Correio braziliense, n. 20257, 06/11/2018. Política, p. 2

 

Esforço por uma idade mínima

Rodolfo Costa e Hamilton Ferrari 

06/11/2018

 

 

GOVERNO DE TRANSIÇÃO » Mesmo sem admitir a entrada nas negociações %u2014 para não se desgastar com eventual derrota-, Bolsonaro defende regra mais branda para o tempo de aposentadoria, de 56 anos para mulheres e 61 anos para homens. Sessão no Congresso marca início da batalha

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) tenta aprovar pelo menos uma regra de idade mínima para servidores públicos ainda este ano. Na avaliação dele, seria um “grande passo” aprovar a regra de aposentadoria de 56 anos para mulheres e 61 anos para homens. Restará, no entanto, negociar com o presidente Michel Temer e sinalizar a medida aos parlamentares. Afinal, a proposta que se encontra na Câmara prevê 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, sejam trabalhadores do setor público ou privado.

Hoje, Bolsonaro participa de uma sessão solene no plenário da Câmara de comemoração dos 30 anos da Constituição. É a primeira vez que retorna ao Parlamento desde o início da corrida eleitoral. Uma oportunidade para dialogar pessoalmente com os parlamentares, incluindo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a aprovação de parte da reforma da Previdência. O democrata vê com bons olhos colocar em pauta a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para ganhar apoio do pesselista à reeleição da presidência da Casa.

Na quarta, Bolsonaro se reúne com o presidente Michel Temer. O tema principal em debate será a proposta que atualiza as regras de aposentadoria. O desafio será convencer o emedebista a articular junto aos líderes do atual Congresso a aprovação da idade mínima nos moldes planejados. “O grande passo no meu entender, neste ano, se for possível, é passar para 61 anos no serviço público para homem e 56 para mulher e majorar também um ano nas demais carreiras. Acredito que seja um bom começo para a gente entrar o ano que vem já tendo algo de concreto para nos ajudar na economia”, avaliou, em entrevista à TV Aparecida.

O pesselista se mostrou contrário ao dispositivo no texto atual. “Fala-se muito em 65 anos. Mas você não pode generalizar isso daí. Tem certas atividades que nem aos 60 é compatível a aposentadoria. Nós devemos manter essas questões.

A proposta de Bolsonaro não satisfaz o atual governo, que gostaria de aprovar o texto articulado por Temer e pelas equipes econômica e política. Contudo, caso seja mais bem aceita, poderia haver um acordo, até porque a idade mínima é uma regra de que a gestão emedebista nunca abriu mão.

 

Gaveta

O texto atual da reforma da Previdência encontra pouco respaldo do Parlamento. Sem apoio do presidente eleito, tende a permanecer engavetada, pondera o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do pesselista. Ontem, ressaltou que o “sentimento” de dentro do Congresso é de que não será possível votar a matéria em 2018. Para ele, o insucesso na aprovação seria tratado como a “primeira derrota”.

As negociações para alterar a reforma da Previdência, porém, seguem a todo vapor. A regra, explica um dos integrantes da equipe de transição, é focar no que for viável. Alterações à PEC podem ser propostas no plenário da Câmara por meio de uma emenda aglutinativa, por isso parte do otimismo.

O parcelamento da reforma da Previdência é bem-visto por integrantes da base governista na próxima legislatura. Utilizar a impopularidade de Temer para aprovar o dispositivo mais impopular da PEC facilitaria a aprovação da matéria proposta pelo coordenador econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes. “Se avançar pelo menos a idade mínima este ano, facilita o avanço das medidas restantes.”

A reforma proposta por Bolsonaro propõe para a Previdência um modelo de capitalização. É um sistema que substitui o atual sistema de repartição, em que os trabalhadores da ativa bancam os aposentados, por uma proposta em que cada trabalhador faz a própria poupança, que é depositada em uma conta individual. A ideia é defendida por Guedes e pelos irmãos Arthur e Abraham Weintraub, que participam da equipe de transição.

 

Direitos adquiridos versus expectativa

Com o novo governo eleito, os olhares da população miram a reforma da Previdência, um dos principais desafios fiscais da equipe econômica de Jair Bolsonaro. De acordo com dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o Brasil teve, até outubro deste ano, mais de 2.740.435 de solicitações de aposentadoria requeridas pela população. O número representa aumento de 3,65% em relação ao mesmo período de 2017, quando ocorreram  2.643.903 de requerimentos. Ao longo de 2018, o mês com maior número de aposentadorias solicitadas foi maio, com a entrada de 354.839 pedidos.

Para especialistas, a situação diferencia-se entre aqueles que possuem o direito adquirido e aqueles que ainda possuem expectativa de direito. De acordo com Leonardo Rolim, consultor de orçamento da Câmara dos Deputados, o trabalhador que já concluiu o tempo de serviço, além de ter preenchido todos os requisitos necessários, e ainda não entrou com o processo de acesso à aposentadoria, não deve temer o risco de perdê-la.

“Quem tem o direito adquirido não precisa, necessariamente, entrar com o processo agora. O direito adquirido é uma cláusula pétrea, já definida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Pode ser que, com o novo projeto (proposta de Paulo Guedes), o beneficiário tenha um ganho ainda maior. É uma hipótese. Ou seja, ele deve esperar para ver o que vai vir, mas não há o risco de perder o que já tem”, analisou.

