O globo, n. 31216, 24/01/2019. Economia, p. 17
'Tem que dar certo'
24/01/2019
Bolsonaro diz que, sem reformas, país pode se tornar Venezuela
O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que o Brasil “tem que dar certo” e tomar medidas para consertara economia, caso contrário corre o risco de se transformar em uma Venezuela. Em entrevista à agência de notícias Bloomberg, em Davos, na Suíca, onde participa do Fórum Econômico Mundial, Bolsonaro disse que o governo vai enviar ao Congresso uma proposta para mudara Previdência com cortes substanciais nos pagamentos de benefícios e com afixaçãode uma idade mínima para a aposentadoria, mas adiantou que as Forças Armadas entrariam apenas “numa segunda parte da reforma”.
Segundo o presidente, há a consciência no país de que as mudanças nas aposentadorias são vitais para que o país e os estados continuem a operar.
—Nossa dívida interna está na casa de US$ 1 trilhão. Grande parte dos estados e municípios está deficitária. Essa reforma interessa a todos eles. Existe uma consciência no Brasil de que essa reforma é vital para que os entes federados possam realmente continuar operando no Brasil. Então, esse sentimento é que nos dá praticamente a certeza de que a reforma da Previdência será aprovada. Obviamente com pequenos ajustes entre a nossa proposta e aquela que o Parlamento vai aprovar. Mas será uma reforma bastante substancial.
Perguntado se não tem medo de protestos contra as reformas, Bolsonaro disse que, diante do déficit orçamentário, não há outra alternativa. Só neste ano, o déficit da Previdência deve chegar a R$ 218 bilhões, equivalente a 2,9% do PIB. Se nada mudar, esse percentual deve saltar para 11,4% do PIB em 2060, segundo projeções da equipe econômica.
— Sabemos que teremos dificuldade nessa área. Mas temos que enfrentar isso agora, não temos outra alternativa. O Brasil tem que dar certo conosco. Senão a esquerda volta ao poder e, aí, não sabemos ao certo qual será o destino do Brasil. Talvez se transformar no regime que se encontra na Venezuela.
Durante a entrevista à Bloomberg, Bolsonaro voltou a falar na melhoria do ambiente de negócios, com a desburocratização e a simplificação tributária que “estão na iminência de serem apresentadas”, e a defender as privatizações, afirmando que estatais improdutivas estarão na linha de frente do programa de desestatização. O presidente disse ainda que há articulações para modernizar o Mercosul, o bloco econômico da América do Sul, e permitir que o Brasil possa buscar acordos comerciais internacionais em separado.
Militar só na 2ª etapa
Ao longo do dia de ontem, o presidente brasileiro teve encontros bilaterais com representantes de outros países, como o ex-premier do Reino Unido Tony Blair e o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe. À noite, em entrevista à Record, Bolsonaro reiterou que o governo precisa fazer a sua parte e que estão nos planos a diminuição da carga tributária e a eliminação de barreiras para atrair investidores.
No Brasil, o presidente em exercício, Hamilton Mourão, admitiu ontem que os militares querem entrar na reforma da Previdência num segundo momento, após a aprovação da emenda constitucional que vai tratar das mudanças nas aposentadorias dos demais trabalhadores.
—Essa é a ideia do ministro da Defesa e do segmento militar —afirmou Mourão, ao ser questionado sobre a declaração do presidente em Davos.
Segundo Mourão, essa divisão não traria prejuízos à reforma, porque mudanças no regime dos militares não precisam ser feitas por meio de proposta de emenda constitucional( P EC) para serem aprovadas. Enquanto uma PEC exige no mínimo 3/5 de votos na Câmara e no Senado e aprovação em dois turnos, um projeto de lei precisa apenas de maioria absoluta dos votos para ser aprovado.
Mourão destacou, no entanto, que a decisão final sobre o assunto será do presidente Bolsonaro:
— Não é ruim (separar a reforma das Forças Armadas) porque já sabem que militar é projeto de lei, e o resto é emenda constitucional. E projeto de lei é mais fácil. É maioria simples, acabou. Mas quem vai decidir isso é o presidente.
