Título: Vítimas detalham esquema das adoções
Autor: Mader , Helena
Fonte: Correio Braziliense, 15/07/2012, Brasil, p. 10

A farsa das adoções irregulares de adultos na Europa e a prisão de advogados envolvidos escondem o drama de dezenas de brasileiros enganados pela quadrilha. Separados por uma distância de 10 mil quilômetros, empresários que vivem em Londres e donos de escritórios de advocacia em Goiás se uniram para criar um lucrativo negócio. Cansados de viver na clandestinidade, brasileiros de origem humilde que estão ilegais no Reino Unido se transformaram em presas fáceis. Alguns entregaram as economias aos integrantes do esquema, denunciado pelo Correio há duas semanas. Agora, com o cancelamento dos processos e a detenção dos denunciados, eles vivem a angústia de perder o dinheiro poupado durante anos e enfrentam o medo da deportação.

A reportagem localizou quatro brasileiros que moram ilegalmente em Londres e pagaram a advogados e empresários brasileiros para tentar conseguir a cidadania europeia. O promotor de Justiça de Goiás Marcos Alberto Rios está certo de que esses cidadãos não agiram de má-fé e foram enganados por uma quadrilha que faturou altíssimo. "Conversei com várias pessoas e tenho certeza de que elas foram vítimas. Esses advogados fizeram promessas e garantiram que tudo seria feito dentro da legalidade. Com isso, vários brasileiros clandestinos na Europa foram seduzidos pelas ofertas de empresas de advocacia. Eles não sabiam que o esquema era fraudulento", avalia o promotor.

O drama desses cidadãos começou há um ano, quando representantes da empresa Fênix Corporation, sediada em Londres e comandada por brasileiros, passou a oferecer os serviços a conterrâneos que estavam na ilegalidade. Os empresários identificados pela polícia como Cláudio Domiciano, Kathia Ribeiro, Manoel Branco e Mateus Cocco percorreram redutos de brasileiros, especialmente os de baixa renda, para prometer ajuda no processo de regularização de vistos. Em uma igreja evangélica, eles encontraram centenas de cidadãos ilegais em Londres e falaram sobre o esquema de adoção de adultos.

Esse procedimento é autorizado pela legislação brasileira, desde que haja um vínculo afetivo entre pais e filhos adotivos. Mas os empresários ofereceram a adoção como forma de regularizar a situação em Londres. Eles garantiram que, caso os brasileiros encontrassem cidadãos portugueses dispostos a adotá-los, poderiam tocar o processo. O valor cobrado podia alcançar 3,7 mil libras, o equivalente a mais de R$ 11 mil. Os valores eram pagos aos representantes da Fênix Corporation ou depositados em contas de advogados com atuação no interior de Goiás, como Paulo e Igor Alves Ferreira. Pai e filho já tiveram a prisão decretada pela Justiça por envolvimento na fraude.

Proposta Maria* ainda se lembra de quando os empresários visitaram a igreja que ela frequenta. "Quando acabou o culto, eles juntaram aquele monte de brasileiro e ofereceram o serviço. Disseram que era tudo dentro da lei. Bastava tirar uma procuração no Consulado Brasileiro em Londres para dar poder aos advogados, que eles cuidariam de tudo", relembra. Maria está ilegal na capital britânica há oito anos e se interessou pela proposta.

A brasileira trabalha como faxineira em residências de Londres e juntou dinheiro para entregar aos negociantes da Fênix. Ela vive em uma casa simples, com mais sete brasileiros e um português. Foi o colega de residência de origem lusitana que se transformou no pai adotivo. "Ele nem cobrou nada, aceitou me adotar para me ajudar, porque sabe como minha vida é difícil aqui", justifica. Ela pagou 3,5 mil libras aos integrantes do esquema e mudou a Certidão de Nascimento. Mas a sentença que liberou a adoção foi cancelada na semana passada, depois que o esquema foi revelado. "Estou desesperada. Tenho dois filhos e três netos no Brasil, sou eu que mando o dinheiro para eles viverem", revela a faxineira, que está há oito anos sem ver a família, que vive no interior de Goiás.

Flávia* frequenta a mesma igreja e tem história semelhante. Ela também foi abordada por empresários da Fênix Corporation durante um culto evangélico de brasileiros na capital britânica. "Liguei para um amigo advogado que mora no Brasil e ele me contou que a lei realmente permite a adoção de adultos. Então fiquei tranquila e animada quando soube que seria um procedimento legal", relembra.

"Quando o processo foi aberto, eu entrava no site do tribunal e acompanhava de longe o andamento. Se meu nome estava lá, na página da Justiça de Goiás, como eu poderia imaginar que era uma fraude", questiona-se Flávia. Os advogados denunciados pelo esquema, Paulo e Igor Alves Ferreira, eram os representantes da brasileira. Os depósitos para pagar pelo serviço foram feitos na conta de Igor — o que serviu de embasamento para a sua prisão. "Tanto o pessoal da Fênix quanto os advogados no Brasil ganharam muito dinheiro com essa história de adoção. Só na minha igreja, as reuniões para tratar sobre isso juntavam até 100 pessoas", conta Flávia, que foi adotada por uma portuguesa frequentadora do mesmo culto. Ela está ilegal no Reino Unido há sete anos.

Suspeitos continuam foragidos

A polícia brasileira já enviou pedidos de informações ao Reino Unido sobre o paradeiro dos representantes da Fênix Corporation. Vítimas da fraude dizem que Cláudio Domiciano teria sido preso, mas a polícia britânica não confirma a informação. Ainda segundo cidadãos que negociaram com a empresa, Mateus Cocco teria fugido para Itália e os outros representantes desapareceram.

O envolvimento desses brasileiros no esquema que ludibriou mais de uma centena de pessoas revolta quem foi vítima. Cláudia* entregou suas economias para representantes da Fênix e advogados no Brasil. "Quem cuidava do meu processo era o doutor Paulo (Ferreira da Silva). Ele me pediu R$ 5 mil porque disse que tinha contatos dentro da Justiça para conseguir liberar os processos mais rapidamente. E, de fato, a sentença saiu de um dia para o outro", afirma. Mãe de um bebê de seis meses nascido em Londres e de mais duas crianças que ficaram no Brasil com os avós, ela está ilegal no Reino Unido há dois anos e teve de pegar empréstimos para tentar regularizar a situação. "Meu cunhado pagou para mim, mas agora vejo que a gente jogou dinheiro fora. É uma revolta muito grande."

Outra vítima do esquema é a brasileira Shirley*, que vive na clandestinidade em Londres há quatro anos e faz bicos para sobreviver. "Um dos empresários da Fênix, o Mateus Cocco, chegou à nossa igreja e disse que também era evangélico. Fez uma pregação e, no final, veio falar do esquema de adoção. Ele explicou que tinha contato com o assistente de um juiz e, por isso, conseguia fazer os processos andarem muito mais rápido", relembra Shirley. "Fiz isso porque não aguento mais ficar ilegal aqui, quero voltar ao Brasil para visitar minha família. No ano passado, minha filha tentou entrar em Londres para me ver, mas foi barrada. Fiquei em depressão."

A polícia acredita que o assistente de juiz que participou do esquema é o técnico judiciário Felipe de Freitas Monteiro. Ele teve a prisão preventiva decretada e está sendo procurado. O advogado Paulo Ferreira da Silva foi preso e, seu filho, Igor Ferreira da Silva também teve a detenção determinada pela Justiça. Mas, até agora, permanece foragido.