O globo, n. 31167, 06/12/2018. País, p. 5

 

Destino da Funai gera impasse na transição

André de Souza

Eduardo Bresciani

Jussara Soares

06/12/2018

 

 

Fundação que cuida das políticas para os índios vira objeto de jogo de empurra entre os ministérios, depois de ser cotada para a Justiça, Agricultura e Cidadania; na avaliação de assessores de Bolsonaro, órgão pode ser fonte de crises no governo

Alvo de críticas do presidente eleito Jair Bolsonaro, a Fundação Nacional do Índio (Funai) virou pivô de um jogo de empurra entre os ministérios do futuro governo. Território constante de conflitos, disputas ideológicas e entraves que costumam resultar em protestos, o órgão tem sido jogado de um lado para o outro no organograma da Esplanada.

Inicialmente ligada ao Ministério da Justiça, a Funai, criada em 1967 durante a ditadura militar, já esteve cotada para ser transferida para as pastas da Cidadania, da Agricultura e até dos Direitos Humanos, cujo titular ainda não foi confirmado. O entendimento nos bastidores do grupo de transição é que o tema será uma fonte inesgotável de crise na administração federal, devido ao posicionamento do presidente eleito, que se declara contra a demarcação de reservas indígenas e defende a exploração econômica das terras.

A Funai ficou sem “casa” depois que o novo Ministério da Justiça, chefiado por Sergio Moro, passou focar seu perfil de atuação no combate à corrupção, ao crime organizado eaor estabelecimento das políticas de segurança pública país afora.

Ontem, no entanto, Bolsonaro não descartou a possibilidade de a Funai ficar na Justiça, onde está atualmente. Por outro lado, ponderou, mais uma vez, que o exjuiz federal já está sobrecarregado de atribuições. Mais cedo, Moro também não descartou que seu ministério abarque a atribuição.

— Ainda está indefinido. Pode ser até que fique no MJ (Ministério da Justiça), pode ser que saia —disse.

A primeira ideia do grupo de Bolso na rofo ire passara atribuição de cuidar das políticas indígenas para a Agricultura. A medida seria polêmica devido aos diversos conflitos fundiários e disputas por terras que envolvem indígenas e agricultores. A futura ministra Tereza Cristina, discretamente, recusou a transferência da área. E o próprio Bolsonaro rechaçou a ideia.

Demarcações de terra

Descartada a primeira opção, o presidente eleito sinalizou que a Funai poderia ficar na “área social” do governo, mais especificamente na pasta da Cidadania. Entretanto, ontem, o futuro ministro da área, Osmar Terra, foi outro a sinalizar não ter interesse em tocar essa política. Quando informado de que Bolsonaro defendeu tirar a área de Moro, Terra sugeriu uma pasta que nem teve ministro indicado, a de Direitos Humanos.

— Se for por muita coisa, eu também tenho bastante. Acho que não é isso. Tem que ter afinidade, a peculiaridade, onde está a representação da sociedade civil, das etnias que estão lá no Ministério dos Direitos Humanos —ponderou.

Ontem, o presidente eleito voltou a dizer que não dá para suportar os processos de demarcação de terras:

— O homem do campo não pode acordar e ler nos jornais que a sua terra, por uma portaria, iniciou-se para ser demarcada como terra indígena. Isso não podemos suportar mais.

A questão indígena marcou a campanha de Bolsonaro. Ontem, ele voltou ao tema:

— O índio quer energia elétrica, quer médico, quer dentista, quer internet, quer jogar futebol. Quer o que nós queremos. Na Bolívia, um índio é presidente. Aqui no Brasil, alguns querem que o índio continue na reserva como se fosse animal no zoológico. Eu não quero isso.