O globo, n. 31165, 04/12/2018. Economia, p. 19

 

Servidor na mira

Geralda Doca

Daniel Gullino

04/12/2018

 

 

Novo governo estuda impor idade mínima de 65 anos para manter privilégios salariais

A proposta de reforma da Previdência elaborada pela equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro, prevê que servidores públicos que ingressaram na carreira antes de 2003 só poderão se aposentar com integralidade (recebendo o último salário) e paridade (tendo direito ao mesmo reajuste salarial que os ativos) se atingirem idade mínima de 65 anos. Ainda não se sabe se haverá diferença de idade para homens e mulheres. Essa regra já fazia parte da reforma que foi apresentada pelo presidente Michel Temer ao Congresso e sofreu forte resistência do lobby do funcionalismo. No entanto, a nova equipe econômica avalia que é preciso manter o discurso de combate aos privilégios para ganhar apoio à reforma.

A exigência da idade mínima tornaria mais igualitários os regimes dos servidores e dos trabalhadores do setor privado. Isso, no entanto, não impactaria quem está na ativa e já atingiu os requisitos mínimos para aposentadoria. Essas pessoas já têm direitos adquiridos.

Ao mesmo tempo, a proposta prevê a desvinculação das aposentadorias do salário mínimo e a antecipação do benefício para idosos e deficientes da baixa renda que não contribuem para o regime previdenciário e são enquadrados na Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). Hoje, esse grupo tem direito a um salário mínimo quando atinge 65 anos de idade.

A ideia é que a partir de 55 anos esses beneficiários já possam ter alguma renda. Uma possibilidade é receber R$ 150 com 55 anos, R$ 200 com 57 anos e R $250 com 60 anos. Os valores vão crescendo gradualmente até que a pessoa chegue aos 65 anos. O valor cheio, no entanto, pode acabar ficando abaixo do salário mínimo, pois também seria desvinculado. Essa modalidade, chamada de assistência fásica (por etapa), seria opcional e só valeria para os benefícios assistenciais.

‘Não tem açodamento’

A desvinculação do salário mínimo está dentro do plano geral de desindexação da economia que a equipe de Bolsonaro pretende implementar. A avaliação é que isso ajuda a derrubar o argumento de que a aposentadoria não pode ser inferior ao piso nacional por ser considerada cláusula pétrea da Constituição.

Segundo fonte a par das discussões, o presidente já deu as linhas gerais: não quer mudanças abruptas nem deixar alguns segmentos em “grande desconforto” para votara matéria. Será a reforma possível, disse a fonte, acrescentando que a proposta precisa ter consistência técnica para dar uma resposta ao mercado.

O futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou ontem que a ideia do novo presidente é fazer a reforma da Previdência sem correria. Segundo ele, o governo não quer um remendo, mas um modelo que dure 30 anos.

— O governo não tem açodamento —disse o ministro, durante entrevista coletiva no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília, onde a equipe de transição se reúne.

Ele disse que a meta é aprovara reforma em 2019, mas admitiu que será preciso convencer tanto o novo Congresso quanto a sociedade, e que isso leva tempo:

— A tramitação congressual vai estar pari passu com o convencimento dos parlamentares e da sociedade. Para conseguir isso, não dá para ser no afogadilho. Queremos aprovar no primeiro ano, mas temos que reconhecer que nossa dificuldade passa por um Congresso que vem bastante renovado.

Os técnicos que estão trabalhando no desenho da reforma pretendem fechar o texto ainda em janeiro para apresentá-lo a o Congresso na abertura do ano legislativo. Nesse momento, explicou uma fonte ,“estamos pinçando pontos comuns em várias propostas”. A reforma de Temer não seria aproveitada integralmente porque estaria contaminada e “dificilmente, seria aprovada”.

Segundo um interlocutor do governo de transição, a nova proposta“não será a de A, B, C ou D”, mas uma nova proposta, com pontos positivos de todas elas. O que muda é a dosagem e a duração da fase de transição para a entrada em vigência das regras mais duras.

Isso significa que será definida uma idade mínima progressiva até 65 anos, mas que ela poderá subir ainda mais de acordo com o aumento da expectativa de vida. Há possibilidade ainda de ser fixada uma idade diferenciada para mulheres com filhos. Além disso, mudanças no valor da pensão e no cálculo da aposentadoria farão parte da proposta.

