O globo, n. 31221, 29/01/2019. País, p. 6

 

A força do lobby da lama

Bernardo Mello Franco

29/01/2019

 

 

Depois da tragédia, vêm as promessas. Nos últimos dias, políticos anunciaram medidas para evitar que o desastre de Brumadinho se repita. Já aconteceu em 2015, quando o rompimento de outra barragem matou 19 pessoas em Mariana. O Congresso criou duas comissões especiais para discutir a catástrofe da Samarco. O trabalho resultou em seis projetos para reforçar a fiscalização sobre as mineradoras. Até hoje, nenhum deles foi aprovado. O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) tentou endurecer a Política Nacional de Segurança de Barragens. Sua proposta recebeu parecer favorável na Comissão de Meio Ambiente, mas foi arquivada.

“Forças subterrâneas impediram a votação”, diz o tucano. O deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA) propôs regras mais rígidas para as empresas que armazenam rejeitos tóxicos. O texto também foi bloqueado antes de chegar ao plenário. “O lobby das grandes mineradoras é pesado”, ele reclama. Na Câmara, a bancada do setor é suprapartidária, mas tem um líder conhecido: o deputado Leonardo Quintão (MDB-MG), ex-escudeiro de Eduardo Cunha. Em 2014, as mineradoras bancaram 42% de sua campanha. Ele retribuiu com uma atuação incansável pró-empresas. No fim de 2015, Quintão assinou o relatório do Código de Mineração. Antes da votação, descobriu-se que o texto havia sido redigido no escritório de advocacia que defendia a Vale e a BHP.

O deputado não se reelegeu, mas foi alojado na Casa Civil do governo Bolsonaro. Dos 27 titulares da comissão que debateu o Código, 20 declararam doações de mineradoras. A lista incluía o presidente, Gabriel Guimarães (PT-MG), e o vice, Marcos Montes (PSD-MG), atual secretário- executivo do Ministério da Agricultura. Protagonista das tragédias de Mariana e Brumadinho, a Vale investiu R$ 88 milhões nas eleições de 2014. Com a proibição das doações empresariais, o lobby do setor pode ficar um pouco menos escancarado. “Ainda não sabemos como as empresas vão se articular para continuar operando no Congresso”, diz a pesquisadora Alessandra Cardoso, do Inesc.

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Técnica da Vale para barragem é vetada no Chile

Daiane Costa

Patrik Camporez

29/01/2019

 

 

Para especialistas, modelo usado pela mineradora em Brumadinho oferece risco porque ampliação é feita sobre os próprios rejeitos, que formam uma base frágil; governo recomenda fiscalizações imediatas em todo o país

A barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho (MG) usava uma técnica de construção que, por ser menos segura, já foi proibida no Chile, país que é o maior produtor de cobre do planeta. O método é o mesmo usadona estrutura da Samarco, que desmoronou em Mariana (MG), em 2015.

Ontem, o governo federal decidiu recomendar aos órgãos reguladores que determinem fiscalizações imediatas em todas as barragens do país classificadas como de alto “dano potencial associado”. Além disso, as empresas precisarão atualizar os planos de segurança.As medidas vão ser publicadas hoje no Diário Oficial.

O sistema usado em Brumadinho, chamado de alteamento a montante, permite que o dique inicial seja ampliado para cima quando a barragem fica cheia de rejeitos de minério, usando o próprio material descartado —uma lama formada por ferro, sílica e água — como fundação. Segundo especialistas, ele é mais usado por ser mais barato e ocupar menos espaço, mas tem mais riscos de se romper pela falta de uma base sólida.

—Não existe risco zero na engenharia, mas o nível vai depender de quanto se quer gastar. Menor risco, maior custo — diz Alberto Sayão, professor de engenharia de barragens da PUC-Rio.

Willy Lacerda, professor de engenharia geotécnica da Coppe/UFRJ, classifica esse tipo de barragem como “bomba-relógio” e defende que o modelo seja banido também no Brasil:

— Por ser mais econômica, tem vários problemas. O nível de segurança depende muito mais da qualidade da construção e de um controle de estabilidade eficiente. Em 1974, um terremoto destruiu todas as barragens de rejeitos das minas de cobre, no Chile, que então fez a mudança de técnica.

