Correio braziliense, n. 20266, 15/11/2018. Política, p. 3

 

Pacto federativo é discutido

Lucas Valença 

15/11/2018

 

 

A mudança no pacto federativo, tema prometido por governos passados, mas ainda não aplicado, se tornou o assunto principal do encontro entre governadores eleitos — realizado ontem, em Brasília. A medida faz com que atribuições e recursos, hoje de competência da União, passem a ser administrados por estados e municípios. A intenção é diminuir a dificuldade financeira das unidades federativas. Segundo o Tesouro Nacional, 15 delas se encontram em estado grave. Porém, os problemas econômicos da União — com expectativa de deficit de R$ 159 bilhões para este ano — são um empecilho à proposta.

A reunião contou com a presença do presidente eleito, Jair Bolsonaro, que chegou acompanhado do futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, que defendeu um esforço para se aprovar a reforma da Previdência. Ao todo, 19 governadores, um vice-governador (João Leão, da Bahia), membros do futuro governo e os presidentes da Câmara (Rodrigo Maia) e do Senado (Eunício Oliveira) compareceram.

Para o governador eleito de São Paulo, João Doria — um dos organizadores do encontro, ao lado de Ibaneis Rocha (Distrito Federal) e Wilson Witzel (Rio de Janeiro) —, o pacto federativo é “do maior interesse” dos gestores estaduais, já que as contas públicas da maioria dos estados estão deficitárias. “Agora vai sair porque há uma decisão política do presidente Jair Bolsonaro de realizar o pacto. Se não saiu no passado, agora vai sair. A contrapartida é a boa gestão”, apontou em discurso confirmado por outros presentes — o encontro ocorreu a portas fechadas. Integrantes da reunião contaram que, ao discursar no início do evento, Doria disse que os governadores presentes não deveriam se manter como “suprapartidários” ou contra o presidente eleito. “Evidentemente, precisamos estar do lado do governo que recebeu mais de 60 milhões de votos”.

Paulo Guedes também falou no encontro e saiu em defesa da reforma da Previdência, tema prioritária do governo. Com um discurso direcionado e cauteloso, como informou um político presente, Guedes chamou os governadores para ajudar no assunto. Segundo ele, desde a redemocratização, os governadores são um instrumento de angariar apoio no Congresso com as bancadas dos estados. Ele deixou claro que, quanto mais rápido forem aprovadas as reformas propostas pelo governo no próximo ano, mais rápido será a descentralização dos recursos.

Houve críticas: o representante do Espírito Santo, Renato Casagrande, explicou que o pronunciamento, em sua visão, foi “mais do mesmo”. Para ele, o governo federal não conseguirá levar adiante o pacto federativo tendo de gastar cerca de 50% do orçamento com a dívida pública. “Como ele vai abrir mão de recursos tendo um engessamento do orçamento como tem hoje? Ele só terá como fazer isso se a dívida pública for reduzida. Se não reduzir, não tem jeito”, questionou. Casagrande conta que uma parcela expressiva dos gestores dos estados é a favor de mudar o sistema de Previdência, mas não a que foi enviada pelo atual presidente Michel Temer.

 

Redistribuição de tributos

Eleito no Paraná, Ratinho Júnior lembrou do discurso de campanha do futuro presidente Bolsonaro que, segundo ele, saiu em defesa do pacto federativo e da “profunda” renegociação das dívidas. No entanto, enfatiza que, “tudo isso” se dará com a aprovação das reformas fundamentais. “É preciso repensar a questão da redistribuição dos tributos do país. O Bolsonaro mesmo tem falado que é preciso de ‘mais Brasil e menos Brasília’”.

Ao encerrar a reunião, o presidente eleito declarou que “fará o possível” para atender as reivindicações dos governos estaduais, independentemente de posição político-partidária, mas não descartou que contará com o apoio dos chefes de Executivos estaduais para apoiar as medidas de interesse do governo no Legislativo. “Algumas medidas são um pouco amargas, mas não pode haver a possibilidade de passarmos por aquilo que a Grécia passou”, declarou, lembrando da crise no país europeu. Segundo ele, o Brasil não terá outra oportunidade de mudar o “destino” e terá de “dar certo”. “É preciso aproveitarmos o rico potencial que o Brasil tem: mineral, biodiversidade, voltado para o agronegócio e agricultura familiar e outras riquezas que estão alavancando nossa economia”, conta.

 

Os sete governadores ausentes eram da região Nordeste. Além do vice-governador eleito da Bahia, João Leão, que representava o governador Rui Costa, o encontro também contou com o governador do Piauí, Wellington Dias, que frisou a posição dos políticos nordestinos. “Em relação à Previdência, compreendemos que há a necessidade de adotar medidas para a diminuir o deficit. No entanto, ressaltamos que não pode ser uma reforma que coloque a conta nas costas dos mais pobres”.