O globo, n. 31222, 30/01/2019. País, p. 6

 

Cinco são presos por rompimento de barragem

Ana Carolina Torres

Dimitrius Dantas

Tiago Dantas

Ciça Guedes

30/01/2019

 

 

Polícia deteve dois engenheiros de prestadora de serviço da Vale e três funcionários da própria mineradora

Cinco pessoas foram presas ontem por ligação com a tragédia de Brumadinho (MG). Em São Paulo, a polícia deteve dois engenheiros da TÜV SÜD, empresa que atestou a segurança da barragem 1 da Mina do Feijão no fim do ano passado. Em Minas, foram presos um geólogo e dois gerentes da Vale responsáveis pela administração da obra e pelo licenciamento ambiental.

Também foram cumpridos sete mandados de busca e apreensão. Um dos endereços visitados pela polícia foi o escritório da empresa alemã TÜV SÜD na capital paulista. Todos os mandados de prisão valem por 30 dias.

Os dois engenheiros presos em São Paulo são Makoto Namba e André Yum Yassuda. Eles assinaram laudos feitos pela TÜV SÜD em junho e setembro de 2018, garantindo que a barragem que rompeu na sexta-feira estava em segurança. Em Minas, foi preso o geólogo da Vale César Augusto Paulino Grandshamp, que também atuou nos relatórios da empresa alemã.

O laudo de setembro, obtido pelo GLOBO, foi assinado por Makoto Namba e César Augusto Paulino Grandshamp. No documento, eles afirmam que realizaram as inspeções de segurança e atestam a estabilidade da barragem. Para o professor Evandro Moraes da Gama, do Departamento de Engenharia de Minas da UFMG, o documento demonstra a fragilidade do processo de controle dessas estruturas.

—O laudo tem uma página, na verdade um parágrafo. E afirma que atesta a estabilidade da barragem em consonância com portaria do DNPM (atual Agência Nacional de Mineração). Uma barragem só pode ser considerada estável se é monitorada constantemente, se tem manutenção constante, se tem um corpo técnico responsável por ela. Há anos insisto nisso: não há barragem estável ad eternum. A carga de rejeito é dinâmica. É preciso mapear fissuras e instalar sensores —afirma o professor.

No despacho em que determinou as prisões, a juíza Perla Saliba Brito criticou o acompanhamento técnico:

“A tragédia demonstrou não corresponder o teor desses documentos com a verdade, não sendo crível que barragens de tal monta, geridas por uma das maiores mineradoras mundiais, se rompam repentinamente, sem dar qualquer indício de vulnerabilidade”.

Outros dois detidos em Minas são gerentes do Complexo Minerário Paraopeba, do qual faz parte a barragem da Mina do Feijão: Ricardo Oliveira, gerente de meio ambiente, saúde e segurança; e Rodrigo Arthur Gomes de Melo, gerente executivo operacional.

Os dois são responsáveis pelo licenciamento e funcionamento das estruturas, incluindo“o monitoramento das barragens ques e romperam ”, segundo ajuíza. De acordo com o despacho, aprisãoé“imp rescindível para a elucidação dos fatos e apuração da prática, em tese, de homicídio qualificado, além dos crimes ambientais e de falsidade ideológica.”

Autovistoria

Para o advogado Marcellus Ferreira Pinto, consultor da Unido, agência de desenvolvimento industrial da ONU, o caso apresenta uma das principais brechas na legislação ambiental, que coloca na mão das empresas boa parte da responsabilidade de atestar a segurança de suas barragens. No caso das mineradoras, esse tipo de inspeção, como a feita pela TÜV SÜD, é equivalente a inspeções particulares feitas em edifícios.

— A empresa que escolhe quem vai executar o serviço e qual o método que vai ser utilizado. Pode contratar um escritório de engenharia e pedir para fazer uma inspeção visual, ou um escritório e pedir uma análise profunda — diz o advogado.

