O globo, n. 31220, 28/01/2019. País, p. 4

 

Mais um susto na madrugada de Brumadinho

Ana Lúcia Azevedo

Cleide Carvalho

28/01/2019

 

 

A tragédia se repete

Ameaça de colapso em barragem de água vizinha à que se rompeu causou pânico entre moradores da região. Três mil pessoas foram orientadas a deixar suas casas, mas puderam retornar horas depois. Mortos chegam a 58, e 305 estão desaparecidos

Sirene alerta para risco de novo rompimento

Menos de 48 horas depois do rompimento de uma barragem de rejeitos de minérios da Vale, moradores de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, acordaram na madrugada de ontem com o alerta das sirenes, que avisaram sobre um possível rompimento de mais uma represa. Moradores deixaram suas casas, em pânico.

—Cedinho, ficou todo mundo no desespero. Passou uma caminhonete do vizinho buzinando e avisando para todo para sair. Pegamos água, biscoito, a gente não sabia o que podia acontecer— disse a agente de saúde Raiane de Resende.

Com o risco, as buscas por sobreviventes e corpos foram suspensas. Só foram retomadas às 15h, quando os cerca de 3 mil moradores, que haviam sido desalojados, foram autorizados a retornar para casa.

Segundo a Vale, foi registrado um aumento do nível da água na barragem 6, que fica ao lado do reservatório 1 da Mina do Feijão, que se rompeu na sexta-feira. A capacidade é de três a quatro milhões de metros cúbicos de água.

À tarde, no entanto, o nível de risco da barragem 6 caiu de dois para um, numa escala que vai até três. No fim do dia, foi descartada a possibilidade de novo acidente.

— Não existe risco de um novo rompimento. Boa parte da água que estava na barragem já foi bombeada. O que resta são 140 mil metros cúbicos de água. O monitoramento está sendo feito, e o grau de segurança hoje é maior — afirmou o porta-voz do Corpo de Bombeiros, Pedro Aihara.

De acordo com o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, o alerta foi “por uma questão de cautela” da mineradora.

A barragem 6, segundo o ministro, tem um dreno que não está em funcionamento e será consertado. Isso, combinado ao excesso de chuvas na região, elevou o nível de água da barragem e exigiu o uso da sirene. O alerta não teve relação com a “estabilidade” da barragem, acrescentou.

O morador Davi Laurindo Pereira teve que sair de casa pela segunda vez ontem. Na sexta-feira, estava em casa com a mulher e os dois filhos quando a barragem estourou. Ao ouvir o estrondo, na hora do almoço, correram para um morro próximo. A família se salvou, mas perdeu tudo. Sem teto, Davi procurou abrigo na casa de parentes. Na madrugada de ontem, com o alarme da sirene, Davi, a mulher e os filhos tiveram de sair às pressas pela segunda vez em apenas dois dias.

—Hoje teve sirene. No dia que precisou, não teve nada —reclamava Davi.

Mortos chegam a 58

A Defesa Civil de Minas Gerais informou, na noite de ontem, que o número de mortos no desastre subiu para 58, sendo que 19 já foram identificados. De acordo com o tenente-coronel Flávio Godinho, 305 pessoas ainda estão desaparecidas. Este número cresceu porque novas famílias fizeram cadastros em busca de seus parentes. Ainda segundo ele, 192 resgates foram realizado até o momento. Só ontem foram encontrados 21 corpos.

Os bombeiros trabalham em 14 pontos prioritários de buscas. Um deles é o refeitório, onde a lama atingiu 15 metros.

Um grupo de cerca de 50 pessoas, parentes de desaparecidos, protestou no prédio da Estação Conhecimento, base de apoio da Vale em Brumadinho, e pediu a presença do Exército para comandar as operações de buscas por desaparecidos. Havia enorme insatisfação com a falta de informações.

— Queremos que o pessoal fique em campo trabalhando, trazendo informação concreta —disse Josué Oliveira Silva, um dos líderes do grupo.

Bolsa família antecipado

O Ministério da Cidadania vai antecipar o pagamento de fevereiro do Bolsa Família a 1.506 inscritos que foram atingidos em Brumadinho.

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Celular toca e recebe mensagens, mas o pai não atende

Cleide Carvalho

28/01/2019

 

 

Filha reclama da falta de informações sobre homem de 58 anos, que está desaparecido desde o rompimento da barragem

No terceiro dia depois da tragédia do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), Gisele Santana Loures, de 22 anos, diz que o celular de seu pai ainda toca e recebe mensagens. Para ela, pode ser um indício de que ele pode estar machucado, mas não morto ou soterrado.

—O celular do meu pai não está soterrado. Ele pode estar em algum lugar, precisando de ajuda, mas não querem essa informação que eu tenho para dar —diz Gisele.

Sebastião Santana Loures, o pai de Gisele, tem 58 anos e trabalhava como motorista da Della Volpi, uma das empresas terceirizadas da Vale. A última mensagem que ele trocou por WhatsApp com a família foi às 12h19 de sexta-feira.

— A bateria pode estar quase acabando, mas o celular está ligado. Meu pai não tinha qualquer problema de saúde e era muito esperto. Se ele percebeu alguma movimentação na barragem ele conseguiu correr —diz a jovem.

Gisele disse que só no sábado incluiu o nome do pai na lista de desaparecidos e que a empresa Della Volpi não tem outras informações sobre Sebastião.

—Eles têm a mesma informação que eu. Queria que usassem os dados da rede de celular para tentar achar meu pai, mas ninguém dá atenção —afirma Gisele.

Gisele mandou uma mensagem para o pai às 12h47 de ontem, e a resposta da rede é que a mensagem foi entregue.