O globo, n. 31223, 31/01/2019. País, p. 7

 

Mortos chegam a quase cem em Brumadinho; 259 estão desaparecidos

Bárbara Ferreira

Bruno Abbud

31/01/2019

 

 

Resgate foi paralisado no fim da tarde de ontem devido à forte chuva; trabalho se concentrou onde ficava refeitório da Vale

O número de mortes em Brumadinho (MG) chegou ontem a 99, segundo o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. O Instituto Médico Legal (IML) já identificou 57 pessoas. Restam 259 desaparecidos, que continuam sendo procurados pelas equipes de resgate. A tragédia decorrente do rompimento da barragem da Mina do Feijão deixou ainda 176 desalojados.

A operação ontem ficou concentrada na área par aonde foram arrastados os funcionários da Vale que estavam no refeitório próximo à barragem que se rompeu. Dez corpos foram encontrados nesta região, identificada nos últimos dois dias a partir do reconhecimento de itens de mobiliário e de botijões de gás.

No fim da tarde, o trabalho de resgate foi paralisado por conta da forte chuva que caiu em Brumadinho, entre 14h30 e 15h30. Houve impacto apenas na consistência dosrej ei tosque eram contidos pela barragem eque, agora, formam um mar delam a sobre parte do município.

Na região do desastre também é crescente a presença de voluntários, que atuam no atendimento psicológico de parentes de vítimas e até mesmo no apoio à operação de socorro de animais.

Desengano

Cinco dias depois do rompimento da barragem, Sueli Oliveira Costa, de 48 anos, desistiu de procurar, com as próprias mãos, o marido, Paulo Giovanni dos Santos, tragado pela terra. O sítio em que costumavam passar momentos de folga—com três casas, uma piscina, dois carros e uma motocicleta—ficava no alto de um morro, acerca de 400 metros do refeitório da mineradora. Agora, o lugar — e tudo o que lá havia —se transformou numa montanha de lama.

Um dia depois de ter seu sítio completamente soterrado, Sueli apareceu na televisão tentando encontrar o marido soterrado, por conta própria. Chamou a família para ajudar e, nos últimos dias, até o pai de Paulo, de 84 anos, ajudou a cavar. Em vão.

—Vivemos nove anos felizes, ele trabalhou nisso aqui tudinho, plantou horta, estava comca losnas mãos, para vira Vale ed estruir tudo.

Quando mais um helicóptero cruzou o céu carregando um cadáver — o quarto do dia, às 15 horas — ela franziu atesta, arregalou os olhos e desesperou-se:

— Será que é ele, gente? Será que é meu marido? — disse, escalando um monte de lama para aprimorar o ângulo de visão.

— Eu vou fazer a missa de sétimo dia do meu marido sem enterrar ele, sem saber ondeé que ele está. Issoé um absurdo. Não consigo mais trabalhar, não consigo raciocinar, estamos destruídos.

Sueli se recorda deter telefonado ao marido minutos antes do rompimento da barragem:

— Ele disse: ‘estou aqui rastelando para quando você chegar estar tudo limpinho’.

Paulo avisou que iria almoçar e tirar um cochilo. Não deu tempo devera mulher.

Na manhã desta quarta-feira, ao levar uma escova de dentes do marido para o IML de Belo Horizonte — uma maneira de reconhecerem o DNA de Paulo caso seu corpo chegue por lá — Sueli ouviu de um major da PM que, muito provavelmente, Paulo poderia estar a quilômetros do sítio, arrastado pela lama.

— Esse major disse que nem adianta eu procurar meu marido aqui — conta Sueli, de frente para o mar de lama no qual a propriedade se transformou. —Falou que ele deve estar a uns 30 quilômetros lá para baixo.

Deitado sobre uma toalha, o irmão de Paulo, o motorista Pedro Ferreira dos Santos, que até a manhã de ontem ainda cavava o terreno com as próprias mãos, também desistiu.

— Hoje (ontem) dei por encerrado. Vou esperar os bombeiros, é o que me resta.

Vaca içada

Na manhã de ontem, ao lado da igreja de Nossa Senhora das Dores, em Córrego do Feijão, distrito para onde os corpos resgatados da lama estão sendo levados, o número de covas de um cemitério era ampliado.

O trânsito de helicópteros era frenético. Por volta das 14 horas, enquanto dois transportavam mais corpos, outro içou uma vaca que estava soterrada desde sexta-feira. Outro animal, coberto de lama, vagava na área atingida pela catástrofe. A vaca recém-desatolada pertence ao engenheiro Sérgio Alcici.

—Eles vão sedar o animal e içar par acá-disse ele, enquanto ajudava a mãe, Maria Helena Alcici, de 69 anos, alimpar abagunça causada pela lama. 

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Governo libera R$ 801 milhões para apoio de emergência

31/01/2019

 

 

Os ministérios da Economia e do Desenvolvimento Regional liberaram R$ 801 milhões para apoio emergencial às famílias vítimas da tragédia de Brumadinho (MG), segundo informou ontem o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros.

Os recursos poderão ser direcionados para kits de emergência contendo água potável, colchões, barracas e outros insumos destinados a quem ficou desabrigado por conta do acidente na mina do Córrego do Feijão, controlada pela Vale. Segundo o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, há, no momento, 176 pessoas desalojadas. Haverá também kits para idosos e crianças, com fraldas descartáveis, segundo Rêgo Barros.

O governo federal também vai liberar recursos do seguro defeso para atender aos pescadores da região de Brumadinho. Em geral, o auxílio é pago para os profissionais da área durante a temporada de reprodução dos peixes, quando a atividade de pesca precisa ser paralisada.

De acordo com o portavoz, uma portaria ministerial vai liberar R$ 300 mil para atender agricultores familiares (são 43 no município de Brumadinho), além de R$ 120 mil já disponibilizados regularmente para o programa.

A portaria será publicada na edição de hoje do Diário Oficial da União.