O globo, n. 31169, 08/12/2018. Sociedade, p. 26

 

João de Deus é acusado de abuso sexual

Helena Borges

Cristina Fibe

08/12/2018

 

 

Doze mulheres dizem que foram molestadas em ‘hospital espiritual’ em Goiás. O médium nega

Doze mulheres denunciaram à imprensa terem sido sexualmente abusadas por João Teixeira de Faria, médium conhecido como João de Deus. Famoso pela realização de “cirurgias espirituais”, ele já atendeu desde a apresentadora americana Oprah Winfrey até o ex-presidente Lula, passando pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. Nos últimos três meses, O GLOBO ouviu seis dessas vítimas. Seus relatos revelam um processo sistemático que data de 2010 a fevereiro deste ano. Quatro delas também foram entrevistadas pelo “Conversa com Bial” que foi ao ar ontem à noite, na TV Globo, e que também trouxe as histórias de outras seis mulheres que se dizem vítimas de João de Deus.

Elas contam que foram desacompanhadas à Casa de Dom Inácio, o “hospital espiritual” mantido pelo médium em Abadiânia (GO). Todas relatam que tinham entre 30 e 40 anos no momento dos abusos. Elas dizem que o médium, durante os atendimentos ao público — quando estaria incorporado por uma entidade espiritual —indicava uma sala onde deveriam encerrar a sessão. Sempre colocadas como últimas na fila, entravam em um escritório que dava acesso à sala de cirurgias. Neste momento,elas contam que ficavam no local apenas o médium e a paciente. Com a porta trancada e as luzes apagadas, eram tocadas nos seios pelo líder espiritual de 76 anos, e/ou ordenadas a tocá-lo no pênis, parte de uma “limpeza espiritual”.

Por videoconferência, a holandesa Zahira Lieneke afirma ter sido estuprada em 2014. Ela foi a única vítima a autorizar a publicação de seu nome. Também é a única que conta ter sido penetrada por João.

Ao jornalista Pedro Bial, a coach espiritual Amy Biank afirmou ter sido ameaçada de morte por João de Deus depois de presenciar uma cena de abuso sexual. Ela contou ter flagrado uma mulher ajoelhada, gritando por socorro, enquanto o médium a forçava a fazer sexo oral. Também afirma que uma funcionária da Casa contou ter limpado sêmen da boca de uma criança.

Amy, que é americana, era uma das “guias” da Casa de Dom Inácio. Sem vínculo empregatício, eles atuam com aprovação de João de Deus. Também chamados de “filhos da Casa”, recebem crachás e são autorizados a organizar viagens em grupo e a explicar como será o tratamento espiritual a novos fiéis.

Por e-mail, ao GLOBO, a assessoria de João de Deus afirma que as acusações são “falsas e fantasiosas”, questiona o motivo pelo qual as vítimas não procuraram as autoridades e afirma que “a sala em questão é pública, qualquer um tem acesso a ela e jamais fica trancada”. A assessoria ainda afirma que a situação “é lamentável, uma vez que o Médium João é uma pessoa de índole ilibada”.

As vítimas contam que não procuraram a polícia logo após os abusos pelo mesmo motivo que pedem para suas identidades serem protegidas: medo de serem perseguidas.

Esta não é a primeira vez que João Teixeira de Farias é acusado de crimes sexuais. Ele já foi acusado de sedução de menor, atentado ao pudor, contrabando de minério e até por assassinato. Em nenhum dos casos o médium foi julgado culpado.

Zahira Lieneke, 34 anos, vive na Holanda e conta ter sido estuprada

“Em seu escritório, ele me puxou para o banheiro, enfiou a língua na minha boca. Me virou. Puxou minhas calças e me penetrou por trás. Ele ejaculou. Depois me deu uma toalha. Meu pensamento só foi: o que aconteceria se eu engravidasse? Senti um total e completo congelamento. Em outro dia, anterior, pegou minha mão e colocou no seu pênis. Congelei. Sentado em uma poltrona, me colocou de joelhos em sua frente e me fez masturbá-lo. Falou sobre energia e chacras. Eu ainda acreditava em milagres.”

Paulista, 38 anos: passou mais de 40 minutos na sala

“Ele disse ‘calma, eu não estou com tesão, mas preciso fazer isso para te curar’. Quando virei, a camisa dele estava aberta. Depois de 40 minutos tocando em sua barriga, a mando dele, achei que tinha terminado. Fui na direção da porta, mas ele se meteu no meu caminho com a calça aberta. Colocou minha mão no pênis dele. Eu tirei. Ele colocou de novo. Não sei quantas vezes isso aconteceu. Estava em pânico, não raciocinava, não conseguia reagir. Quando, mais uma vez, ele colocou minha mão no pênis dele, ficou melada. Aí ele lavou a minha mão.”

Paranaense, 40 anos: “Não conte para ninguém o que aconteceu”

“Ele me pediu para fechar os olhos, passar a mão na barriga dele, respirar fundo e contar até nove. Foi guiando meus movimentos. Senti algo encostar na na minha mão: era o pênis dele. Recuei assustada. Então ouvi: ‘Sei o que estou fazendo, isso seria considerado assédio, não sou louco’. Dizia estar me livrando de energias negativas. Colocou a mão por dentro da minha blusa e tocou meus seios. Quando abri os olhos, ele estava com o pênis para fora. Fiquei assustada, tensa e enojada. Depois de tudo, ele ainda disse: ‘Não conte para ninguém o que aconteceu’.”

Paulista, 36 anos: médium tocou em seus seios e na barriga

“Ele me colocou de costas pra ele e começou a me tocar de forma que eu fiquei bem desconfortável. Tocou meus seios e minha barriga. Lembro que me senti extremamente incomodada com aquela situação. Fiquei tensa e não consegui falar nada. Naquele momento, deixei de acreditar. Lembro que fiquei me questionando o tempo todo se ele tinha más intenções ou não. E fiquei com medo de ser perseguida caso levantasse esse assunto em algum lugar, pois ele faz o bem para tantas pessoas, provavelmente ninguém acreditaria em mim.”

Paulista, 35 anos: “Nos conhecemos de outras vidas”, disse ele

“Ele disse que iria fazer uma limpeza em mim. Fiquei de costas, ele passava a mão no meu tronco, dizendo estar limpando os chacras. Me virou, pediu que colocasse a mão em sua barriga e fizesse uma massagem. Então colocou o pênis pra fora e disse ‘olha como você me deixa’, segurando o meu braço. Disse que tinha sonhado comigo. Eu não conseguia me mover. Continuou: ‘Nos conhecemos de outras vidas’. Sem graça, eu disse: ‘Considero você como um pai’. Ele pegou minha mão pra eu ‘ver como ele estava’ (excitado). Falou pra eu não contar nada.”

Gaúcha, 37 anos: o medo da represália

“Ele falava que eu estava com os chacras bloqueados. Sentou na poltrona, pediu que sentasse ao lado, de olhos fechados. Pegou a minha mão e colocou em seu peito, começou a respirar fundo. Senti que tentava me hipnotizar. Foi descendo a minha mão, até que senti uma pele úmida e enrugada. Abri os olhos e vi que era o pênis dele. Levantei na hora, indignada e com muita raiva. Ele tentou explicar, dizia que estava incorporado, mas eu sabia que era balela. Se não tivesse medo dos riscos, publicaria meu nome.”