Correio braziliense, n. 20254, 03/11/2018. Política, p. 3
Hamas critica plano de mudar embaixada
Vera Batista
03/11/2018
O partido político palestino Hamas protestou ontem contra o plano do futuro presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, de mudar a embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. O porta-voz do Hamas, Sami Abu Kuhri, reagiu ao plano pelo Twitter. “Rejeitamos a decisão do presidente eleito do Brasil de transferir a embaixada de seu país de Tel Aviv para Jerusalém.” Ele afirmou que a decisão é hostil em relação ao povo palestino e ao mundo árabe e islâmico, e pediu que o plano seja revisto.
A intenção do presidente eleito, de transferir a embaixada, é considerada precipitada por especialistas. Diplomatas brasileiros dizem reservadamente temer que o país tenha um grande prejuízo nas transações comerciais internacionais. A advogada Maristela Basso, professora de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP), aconselha que o próximo chefe de Estado pense melhor sobre essa mudança e aguarde a manifestação de outros países sobre o assunto.
“É muito cedo para tomar tamanha atitude sem uma definição do Itamaraty. Apenas os Estados Unidos fizeram isso, de forma traumática e truculenta para aquela região disputada por muitos povos. Bolsonaro foi muito precipitado”, destaca Maristela. Ela acredita que, tão logo seja indicado, o próximo ministro de Relações Exteriores vai convencer o presidente eleito de que essa não é uma boa alternativa.
Para Marcellus Ferreira Pinto, constitucionalista do Nelson Wilians e Advogados Associados, “além da precipitação, o grande problema é o impacto no orçamento”. “É estranho que um governo que anuncia como prioridade o corte de gastos, o enxugamento da máquina pública e o combate à corrupção se proponha, ao mesmo tempo, trocar o local de uma embaixada, aumentando já de início as despesas da União”, avalia.
Caldeirão de conflitos
Além disso, na análise do constitucionalista, a decisão vai de encontro à tradicional política do Itamaraty, que adota historicamente uma atitude imparcial, “sem se meter em ações de cunho ideológico”. “Israel é um caldeirão de conflitos. Não tenho conhecimento de outro governo que tenha feito mudança tão radical no período de transição. Ele está sendo imprudente”, reitera Pinto. O Itamaraty não quis se pronunciar, mas vários embaixadores, com mais de 20 anos de serviços prestados à Nação, acreditam que Bolsonaro fez uma exposição negativa desnecessária do país.
“O Brasil sempre se pautou para direção internacional. O presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, fez um gesto unilateral. Uma atitude agressiva e equivocada no plano do direito internacional que contraria todas as orientações da ONU. Um grande erro”, diz um diplomata. Outro embaixador garante que o Itamaraty nunca será favorável à indicação de Jerusalém como capital. “Jamais. Tenho certeza de que, se o órgão viesse a fazer uma nota, não recomendaria a troca, por diversas razões”.
Entre as razões, além da afronta ao direito internacional, o embaixador cita o princípio da não interferência e a Constituição brasileira, que determina Estado laico. “Bolsonaro deve ter tido aconselhamento de religiosos fundamentalistas e não avaliou, por exemplo, o interesse econômico, os bilhões de dólares transacionados na exportação de carne halal (produzida para os muçulmanos sob os preceitos e normas do Alcorão)”, assinala.
Milhares de empregos podem ser perdidos, dizem os diplomatas, em caso de retaliação dos importadores. A perda de mercado será imediata e difícil de ser reconquistada. Logo o país seria substituído por outros que produzem carne halal, como, por exemplo, Austrália, Argentina e Portugal. “Foi um gesto ousado demais sem qualquer benefício. Os Estados Unidos, do alto do seu imperialismo, podem fazer certas arrogâncias, com razoável repercussão negativa. Mas o Brasil não tem a pujança do império”, comenta.