Cabe ao governo checar os relatórios e, embora não seja obrigado afazer vistorias complementares, pode pedi las. Ajuíza frisou que a apuração darespon sabilidade pela tragédia de Brumadinho é complexa pois alguns delitos foram “perpetrados na clandestinidade”. Por isso, ela determinou a apreensão de celulares para que a polícia possa checar mensagens trocadas entre os cinco detidos.

Em nota, a Vale disse que está colaborando “plenamente” com as autoridades e dando apoio“incondicional” às famílias atingidas. A TÜV SÜD afirmou que “lamenta profundamente o rompimento da barragem” eque está“colaborando comas autoridades ”. A empresa diz que fez duas avaliações da obra apedido da Vale: uma revisão periódica da segurança da barragem( junho de 2018) e uma inspeção regular da segurança da barragem (setembro de 2018).

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TÜV SÜD atua como uma espécie de Inmetro alemão

Jan Niklas

30/01/2019

 

 

Empresa fez duas inspeções no ano passado na barragem que se rompeu em Brumadinho (MG) e atestou que ela era segura

Companhia já foi acusada de não fazer o controle necessário em uma usina nuclear

Os alemães costumam dizer que “com o TÜV não tem perdão”, quando levam seus carros para a vistoria que ocorre a cada dois anos. O serviço é um dos vários prestados pela TÜV SÜD, uma das maiores empresas de auditorias técnicas do mundo, com atuação em setores que vão desde alimentos, até energia e inspeção de dutos. Porém, o mesmo rigor e precisão com a segurança no trânsito alemão parece não ter ocorrido na análise da barragem da Vale em Brumadinho (MG).

Atestada como estável pela empresa em duas inspeções ocorridas em junho e setembro de 2018, a estrutura se rompeu na última sexta-feira. A companhia foi alvo de operação policial ontem.

Essa não é a primeira vez que a companhia alemã é cobrada por sua atuação em inspeções de segmentos que demandam alta segurança, como a construção de barragens. Em 2010, o canal de TV alemão ARD revelou que, por décadas, a empresa não realizou o controle necessário em uma usina nuclear no estado de Baden-Württemberg, no sul da Alemanha. Segundo a reportagem, o motivo pode ter sido um conflito de interesses na realização das inspeções, já que a TÜV SÜD, uma empresa privada, poderia ter seu lucrativo negócio de vistorias na usina afetado, caso ocorresse o desligamento definitivo da unidade.

Outro episódio ocorreu em 2014, quando foi descoberto que na Coreia do Sul usinas nucleares estavam utilizando peças com certificados de segurança falsificados. Segundo o jornal sulcoreano “Hankyoreh”, a responsável pela fraude foi a empresa Kocen, que fazia parte do grupo TÜV SÜD.

Selo de qualidade

Ainda assim, a empresa é reconhecida na Alemanha como um selo de garantia e qualidade. Além da consultoria de segurança para grandes obras, indústrias e automóveis, a companhia atua como uma espécie de Inmetro naquele país.

Apesar das normas de segurança serem estabelecidas por agências reguladoras estatais, são empresas privadas como a TÜV SÜD e suas duas maiores concorrentes —TÜV Rheinland e a TÜV Nord —que realizam os testes em produtos que vão desde brinquedos infantis até próteses mamárias ou escovas de dente.

O logotipo da empresa é um dos mais reconhecidos pelos consumidores alemães, e visto como sinônimo de confiabilidade e segurança.

Sediada em Munique, no sul da Alemanha, a TÜV SÜD começou ase formar em 1866, quando operadores de caldeira ava pord acidade de Mannheim decidiram criara primeira agência reguladora privada de instalações industriais. TÜV é uma abreviação para “Technischer Überwachungsverein” (Associação de Inspeção Técnica). Atualmente ela possuiu mais de 24 mil funcionários e atua em mais de 800 cidades pelo mundo. Em 2016, seu faturamento foi de 2,6 bilhões de euros, dos quais 43% provém dos negócios no exterior, segundo o site do grupo. No Brasil, a empresa possui aproximadamente 500 funcionários.