Título: O salto da China na América Latina e no Caribe
Autor: Barcena, Alicia
Fonte: Correio Braziliense, 14/07/2012, Opinião, p. 21

Secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal)

Em 26 de junho, como conclusão de um giro que o levou ao Brasil, a Argentina, ao Uruguai e ao Chile, o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, escolheu a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) para pronunciar um discurso com cinco propostas concretas com as quais a China pretende delinear sua presença futura na América Latina e no Caribe. Um marco importante que sem dúvida terá um efeito transformador na trajetória de nossa região.

Primeiro, o premier Wen propôs o aprofundamento da cooperação estratégica entre a China e a América Latina e o Caribe com base na cooperação mútua, criando o Fórum de Cooperação China-América Latina e Caribe, que supõe um mecanismo de diálogo periódico entre a China e a troika da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac). Ele reconheceu que a Celac simboliza maior coesão e profundidade regional. O grau de importância desse novo espaço plurinacional é fundamental, por isso propôs a convocação da primeira reunião desse fórum no decorrer deste ano.

Segundo, o premier Wen expressou a vontade de elevar o volume do intercâmbio comercial para US$ 400 bilhões, duplicando os valores atuais, no decorrer dos próximos cinco anos. Uma aspiração que ele reconhece explicitamente é que a China não tem como meta um superavit comercial, e está disposta a importar da região mais produtos manufaturados e de alto valor agregado, além de matérias-primas, tendo em vista alcançar um comércio balanceado e sustentável entre ambas as partes.

Terceiro, tendo como finalidade fortalecer a cooperação no investimento e nas finanças, o premier Wen anunciou que seu país propõe criar o Fundo de Cooperação China-América Latina e Caribe, no qual instituições financeiras chinesas contribuirão, numa primeira tranche, com US$ 5 bilhões na promoção de um investimento conjunto para projetos de cooperação na indústria manufatureira, em altas e novas tecnologias e no desenvolvimento sustentável.

Paralelamente, o Banco de Desenvolvimento da China liderará a concessão de uma linha de crédito especial de US$ 10 bilhões, destinada a promover a cooperação na construção de infraestrutura, incluindo estradas de ferro, rodovias, portos, centrais e redes elétricas de telecomunicações. Quarto, ressaltou a importância da segurança alimentar para a qual sugeriu a criação de uma reserva de 500 mil toneladas de alimentos para fins humanitários. Além disso, destacou a importância de estabelecer um fórum de ministros da Agricultura, que deverá reunir-se, antes de 2013, com um fundo de US$ 50 milhões e o apoio a seis centros de pesquisa, para fortalecer a agroindústria, a manufatura, a ciência e a tecnologia.

Por último, ressaltou a importância de apoiar o intercâmbio cultural, a comunicação, o esporte e a promoção turística entre a América Latina e a China. A China demonstrou capacidade para transformar-se em apenas três décadas na segunda maior economia do mundo e em seu polo mais dinâmico, gerando um novo contorno em âmbito global. Em um período em que a economia mundial enfrenta tempos de enorme incerteza, enquanto que a maioria das economias industrializadas enfrenta a perspectiva de vários anos de baixo crescimento, vulnerabilidade fiscal e alto desemprego, a China consolida sua posição como a economia que mais cresce entre as principais do mundo.

Além disso, a China vem se convertendo em sócio comercial fundamental para a nossa região, e sua importância cresce a cada ano. A elevada demanda chinesa por alimentos, energia, metais e minerais tem beneficiado os países exportadores desses produtos, melhorando seus termos de trocas e estimulando seu crescimento. Ao mesmo tempo, em 2011 a China substituiu a União Europeia como a segunda principal origem das importações regionais. Desse modo, o crescimento do comércio Sul-Sul duplica com vantagem o do comércio global. A partir de 2001, o comércio entre a China e a região teve um crescimento anual médio superior a 30%, alcançando US$ 241,5 bilhões em 2011.

Wen Jiabao manifestou sua vontade de trabalhar em conjunto a partir de uma agenda intensa que marca um salto substantivo de fundo e forma naquilo que a China decidiu participar na região. É nesse contexto que a mensagem que a China quis enviar, pelas mãos de um de seus mais qualificados dirigentes, o primeiro-ministro Wen Jiabao, constitui-se como um divisor de águas na qualidade da relação com a América Latina. Uma proposta integral que, muito significativamente, é encabeçada por um convite em consolidar o diálogo político que marca um salto substantivo de fundo e forma no que a China pensa, em um projeto de prosperidade compartilhada. Para a Celac, cremos que estamos assistindo o estabelecimento de um dos pilares futuros da cooperação Sul-Sul, de uma envergadura e impacto ímpar, e um convite direto por parte da locomotiva da Ásia para um horizonte de novas construtivas possibilidades às quais damos as boas-vindas.