O globo, n. 31162, 01/12/2018. Rio, p. 10

 

GPS no caminho da propina

Aguirre Talento

Bela Megale

01/12/2018

 

 

Rastreamento indica encontros entre doleiro e assessor de Pezão

Após obter registros de ligações telefônicas e gravações de parte delas, a Procuradoria-Geral da República (PGR ) afirma ter conseguido rastreara entrega de uma remessa milionária de propina supostamente paga pela Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio ( Fetranspor ) ao governador Luiz Fernando Pezão (MDB), preso anteontem na Operação Boca de Lobo. O repasse, segundo a PGR, foi feito em dinheiro vivo pelo doleiro Álvaro Novis, dono da Hoya Corretora, a um assessor de confiança de Pezão, Luiz Carlos Vidal Barroso, o Luizinho,também preso na Boca de Lobo. Em delação premiada, Novis disseque operou pagamentos da Fetranspor a pedido de um diretor da entidade. Em depoimentos à Justiça, o empresário Jacob Barata Filho, conhecido como Rei dos Ônibus, e o ex-presidente da Fetranspor Lélis Teixeira já admitiram que a federação mantinha uma contabilidade para pagamentos apolíticos.

Advogados negam

Utilizando recursos de geolocalização (GPS) de celulares, investigadores da Polícia Federal obtiveram provas de que Luizinho esteve com Novis para, segundo agentes, receber uma quantia estipulada em R$ 3 milhões. Um rastreamento de celulares indica que, no dia seguinte, o doleiro foi ao encontro de Pezão. O dinheiro, de acordo com o inquérito do caso, fazia parte de um total de R$ 11 milhões que teriam sido dados pela Fetranspor a Pezão em troca de vantagens. O advogado de Pezão, Flávio Mirza, afirmou que “o governador nega, veementemente, o recebimento de propina”. A defesa de Lélis Teixeira destacou que “desconhece qualquer eventual repasse de valores da Fetranspor em favor do governador Pezão”. Em nota, a Fetranspor alegou que não pode comentar o caso porque não teve acesso à delação de Novis. “A federação segue permanentemente à disposição das autoridades para prestar todo e qualquer esclarecimento que se faça necessário”, diz o trecho final do comunicado.

No shopping e na lagoa

A PGR afirma que um conjunto de provas reunidas por investigadores justifica a prisão de Pezão. Ao fechar um acordo de delação premiada, Novis deu a procuradores e policiais federais gravações de conversas dele e de funcionários da Hoya com Luizinho, nas quais teriam sido combinados pagamentos de propina. “As investigações também revelaram que, no dia posterior ao repasse de R$ 3 milhões, Luizinho se encontrou com o governador Luiz Fernando Pezão para lhe entregar o dinheiro”, alega a PGR no pedido de prisão preventiva, obtido pelo GLOBO. No entanto, não há, no documento, provas definitivas de um repasse feito diretamente ao governador. A investigação aponta que o suposto pagamento da propina de R$ 3 milhões começou a ser combinado em 31 de julho de 2014. Naquele dia, um funcionário da Hoya telefonou para Luizinho, pedindo para o assessor de Pezão( então vice governador) se encontrar com Novis. No diálogo, que foi gravado, o funcionário do doleiro diz: “Precisava bater um papo pra ajeitar! Porque tem coisas que eu tenho que resolver... Documentação pra te entregar, e o chefe quer ver com você como é que é a melhor forma de fazer. Pra ele pegar essa semana ainda! Amanhã, que é sexta, entendeu?”.

Em uma outra ligação feita no mesmo dia, o funcionário da Hoya e Luizinho combinam o local do encontro —um restaurante no Barra Shopping. Dados de geolocalização dos celulares do assessor de Pezão e de Novis indicam que eles estiveram no local. Novis afirmou à Polícia Federal e à PGR que, no estabelecimento, combinou o pagamento dos R$ 3 milhões no dia seguinte. “Com essas informações, não restam dúvidas de que ocorreu o encontro entre Novis e Luizinho no dia 31/07/ 2014 no restaurante Antiquarius do Barra Shopping. Nesse encontro, Novis teria acertado a entrega de grande quantia de dinheiro para o dia seguinte”, diz a denúncia da PGR. Em 1º de agosto, um novo rastreamento dos celulares deles permitiu aos investigadores concluir que o doleiro e o assessor de Pezão estiveram juntos, por volta das 22h, na Lagoa. “Constata-se ainda que Álvaro Novis marcou em sua contabilidade a saída de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais) destina dosa‘ Pé Grande ’, ou seja, para Luiz Fernando Pezão”, diz um trecho da denúncia. O dinheiro teria sido repassado em um posto de gasolina vizinho ao condomínio onde Luizinho morava.

