Correio braziliense, n. 20272, 21/11/2018. Brasil, p. 6

 

MPF investiga repasses do Mais Médicos

Otávio Augusto

21/11/2018

 

 

SAÚDE » Ministério Público Federal considera que convênio possui “vícios de legalidade”, o que dificulta a fiscalização e expõe Estado a prejuízos. Órgão pede à Justiça que dê prazo de 30 dias para que Opas apresente prestação de contas dos recursos pagos de 2013 a 2018

Após cinco anos de funcionamento, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para investigar a falta de transparência e de controle na execução do convênio do programa Mais Médicos. O órgão entendeu que o contrato com os profissionais cubanos “possui vícios de legalidade, finalidade, motivação, é amplamente vago — o que dificulta a fiscalização do seu cumprimento e expõe o Estado a prejuízos financeiros”. A procuradora da República Luciana Loureiro entendeu que o contrato fere princípios constitucionais, como publicidade, legalidade, moralidade e motivação dos atos administrativos.

O MPF pediu à Justiça para, no prazo de 30 dias, exigir as prestações de contas detalhadas dos valores repassados à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), durante a vigência do programa, entre 2013 e 2018. “A real aplicação dos valores bilionários repassados pelo Brasil (somados ultrapassam R$ 4 bilhões) é imprecisa, porque os planos de trabalho não estabelecem metas, estratégias ou resultados a serem alcançados. Além disso, as prestações de contas apresentadas pela Opas não identificam exatamente em quais despesas são gastos os recursos”, justifica o MPF, em nota.

A ação questiona a disparidade dos valores pagos aos médicos cubanos em relação aos de outras nacionalidades. “Embora a Opas receba R$ 10 mil por profissional cubano, é de conhecimento público que os valores não são inteiramente repassados aos médicos, ficando boa parte retida com o governo de Cuba”, explica o texto. A destinação específica dos valores, no entendimento do MPF, é desconhecida. “É que a informação é protegida por suposta cláusula de confidencialidade pactuada entre a Opas e Cuba, negando ao Ministério da Saúde qualquer ato fiscalizatório”, conclui o texto.

A crise no Mais Médicos começou na semana passada, quando o governo do país caribenho abandonou o convênio após críticas de Bolsonaro. Cuba reclamou de “referências diretas, depreciativas e ameaçadoras” feitas pelo presidente eleito. Por sua vez, Bolsonaro disse que “a ditadura cubana” não concordou com as exigências feitas por ele para manter os profissionais no programa. Entre elas estava a de os profissionais da ilha passarem pelo Revalida, exame de reconhecimento de diplomas de médicos formados no exterior, e  a de receberem a bolsa de R$ 11 mil integralmente — pelo acordo, Cuba fica com 70% do provimento.

 

Explicação

A Opas discorda do MPF e garante que presta contas ao Ministério da Saúde a cada semestre, segundo fórmula pactuada no acordo de cooperação. “Todos os relatórios técnicos, financeiros e de gestão estão disponíveis ao público. Passamos anualmente por rigorosas auditorias internas e externas, que têm demonstrado a aplicação correta e responsável de todos os recursos financeiros e gastos. As instituições, de reputação internacional, que fazem as auditorias externas são contratadas após um processo seletivo”, argumenta, em nota.

Segundo o Ministério da Saúde, “não houve qualquer limitação ou restrição de ordem orçamentária ou financeira aos pagamentos efetuados pelo  Mais Médicos”, destaca”. Em nota, detalha os pagamentos pendentes: “O valor a liquidar corresponde a despesas de bolsas dos meses de novembro e dezembro, que serão transferidos para os profissionais ativos, bem como recursos programados para repasse a Opas”, conclui.