o da Justiça a partir do ano que vem.

O órgão recebe informes de setores como banco e corretoras sobre movimentações financeiras suspeitas. Além disso, todo depósito ou saque superior a R$ 10 mil é informado ao Coaf.

Aliados de Bolsonaro têm adotado a tática de criticar o Coaf para rebater as suspeitas relacionadas ao ex-motorista, afirmando que o órgão não estava alerta no mensalão e na Lava Jato. Na

sexta-feira, o futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse considerar irrelevante uma pergunta sobre o relatório e questionou “onde o Coaf estava” nos escândalos do mensalão e da Lava-Jato.

Mas o histórico do Coaf mostra que sua atuação passou por diversos escândalos envolvendo os mais diferentes partidos políticos.

No governo petista

Um dos mais sensíveis relatórios foi produzido em 2015 e atingiu o ex-presidente Lula e os petistas Antonio Palocci (ex-ministro da Fazenda), Erenice Guerra (ex-ministra da Casa Civil) e Fernando Pimentel (governador de Minas Gerais), com movimentações que totalizaram cerca de R$ 300 milhões.

O Coaf detectou, dentre outros fatos, que a empresa de palestras de Lula movimentou R$ 52,3 milhões entre abril de 2011 e maio de 2015, tendo recebido pagamentos milionários da Odebrecht, que posteriormente se tornaram alvo da Lava-Jato. Segundo o Coaf, houve “movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira do cliente (Lula)”.

No mensalão, relatório do Coaf do ano de 2005 identificou a responsabilidade do publicitário Marcos Valério em volumosas operações de retirada de dinheiro em espécie — atualmente ele está preso após ter sido condenado justamente por operar os mensalões do PT e do PSDB. Onyx Lorenzoni, inclusive, participou do depoimento do presidente à época do órgão, que esteve na CPI dos Correios na condição de colaborador.

Outro relatório, produzido no ano passado, desvendou movimentações suspeitas de R$ 248 bilhões feitas pelo grupo J&F, da JBS, entre 2003 e 2017. Este relatório citou o ex-ministro Geddel e relatou movimentações financeiras de R$ 34 milhões dos seus pais entre 2011 e 2015.