O globo, n. 31164, 03/12/2018. Rio, p. 9

 

Conta do primeiro escalão

Selma Schmidt

03/12/2018

 

 

Estado gasta R$ 3 milhões mensais com salários de 21 investigados por corrupção

O número de contracheques é considerável; o valor neles, também. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que o estado gasta R$ 3 milhões brutos por mês com o pagamento de salários de 21 integrantes de seu primeiro escalão sob suspeita de corrupção — nenhum está no exercício de sua função( três são aposentados). Alista inclui parlamentares da Assembleia Legislativa( Alerj ), conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e membros do Executivo. O dinheiro custearia mensalmente, por exemplo, três Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Ou bancaria, com troco, afolhados 790 funcionários ativos lotados na Secretaria de Segurança, de R$ 2,3 milhões.

As remunerações de oito das 29 pessoas pesquisadas pelo GLOBO não constam de portais de transparência dos órgãos em que estavam lotadas ou não foram informadas por eles. É o caso de Sérgio Cabral, preso desde novembro de 2016, que não recebe aposentadoria como ex-governador, benefício que existia por lei até 2002. No Senado, onde ficou quatro anos (2003 a 2006), ele não está na lista de beneficiados. E, na Alerj, onde cumpriu três mandatos (1991 a 2002), não requereu a pensão vitalícia a que teria direito, segundo o superintendente do Instituto de Previdência da Alerj (Ipalerj ), Nelson Alves Pereira:

—Por lei, a pensão para deputados acabou em janeiro de 1999. Cabral teria direito, pelos oito anos de mandato até o benefício ser extinto. Mas optou por pedir de volta o que tinha contribuído para o Ipalerj.

Segundo a assessoria de imprensa do governo, ainda não há uma decisão sobre o corte de vencimentos do governador Luiz Fernando Pezão (R$ 19.681,33), preso na última quinta-feira na Operação Boca de Lobo, embora o Ministério Público Federal e a Polícia Federal (PF) ainda não tenham apresentado provas materiais de seu envolvimento direto com o recebimento de propinas. O seu secretário de Obras, José Iran (com vencimentos de R$ 16.579,79 em outubro), detido na mesma ocasião, foi exonerado na sexta-feira..

Legislação permite

Professora do Insper, a especialista em Direito Penal Marina Coelho Araújo explica que o fato de os investigados estarem recebendo, mesmo sem trabalhar, não afronta a legislação:

— Existe a presunção de inocência. É preciso esperar os processos transitarem em julgado.

Alvos das operações Cadeia Velha e Furna da Onça, os deputados Jorge Picciani e Paulo Melo (MDB) recebem pensão vitalícia. Por oito anos de mandato antes de o benefício ser cortado, cada um faz jus a 30% do subsídio de deputado (R$ 7.596,67 de R$ 25.322,25).

Com nove deputados presos e um impedido de entrar no Palácio Tiradentes, é na Alerj, aliás, que a conta fica mais salgada: chega a R$ 2,64 milhões brutos o gasto mensal com pessoal desses dez gabinetes. Isso porque, os deputados suspeitos tiveram as remunerações mantidas, e os funcionários deles permanecem nos cargos.

Pelo regimento interno da Alerj, só o Conselho de Ética pode propor a cassação de um parlamentar. O que já foi feito com relação aos detidos. Na última quarta-feira, no entanto, não houve quorum no Conselho para a escolha do relator do processo.

No TCE, a realidade é um pouco diferente. Desde março de 2017, quando cinco conselheiros e um ex-conselheiro foram presos na operação Quinto do Ouro, os gabinetes estão lacrados. Servidores cedidos de outros órgãos foram devolvidos, e comissionados não dispensados passaram a trabalhar com os conselheiros substitutos —logo, não entram na conta mensal.

Soltos, os seis afastados aguardam que o STJ decida sobre a denúncia do MPF. Enquanto isso, recebem. Quatro, inclusive, têm adicional e abono de permanência. Já condenado a prisão domiciliar e prestação de serviços comunitários, o ex-conselheiro Jonas Lopes teve seus vencimentos cortados. O TCE informou que é preciso uma decisão judicial para que os salários sejam suspensos.