Valores para o 'big foot'

No dia seguinte, 2 de agosto, Luizinho esteve com Pezão para, segundo a PGR, entregara propina. A geolocalização de seus celulares confirma o encontro. Registros de uma empresa de telefonia também mostram que Luizinho manteve “constante contato telefônico” com Pezão no período: foram 24 ligações entre 31 de julho e 2 de agosto de 2014. O relatório ainda traz cópias de 25 bilhetes escritos a mão, apreendidos pela Polícia Federal nas investigações da Lava-Jato do Rio, que indicam pagamentos de propina a Pezão. Por meio de codinomes como “Big Foot”, “Pé”, “Pezzone”, “Pzão” e “Pezão”, trazem valores entre R$ 5 mil e R $140 mil. O material foi apreendido na residência de Luiz Carlos Bezerra, que era assessor do ex-governador Sérgio Cabral.

De acordo coma denúncia da PGR, o montante dos valores escritos nos bilhetes chega acerca de R $2,2 milhões .“Foi possível identificar pagamentos realizados entre os anos de 2012 e 2014”, diz um trecho do documento. Por meio da quebra do sigilo de dados telefônicos de Pezão, investigadores da Polícia Federal apontaram que ele e Bezerra se falaram em datas que constam das anotações. Um exemplo é a indicação de repasse de R $100 mil para “Big Foot” em 18 de janeiro de 2012. Naquele dia, Bezerra e Pezão se falaram duas vezes por telefone.

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PF: empresas do 'Asfalto na porta' faziam suborno

Antônio Werneck

01/12/2018

 

 

Programa custou R$ 700 milhões ao estado, que pegou empréstimo para lançá-lo no interior

A Polícia Federal afirma ter provas de que sete empresas especializadas em obras de infraestrutura pagaram propina ao suposto esquema de corrupção montado pelo governo do estado, em troca de contratos que totalizaram R$ 700 milhões. De acordo com investigadores, são companhias que tocaram o programa “Asfalto na porta”, implementado em municípios do interior. Durante os trabalhos, cada uma repassava ao grupo de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão 8% de tudo que recebiam, diz o inquérito.

As empresas começaram a ser investigadas em 2016, quando policiais apreenderam planilhas de pagamentos na casa de José Orlando Rabello, operador do ex-secretário de Obras Hudson Braga, braço direito de Pezão na época em que o governador esteve à frente da pasta. José Orlando, Hudson e Cabral foram presos em novembro de 2016, por corrupção. Nas planilhas, segundo a Polícia Federal, há várias referências a pagamentos de propina. Ainda de acordo com a investigação, as empresas que participaram do “Asfalto na porta”, lançado em 2012, dividiram as obras entre si, loteando 1.380 vias a serem pavimentadas, a maioria delas localizada na Baixada Fluminense.

Para fazer o “Asfalto na porta” e outros programas, o estado pegou um empréstimo de R$ 3,6 bilhões junto ao Banco do Brasil.

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Fila para o café da manhã e continência para a bandeira

01/12/2018

 

 

Rotina do governador na prisão inclui banho de sol uma vez ao dia. Visitas? Só dos advogados

Antes de ser preso, na última quinta-feira, o governador Luiz Fernando Pezão fez um último pedido aos procuradores da República, delegados e agentes da Polícia Federal que cumpriam o mandado de prisão preventiva contra ele: tomar o café da manhã do Palácio das Laranjeiras, sua residência oficial. Garçons o serviram com várias bandejas. Ontem, em sua primeira refeição no Batalhão Especial Prisional (BEP), em Niterói, a circunstância entrou pela porta da sala com cama e banheiro que ele ocupa na unidade, e a pompa saiu de fininho pela janela. Pezão teve que entrar na fila do refeitório para pegar café e pão com manteiga, cardápio comum a todos.

Primeiro governador do Rio a ser preso durante o mandato, Pezão é acusado de ter recebido R$ 40 milhões em propinas —segundo investigações do Ministério Público Federal, ele teria herdado o esquema criado por Sérgio Cabral. A adaptação de Pezão à realidade do BEP vai além do café da manhã. Sozinho na sala sem grades, ele é monitorado 24 horas por câmeras. Todos os dias, às 8h, terá que participar de uma cerimônia de hasteamento da bandeira. E, assim como os demais presos, trabalhará dentro da unidade. O banho de sol acontece uma vez por dia. Atividades físicas são permitidas. Visitas? Somente após um período de quarentena. Por enquanto, Pezão pode receber apenas seus advogados.