O modelo chileno é conhecido como alteamento a jusante. Mais seguro, é composto por prismas de terra sólida, apoiados no solo. É mais caro, ocupa mais espaço e consome mais terra. Por isso, é menos usado pelas mineradoras.

—Muitas barragens têm esse tipo de modelo e desenho de Brumadinho, com o refeitório e a área administrativa aos seus pés, porque ficam dentro de áreas industriais que têm espaço bastante limitado —afirma Alberto Sayão.

Willy Lacerda acrescenta que o contro lede risco de rompimento, feito pela medição, geralmente manual, da pressão da água no interior da barragem, deveria ser acrescido de um instrumento chamado de inclinômetro, que medea deformação do interior da barragem em vários níveis. Segundo ele, o aparelho identifica se há movimento, um sinal mais fiel de que há possibilidade de a estrutura ruir. Outra medida, segundo Lacerda, seria fazer um estudo que avalia os potenciais impactos da ruptura de uma barragem, chamado de dam break.

—É um programa de computador que calcula a largura e o alcance da mancha de lama resultante do rompimento da estrutura. Isso permite fazer um zoneamento e tirar pessoas do caminho dos rejeitos — aponta o professor.

Outro ponto de risco citado por Alberto Sayão, em relação à barragem de Brumadinho,é o fato de a parede de contenção ser apoiada em cima do rejeito mole. O resíduo é fluido porque a mistura de ferroe sílica ganha água antes de ser jogada na barragem para que o despejo ocorra por tubulação. Assim, toda barragem precisa ter um sistema de drenagem altamente eficiente, para eliminar tanto essa água quanto a da chuva, impedindo que o excesso de líquido abale a estrutura, levando ao rompimento.

Gasto baixo em segurança

A Vale informou que vai apresentar um plano para aumentar os níveis de segurança das barragens. O presidente da empresa, Fabio Schvartsman, disse que a mineradora precisa “ir além de qualquer norma, nacional ou internacional”.

O controle de acidentes também não virou uma prioridade do governo federal, mesmo após a tragédia de Mariana. Um levantamento da ONG Contas Abertas mostra que dos R$ 86,5 milhões autorizados para aplicação na segurança de barragens no país, em 2018, apenas R$ 32,7 milhões foram efetivamente investidos pela União — apenas 37,9% do valor previsto.

Nos últimos 18 anos, o governo federal tem investido, em média, 1/4 do total previsto no orçamento para a segurança na área de barragens. De 2000 a 2018, foram autorizado gastos de R $444,4 milhões nessa área,m aso mont antepago foi de R $167,2 milhões

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Dodge: executivos podem responder criminalmente

29/01/2019

 

 

Procuradora-geral defende que mineradora seja punida ‘severamente’ e que Justiça priorize processos sobre indenizações

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse ontem que os executivos da Vale podem responder criminalmente pela tragédia de Brumadinho.

Ela defendeu que a mineradora seja responsabilizada“severamente” eque a Justiça priorize as ações sobrepaga mento de indenizações às famílias das vítimas da tragédia. Segundo Dodge, o assunto será tratado hoje com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli.

— É muito importante que a Justiça dê uma resposta eficiente, dizendo que este caso deve ser tratado como prioridade. É preciso responsabilizar severamente, do ponto de vista indenizatório, a empresa que deu causa a este desastre, e promovera persecução penal. Executivos podem ser penalizados também — afirmou a procuradora-geral, que participou de um seminário em São Paulo.

Ainda de acordo com Dodge, o responsável pelo departamento de perícia de meio ambiente da Procuradoria-Geral da República (PGR) vaia Belo Horizonte para ajudar os profissionais que trabalham na apuração das causas do acidente.

A tragédia também vai gerar uma manifestação da Organização das Nações Unidas (ONU). Hoje, o comissário especial da entidade para casos de rejeitos tóxicos, o advogado e químico turco Baskut Tuncak, vai pedir uma investigação criminal dos responsáveis pelo desastre. Acarta deve ser entregue à representação diplomática do Itamaraty em Genebra.

— Esse desastre exige responsabilidade e deve ser investigado como crime. O Brasil deveria ter implementado medidas para prevenir colapsos de barragens mortais e catastróficas após o desastre da Samarco de 2015. Nemo governo nema Vale parecem ter aprendido com seus erros e tomado as medidas preventivas necessárias após o desastre da Samarco — diz Tuncak, em trecho do documento antecipado pelo comissário ao GLOBO.