O globo, n. 31170, 09/12/2018. País, p. 8
Ex-assessor de Flávio recebeu de 8 servidores
Miguel Caballero
09/12/2018
Depósitos foram feitos por funcionários que estão ou já estiveram lotados no gabinete do filho de Jair Bolsonaro, na Alerj; presidente eleito diz que, se errou, vai arcar com ‘responsabilidade perante o Fisco’
Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) aponta que o policial militar Fabrício de Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL), recebeu depósitos em espécie e por meio de transferências de oito funcionários que já foram ou estão lotados no gabinete do parlamentar. Na última quinta-feira, o jornal “O Estado de S. Paulo” revelou a existência do documento que apontou movimentação financeira atípica de R$ 1,2 milhão de Queiroz, entre 2016 e 2017. Uma das transações listadas é a de um cheque de R$ 24 mil destinado à futura primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Um dia depois de dizer que o cheque seria referente ao pagamento de uma dívida, o presidente eleito Jair Bolsonaro lamentou a exposição de sua mulher.
— Lamento o constrangimento por que ela está passando. Não botei na minha conta porque tenho dificuldade de ir ao banco, andar na rua. Foi por questão de mobilidade, ando atarefado o tempo todo para ir em banco. Ninguém recebe ou dá dinheiro sujo por cheque nominal — afirmou Bolsonaro, após acompanhar, na Escola Naval, no Rio, a cerimônia de formatura de novos oficiais da Marinha. Sobre o fato de não ter declarado o recebimento dos valores no Imposto de Renda, o presidente eleito disse que se dispõe a reconhecer e corrigir a questão.
— Se errei, arco com minha responsabilidade perante o Fisco, não tem problema nenhum —afirmou. Em uma rede social, ontem, Flávio Bolsonaro disse continuar “com a consciência tranquila”. “Não sou investigado. Agora, cabe ao meu ex-assessor prestar os esclarecimentos que se fizerem necessários ao Ministério Público”, escreveu ele.
Repasses do gabinete
Uma das filhas do PM que era assessor de Flávio, Nathalia Melo de Queiroz, estava lotada no gabinete do deputado até dezembro de 2016, com salário de R$ 9.835. No período relatado pelo Coaf, fez depósitos que totalizaram R$ 84.110 e transferência de R$ 2.319. Depois que saiu do gabinete de Flávio, Nathália foi funcionário do presidente eleito Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados. Deixou o cargo no mesmo dia em que o pai pediu exoneração do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj).
A mulher de Queiroz, Marcia Oliveira de Aguiar, exerceu cargo de consultora parlamentar do gabinete de Flávio, com salário bruto de R$ 9.835, entre março de 2007 e setembro de 2017. Ao marido, o repasse em dinheiro foi de R$ 18.864, segundo o Coaf. Em transferências, o valor chegou a R$ 18,3 mil. Na lista, há ainda três funcionários que aparecerem na última folha de pagamento da Alerj disponibilizada no site da Casa, a de setembro deste ano. Queiroz recebeu de Raimunda Veras Magalhães, de acordo com o relatório, R$ 4,6 mil. Ela aparece na folha da Assembleia com salário líquido de R$ 5.124.
Outro que ainda consta na folha é Jorge Luis de Souza, cujo salário líquido em setembro de 2016 foi de R$ 4.847. Segundo documento do Coaf, o depósito dele foi de R$ 3.140. Agostinho Moraes da Silva, que aparece com salário líquido de R$ 6.787, fez depósito de R$ 800. Ao GLOBO, ele disse que quando o ex-assessor “tirava serviço” para ele, pagava ao colega que fez o trabalho em seu lugar. Não explicou, no entanto, qual era o tipo de serviço. Afirmou ainda que “o resto vai ser esclarecido no inquérito”. Flávio Bolsonaro, Queiroz e os assessores não são alvo de investigações.
O Ministério Público Federal (MPF) ressaltou que a identificação de movimentação atípica do PM não configura um ilícito por si só. Outro depósito, de R$ 3.542, veio de Luiza Souza Paes, que foi funcionária do gabinete de Flávio em 2012. Depois, ela exerceu outras funções na Alerj. Consta ainda transferências eletrônicas num total de R$ 7.684. O relatório do Coaf aponta ainda que Queiroz recebeu transferência eletrônica de R$ 3,2 mil de Marcia Cristina Nascimento dos Santos, que, em fevereiro de 2016, aparecia na folha de pagamento da Assembleia com um salário líquido de R$ 5.160.
De acordo com o documento do Coaf, Wellington Servulo da Silva, que aparecia na folha de fevereiro de 2016 com salário líquido de R$ 4.847, fez transferências num total de R$ 1,5 mil. O GLOBO não conseguiu contato com Queiroz nem com as pessoas que fizeram depósitos para o ex-assessor.
Presidente acha "normal"
O presidente eleito disse achar normal os depósitos feitos pelos oito assessores do gabinete de Flávio na conta de Queiroz.
—Se você pegar o seu círculo, na imprensa, no quartel, no hospital. É normal, entre os funcionários, um ajudar o outro. Você se socorre de quem está do seu lado, é próximo. Bolsonaro afirmou que é amigo de Queiroz desde 1984 e que já o havia “socorrido financeiramente” em outras oportunidades. Ele disse que os empréstimos recentes somaram R$ 40 mil, e que Queiroz o pagou com dez cheques de R$ 4 mil. O presidente eleito disse ainda que não conversou com Queiroz desde que o caso foi noticiado, e atribuiu o vazamento do relatório do Coaf a investigados na Operação “Furna da Onça”:
— Espero que ele (Queiroz) se explique. Não conversei com ele. Falei com meu filho. Meu filho não é investigado nessa operação. Quem vazou foram advogados de deputados investigados, ou até presos, para tentar desviar o foco da tensão deles para meu filho.