No entanto, para quem tem expectativa de direito, ou seja, está na iminência de atingir o tempo de serviço e entrar com o processo, mas ainda não cumpriu com todas as exigências, a situação muda. “Não adianta correr hoje. O trabalhador deve esperar. O que normalmente ocorre, no Brasil e no mundo, é a regra de expectativa do direito de transição, que abarca aqueles que estão perto de se aposentar”, detalhou.

Questionado sobre o processo de aposentadoria em tramitação, caso completados os requisitos, Rolim especifica as situações especiais. “Caso o segurado tenha entrado com o processo, mas não haja resolução final, ele pode desistir (em caso de se interessar sobre outro sistema). Porém, depois de ter o processo aprovado e já sacado a primeira parcela do benefício, não há mais como desistir em prol do outro sistema”, alertou.

Para o professor de Direito Constitucional do Uniceub Eduardo Mendonça, o receio e desconhecimento da população sobre o assunto promove a incompreensão sobre o exercício do direito já adquirido. “Acho que é compreensível essa indefinição. Isso é uma questão técnica. As pessoas têm receio de que a situação mude para pior, além de que não possuem confiança na preservação do direito adquirido. O STF tem uma jurisprudência tradicional, no qual as pessoas com direito adquirido, ou seja, que possuem todos os requisitos, não serão afetadas.”

 

28 nomes definidos para os trabalhos

A equipe de transição começa com 28 nomes para preparar o terreno para o próximo governo eleito de Jair Bolsonaro (PSL) — não há mulheres no time. Os responsáveis pela travessia entre os mandatos foram divididos em 10 grupos de trabalho e terão salários entre R$ 2.585 e R$ 16.215. Amanhã, o atual presidente Michel Temer se reúne com o deputado federal em Brasília para tratar do processo de mudança de gestão. Bolsonaro aproveita a viagem para alinhar discursos com assessores. Segundo ele, os ministros da Agricultura, Meio Ambiente, Relações Exteriores e Infraestrutura estão no “forno” para serem anunciados.

As atividades do grupo começaram ontem no Centro de Convenções do Banco do Brasil (CCBB). A equipe trabalha em diversas frentes para estudar as atuais políticas implementadas e avaliar o que pode ser feito na gestão pesselista. Os grupos de infraestrutura e ciência e tecnologia ditaram os rumos do primeiro encontro, onde foram feitos os primeiros ajustes, explicou Onix Lorenzoni (DEM-RS). “Criamos os primeiros grupos que serão acrescidos de outros anunciados ao longo da semana.”

Até o fim da semana, Lorenzoni admitiu que mais nomes podem ser nomeados. Há, inclusive, a possibilidade de ultrapassar o limite de 50 técnicos indicados para cargos comissionados. Alguns colaborarão voluntariamente, ou seja, não serão remunerados. Dos 27 técnicos, cinco entraram como excedentes voluntários. “De hoje para amanhã, serão publicados mais alguns nomes. Se for o cenário de 16 ministérios e cada um indicar dois, estaremos no limite com a indicação de outros 22 ou 24 nomes”, justificou o futuro ministro da Casa Civil. “Foi a forma que achamos para dar consistência e amplitude aos diversos grupos de trabalho”, acrescentou.

Os nomes foram publicados em duas edições Diário Oficial da União de ontem. Os 27 integrantes restantes foram anunciados durante a tarde. Entre os nomeados está Gulliem Charles Bezerra Lemos, mais conhecido como Julian Lemos, eleito deputado federal pelo PSL da Paraíba. Ele foi condenado em 2011 na primeira instância a um ano de prisão, por estelionato, em regime aberto, mas o processo prescreveu antes do novo julgamento.

Lemos também foi alvo de três acusações de violência doméstica entre 2013 e 2016. Duas delas foram arquivadas por sua ex-esposa, que considerou que extrapolou nos fatos. A terceira, movida pela irmã dele, ainda está em curso, segundo a revista Veja. Além dele, o empresário e sócio da AM4 Brasil Inteligência Digital Marcos Aurélio Carvalho também está na lista, conforme noticiou o portal UOL. A empresa está sendo investigada pela Polícia Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo envio de mensagens em massa via WhatsApp que teriam favorecido Bolsonaro.

Desavenças

A vinda de Bolsonaro para Brasília também serve para desfazer desentendimentos de sua equipe, que ventilou informações e que foram desmentidas pelo presidente eleito em sequência. Apesar de o deputado frisar que os ministros terão carta branca para as ações de cada ministério, ressaltou, em entrevista à TV Bandeirantes que, caso algum integrante do governo critique as propostas apresentadas, ele será cortado. Marcos Cintra, um dos assessores econômicos e integrantes do governo de transição, criticou a implementação do imposto sobre valor agregado (IVA) em seu Twitter na véspera do segundo turno das eleições.

Reportagem publicada pelo jornal Estadão no último sábado destacou as declarações do economista e, durante a entrevista, Bolsonaro afirmou que já havia alertado Cintra. “Esse cara já foi deputado e está lá na equipe de transição. Já conversei com ele para não falar aquilo que não tiver acertado com o Guedes e comigo. Parece que tem certas pessoas que, se é a verdade a informação (publicada pelo jornal), não pode ver uma lâmpada, que se comporta como mariposa.”