O globo, n. 31165, 04/12/2018. País, p. 4

 

Entrevista - Caio Vieira de Mello: "Serviu por 88 anos e vai deixar de servir?"

Caio Vieira de Mello

Vinicius Sassine

04/12/2018

 

 

O ministro do Trabalho, Caio Vieira de Mello, reagiu à decisão do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de extinguir a pasta e fatiá-la entre três ministérios. Ao GLOBO, ele fez duras críticas à medida.

Como se sente podendo ser o último ministro do Trabalho?

É glamouroso até ser o último ministro (em tom de ironia), entrar na História como o último. É preocupante o fatiamento do ministério, porque essas secretarias são todas interligadas. Se o sistema for alterado de uma forma muito radical, talvez as funções institucionais sejam prejudicadas. A alteração do ministério é por lei. Haverá uma grande discussão no Congresso. Minha esperança é que, no meio dessa discussão, o bom senso prevaleça.

Mas por que haveria essa discussão no Congresso?

Essa extinção não pode existir por decreto. Precisaria de uma medida provisória para fazer isso tudo. Imagine se ela não for aprovada no Congresso? Vai ser uma confusão. Há um prejuízo enorme para o direito social que precisa ser melhor avaliado pelo presidente Bolsonaro.

O senhor já foi procurado?

Não. Estou aqui isolado. O último dos moicanos.

A transição não chamou?

Chegou um ofício aí pedindo para indicar servidores. Eu vou devolver dizendo as ações do ministério.

O fatiamento do ministério seria inconstitucional?

O fatiamento pode existir, pode haver a extinção do ministério. Mas precisa de lei e, antes disso, ouvir as partes interessadas em audiência pública. As categorias profissionais, os trabalhadores e os empregadores têm de ser ouvidos.

Onde estaria a inconstitucionalidade?

Se ele não seguir a regra do artigo 10 e a regra do artigo 88 da Constituição, vai haver. O FGTS e o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), embora tenham um patrimônio de quase R$ 1 trilhão, são ilusão. Não se pode mexer nisso. O patrimônio dos trabalhadores é intocável. Não há disponibilidade nenhuma, embora seja atraente. É uma coisa extremamente técnica, que tem de ser extremamente vigiada, que não pode jogar nem pra lá nem pra cá. A fiscalização do recolhimento do Fundo de Garantia é da auditoria fiscal. Aí separa as coisas? Um vai pra Fazenda e outro para a Justiça? E o encontro dessas informações?

O fatiamento do ministério desrespeita convenções internacionais?

Com certeza. O Brasil ratificou convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Texto que cria mecanismos de manutenção de organismos de preservação do direito social. E o ministério é o seio disso. Aliás, um ministério que foi criado por militares, pelo regime de 1930. Fez 88 anos. Serviu por 88 anos e vai deixar de servir?

Parte da pasta será entregue a Sergio Moro.

Já pedi uma audiência ao Moro. Até hoje não veio resposta. O problema sindical precisa de uma reforma. Mas nunca no Ministério da Justiça. Seria aqui. É preciso pensar imediatamente nisso. Desde que eu vim para cá, não se emitiu uma carta sindical, e está sendo feita uma ampla revisão das emissões nos últimos cinco anos. Vamos mandar isso tudo para a Justiça? Pode parar o serviço, até se adaptar. Será que o presidente quer isso?

Bolsonaro pode desistir do fatiamento?

Eu já tive dois encontros reservados com a OIT, que queria incluir o Brasil na lista suja do trabalho socialmente inadequado. Não foi incluído, mas agora não sei como vai ficar. Se acontecer alguma coisa nesse sentido, uma medida da OIT, vai refletir até no comércio internacional. Quando o presidente Bolsonaro tomar conhecimento disso tudo, ele vai refletir.

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Trabalho: 1930-2019

Eduardo Bresciani

Daniel Gullino

Geralda Doca

04/12/2018

 

 

Moro ficará com registro sindical, foco de corrupção

O desenho final do governo Jair Bolsonaro, anunciado oficialmente ontem pelo futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, extingue o Ministério do Trabalho e fatia suas atribuições em três diferentes pastas: Justiça, Economia e Cidadania. Foi mais um recuo nos planos do governo de transição, que já havia anunciado e voltado atrás sobre acabar com a pasta nas últimas semanas.

Na divisão confirmada ontem, a nova administração optou por colocar nas mãos do ex-juiz Sergio Moro, futuro titular da Justiça, a área responsável pela emissão de registros sindicais, que já produziu escândalos de corrupção no governo de Michel Temer. Onyx afirmou que a ideia de entregar a área a Moro é uma tentativa de evitar novos problemas:

— Lá estará com certeza aquela secretaria que cuida das cartas sindicais, que foi foco de problemas. Ela vai estar sob controle do doutor Moro, exatamente para a gente combater um foco de muita dificuldade, que é a concessão de carta sindical.

A área de registros sindicais tem sido foco de polêmica há anos e virou caso de polícia com a Operação Registro Espúrio, da Polícia Federal. O esquema investigado envolveria parlamentares e ex-funcionários do ministério na cobrança de propina de até R$ 4 milhões pela concessão de registros.

No mês passado, a Justiça Federal de Brasília aceitou a denúncia do Ministério Público Federal sobre a existência de uma organização criminosa no setor, e tornou réus o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) e outros 19 acusados de envolvimento no caso, entre eles o ex-ministro Helton Yomura (PTB) e o ex-secretário-executivo do ministério Leonardo Arantes, sobrinho do deputado Jovair Arantes (PTB-GO).

A pasta do Trabalho foi criada por Getúlio Vargas, em 1930. No mês passado, o presidente eleito havia anunciado o fim da pasta, mas depois disse que ela seria anexada a outro ministério, mantendo o status.

— Vai ter Ministério do Trabalho mas junto com outra pasta. Vai continuar com status de ministério, não vai ser secretaria — disse o presidente eleito no dia 13 de novembro.

Ontem, a proposta de fatiar as áreas em diferentes pastas gerou uma série de dúvidas sobre o futuro de programas e de áreas estratégicas. Ao longo do dia, Onyx falou de dois destinos diferentes para uma das áreas mais emblemáticas da atual pasta, a fiscalização do trabalho escravo.

O futuro chefe da Casa Civil sugeriu, em entrevista à Rádio Gaúcha, que essa atribuição caberia ao Ministério da Justiça, mas, mais tarde, afirmou que a tendência é ficar dentro da pasta da Economia, que será comandada por Paulo Guedes. Por fim, Onyx acabou admitindo que esse ponto ainda está em estudo pela equipe de transição.

—Tivemos dois desenhos, um (com a área do trabalho escravo) na Justiça, mas também faz sentido estar na economia, pela questão da fiscalização. Isso vai ser definido ainda —disse Onyx.

Dentro da área da Economia irão ficar as questões relativas à fiscalização das relações de trabalho e de políticas públicas para a geração de empregos. Também deverão estar na pasta a ser comandada por Guedes os fundos públicos ligados ao Trabalho, como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A nova carteira

Na pasta da Cidadania, que será chefiada por Osmar Terra, ficaria, nas palavras de Onyx, “uma parte menor”, como as políticas ligadas à economia solidária. Outras atribuições serão encaminhadas para a pasta após “ajustes finos”, afirmou o futuro chefe da Casa Civil.

Bolsonaro repetiu durante as últimas semanas que as mudanças na pasta não significam qualquer perda de direitos trabalhistas. Uma das propostas de campanha do presidente eleito é a criação de uma nova carteira de trabalho, verde e amarela, nos quais algumas regras da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) seriam flexibilizadas.