Custos da capitalização

Para novos trabalhadores, a ideia é criar um regime de capitalização em que cada um contribuirá para uma conta individual de aposentadoria. No regime atual, de repartição, os trabalhadores na ativa financiam a aposentadoria dos mais velhos. A capitalização será acompanhada de mudança no regime de contribuição previdenciária, baseado atualmente na folha de pagamento, considerada deteriorada por causa da informalidade e das novas modalidades no mercado de trabalho. A ideia é arrumar uma fonte de recursos segura para arcar com o custo do regime atual, que perderá receitas coma capitalização.

O diretor executivo da agência de classificação de risco FitchRatings, Rafael Guedes, disseque o país tem poucas condições de arcar com os custos de eventual adoção do regime de capitalização na Previdência. Segundo ele, o sistema é caro porque seca a fonte de financiamento do regime de repartição. Ao separar recursos captados hoje para aposentadorias do futuro, reduz-se as verbas que financiam os benefícios do presente. Em sua opinião, a transição só seria possível se a reforma do atual regime for mais agressiva:

—A capitalização tem custo alto. As contas fiscais do país não permitem esse gasto inicial. 

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Carga tributária sobe para 32,43%, a maior em 4 anos.

Marcello Corrêa

04/12/2018

 

 

Resultado de 2017 foi puxado pelo aumento da arrecadação sobre bens e serviços. Já os impostos sobre a renda recuaram

O peso dos impostos no bolso dos brasileiros aumentou em 2017. Segundo a Receita Federal, a carga tributária passou de 32,29% em 2016 para 32,43% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado. Esse é o maior patamar observado desde 2013, quando o montante alcançou 32,55%.

A alta foi puxada por uma tributação maior sobre bens e serviços. No ano passado, a arrecadação desse tipo de imposto correspondeu a 15,71% do PIB, uma alta em relação aos 15,36% do ano anterior. O tributo que mais impactou os consumidores foi o ICMS, que respondeu por um quinto de tudo que União, estados e municípios arrecadaram em 2017.

Enquanto isso, os tributos sobre a renda pesaram menos: a carga recuou de 6,46% para 6,23%. A maior parte se refere ao Imposto de Renda, que foi o segundo tributo mais importante no ano passado, respondendo por pouco mais de 18% da arrecadação total.

Segundo levantamento da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) considerando dados de 2016, o Brasil ocupa a terceira posição no ranking de países que mais tributam bens e serviços, só perdendo para Hungria e Grécia.

Esse tipo de tributo costuma ser criticado por especialistas por ser regressivo, ou seja, por aumentar a desigualdade de renda, explica o tributarista Paulo Henrique Pêgas, professor do Ibmec-RJ.

—Isso está diretamente relacionado com os índices de desigualdade no Brasil. Você cobra mais imposto de forma igual de pessoas desiguais. Quando uma pessoa compra uma latinha de achocolatado, um produto que todo mundo compra independentemente da renda, por exemplo, paga 40% de tributo, não importa quanto ganha — afirma Pêgas.

Redução para 25%

Ao mesmo tempo, o Brasil é o que menos tributa renda, lucro e ganho de capital. O ranking é liderado pela Dinamarca, onde a carga total é elevada, de mais de 45% do PIB, sendo que mais da metade disso (28,7%) incide sobre a renda.

Relatório da Receita divulgado ontem também mostra que o país tem a segunda maior carga tributária da América Latina, perdendo apenas para Cuba. “Entretanto, convém sempre atentar para os detalhes metodológicos. Por exemplo, os dados divulgados pela OCDE não incluem os governos locais para alguns países”, pondera o documento.

O Brasil já chegou a ter carga tributária de mais de 33,6%, em 2007. Desde 2015, o percentual de impostos no PIB cresce continuamente. Em 2017, a economia cresceu 1%. Mas a carga tributária subiu porque a arrecadação de impostos e contribuições teve uma trajetória de alta ainda mais forte: 1,4% já descontada a inflação.

Reduzir a carga tributária para 25% é uma das promessas da equipe econômica liderada por Paulo Guedes. A expectativa é que o futuro governo de Jair Bolsonaro proponha uma reforma que simplifique tributos. A tarefa está nas mãos do economista Marcos Cintra, indicado para ocupar a Secretaria de Receita e Previdência. O grupo ainda estuda modelos de reforma tributária.

—Na minha opinião, as reformas previdenciária, tributária e trabalhista estão integradas. A tributária é a mais relevante, porque integra as outras duas e vai realmente mexer nessa estrutura. Mas é preciso que seja feita como no Plano Real, aos poucos — defende Pêgas, do Ibmec.