Correio braziliense, n. 20273, 22/11/2018. Política, p. 3

 

Dúvida na Educação

Ingrid Soares

22/11/2018

 

 

GOVERNO EM TRANSIÇÃO » Nome de Mozart Neves, do Instituto Ayrton Senna, seria um dos favoritos para chefiar a pasta, mas a pressão da bancada evangélica pode fazer Jair Bolsonaro desistir dele. Dentro do ministério, o especialista tem boa aceitação

A escolha de um nome para o Ministério da Educação deixou o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), entre a cruz e a espada. O professor Mozart Neves, diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, despontou na lista de cogitados para a pasta. Fontes ouvidas pelo Correio apontam que ele é o mais cotado, tendo, inclusive, uma reunião agendada para hoje com o pesselista. No entanto, a sugestão do docente desagrada a bancada evangélica na Câmara. Com problemas a resolver dentro do próprio partido, Bolsonaro quer evitar rusgas com aliados no Congresso. Em comunicado ontem à noite em uma rede social, avisou que, “até o presente momento, não existe nome definido”.

O recado de Bolsonaro é um afago à bancada evangélica. O argumento dos religiosos é de que Mozart nunca se manifestou publicamente a favor do projeto Escola sem Partido e também não criticou o conteúdo relacionado à diversidade sexual dentro das escolas. É exatamente a ausência de posicionamento que motivou críticas dos parlamentares do setor religioso. Os deputados acreditam que a nomeação dele iria contra a proposta de campanha, pois não traria uma mudança no currículo da escola que agradasse aos setores mais conservadores da sociedade.

 

Outro nome

A Frente Parlamentar Evangélica mantém a sugestão do deputado e senador eleito Izalci Lucas (PSDB-DF) para a Educação. O martelo, no entanto, não foi batido. Bolsonaro quer avaliar a indicação com mais calma e dialogar com mais parlamentares e com o próprio Mozart antes de sacramentar a escolha. Até o fechamento desta edição, a reunião com o docente permanecia agendada.  Além de Mozart, a presidente do Instituto Ayrton Senna, Viviane Senna, chegou a ser contada para o cargo. No entanto, há o temor de que, ao assumir o posto, ela desfalque os projetos sociais realizados pela instituição. Em nota, o instituto negou que o convite de Bolsonaro ao diretor tenha sido realizado, ressaltando que o encontro tem por objetivo “apresentar propostas para a educação”.

Experiência não falta a Mozart. Por esse motivo, ele tem boa aceitação dentro do Ministério da Educação. “Tem um perfil moderado”, avalia um técnico do órgão. O docente foi secretário de Educação de Pernambuco e presidiu inúmeros órgãos e projetos federais na área. Além disso, é químico formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), doutor em química pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pós-doutor na matéria pela Politécnica de Milão, na Itália.

A possibilidade de indicação de Mozart não é unanimidade nem entre acadêmicos. Para a professora Catarina de Almeida Santos, do Departamento de Planejamento e Administração da Universidade de Brasília (UnB), há dúvidas. “É muito vinculado a grupos privados, mas é coerente com o governo que vai entrar. No entanto, para a perspectiva da educação pública, não é o ideal. Ele é claramente vinculado à privatização da educação. Não vai agregar na expansão das universidades públicas”, avaliou.

Do ponto de vista técnico, Mozart poderia ser um bom nome, pondera o cientista político Aninho Irachande, professor da UnB. Dependerá, no entanto, se ele terá autonomia para exercer o cargo. “Teríamos de analisar duas coisas: como ele vai se posicionar e ver que tipo de autonomia terá diante das diretrizes gerais dadas pelo presidente eleito. Como ele não ocupou um cargo similar antes, toda a vida pregressa na área da educação leva a concluir que é uma escolha técnica, de alguém que minimamente entende os problemas do ensino superior do país, independente do ponto de vista ideológico”, ponderou.