Reajuste em negociação
A proposta apresentada pelas Forças Armadas à equipe econômica é que o período de tempo dos militares na ativa aumente de 30 para 35 anos. Eles também estariam dispostos a aceitar a cobrança de contribuição previdenciária sobre pensões. Por outro lado, segundo integrantes do Ministério da Economia, o grupo argumenta que os salários da categoria estão defasados e precisam ser corrigidos.
O próprio Mourão admitiu esta semana que o aumento do tempo de permanência na ativa e a cobrança de contribuição sobre pensões estavam em discussão. Hoje, quando o militar morre, o cônjuge passa a receber a pensão sem o desconto de 11% da contribuição previdenciária. A proposta em discussão prevê que a contribuição dos 11% também seria feita nas pensões.
As Forças Armadas alegam que precisam ter um tratamento diferenciado dos demais trabalhadores. Entre os argumentos está o fato de que a carreira militar tem muitas especificidades, como ausência de benefícios como horas extras e adicional noturno. Além disso, seria inviável que profissionais de idade avançada continuassem a desempenhar atividades como a de soldado, que exigem esforço físico. A categoria alega, ainda, que os integrantes da reserva podem ser convocados a qualquer momento, em caso de emergência.
Hoje, militares podem ir para a reserva remunerada se tiverem 30 anos de serviço, sem exigência de idade mínima. Segundo dados do governo, atualmente, o Tesouro é responsável por 92% das despesas com aposentadorias e pensões dos militares. No INSS, que paga os benefícios de trabalhadores da iniciativa privada, esse percentual é de 31%, e, no serviço público, a parcela subsidiada é de 49%.
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Metas para primeiros cem dias não incluem a Previdência
Jussara Soares
Karla Gamba
24/01/2019
Questão é complexa e ainda está em análise, justifica ministro da Casa Civil
O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, apresentou ontem a agenda para os primeiros cem dias de governo do presidente Jair Bolsonaro. No programa com as ações prioritárias, no entanto, não está incluída a reforma da Previdência, considerada a principal medida econômica a ser adotada pelo governo.
Durante entrevista coletiva após apresentar as metas, Onyx afirmou que a Previdência não entrou no pacote porque, assim como a reforma tributária, é uma questão complexa e que ainda está em análise. O ministro ressaltou, contudo, que a proposta será apresentada “nos próximos dias”:
— (As reformas da) Previdência e tributária são questões complexas, que ainda estão em análise. Temos uma equipe competente no Ministério da Economia. O presidente volta na sexta e vai voltar a dialogar. Deveremos ter nos próximos dias qual será a proposta da nova Previdência.
Na área econômica, o plano prevê o combate às fraudes nos benefícios do INSS (que já foi apresentado numa medida provisória), a abertura econômica e a independência do Banco Central. O governo apresenta a agenda como “marco na boa governança pública do Brasil”.
Na pasta comandada pelo ministro Paulo Guedes, também foi colocada como meta a redução da máquina administrativa, o que incluiria a extinção de 21 mil cargos comissionados e funções gratificadas. Outro tópico da área é a intensificação do processo de inserção econômica internacional, corroborando o discurso de Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial de Davos.
Onyx destacou ainda a viabilização do megaleilão de petróleo do pré-sal, que poderia ocorrer no terceiro trimestre deste ano. Segundo ele, a medida vai fazer com o que o governo federal arrecade valores importantes que “vão auxiliar a própria Petrobras ”. Coma medida, o governo espera arrecadar R$ 100 bilhões.
No Ministério de Infraestrutura, as medidas prioritárias para os cem dias são a ampliação da malha ferroviária e amodernização da infraestruturação aeroportuária a partir de março. De acordo com o chefe da Casa Civil, 12 aeroportos vão a leilão em três blocos, e o governo espera investimentos de R$ 3,5 bilhões. No plano, há a previsão de que dez terminais portuários também sejam leiloados.