Título: Militares vigiaram vida pública e pessoal de Pelé
Autor: Jeronimo , Josie
Fonte: Correio Braziliense, 24/07/2012, Política, p. 6

Documentos do Ministério da Aeronáutica e do Serviço Nacional de Informações (SNI) tornados públicos após a aprovação da Lei de Acesso à Informação revelam que o atleta considerado o melhor jogador de futebol da história teve os passos monitorados de 1972 a 1985 pelos militares. Papéis que fazem parte do acervo do Arquivo Nacional registram relatórios de arapongagem feitos sobre os negócios imobiliários de Pelé, a transação do ídolo para alterar a classificação etária de um filme que estrelou e, até mesmo a suposta militância de um de seus funcionários.

Após o jogador consagrar-se com o tricampeonato mundial, os militares passaram a temer suposta aproximação de Pelé com o PDT de Leonel Brizola. No início da década de 1980, os militares chegaram à conclusão de que o jogador usaria o prestígio do futebol na vida pública. Informes relatam que o atleta estava sendo recrutado pelos pedetistas para se candidatar como vice-governador na chapa de Adhemar de Barros, nas eleições de 1986.

“Após o ingresso de David Lerer, Oswaldo Melantonio e diversos sindicalistas, o PDT estaria pretendendo ‘comprar o passe’ de Edson Arantes do Nascimento — Pelé, para entrar na política através do partido de Brizola. Acreditam os pedetistas que Pelé deverá se candidatar a algum cargo, não sabendo porém, se para deputado federal, senador ou para vice de Adhemar de Barros na disputa para o governo do estado”, traz documento da Aeronáutica.

Documentos de 1974 mostram que os militares dedicaram dois relatórios para avaliar suposta mensagem subliminar contida na Campanha da Fraternidade do mesmo ano. Com o tema Onde está o teu irmão?, os católicos provocaram os militares, pois, à época, a frase foi relacionada as denúncias de opositores do governo de farda que desapareceram. Funcionário de Pelé identificado como Francisco Fornos, nos documentos da Ditadura, foi investigado por supostamente ter usado o mote da Campanha da Fraternidade para protestar em panfletos.

O irmão do funcionário de Pelé investigado pela Ditadura, José Fornos Rodrigues, contou ao Correio que Francisco (falecido há pouco mais de dois anos) prestou serviços de consultoria ao “rei” e a outros dois jogadores em 1973 e 1974. Francisco Fornos era despachante aduaneiro no Porto de Santos. “Meu irmão entendia da burocracia da Receita e de comércio exterior. Ele ficou só um ano com o Pelé até que a empresa que cuidava deu a partida”, lembra.

Segundo Rodrigues, o irmão era um militante petista, católico, defensor da teoria libertária e que nunca participou de qualquer luta armada. “Ele era um idealista e sonhava com um mundo melhor. Não tinha nada a esconder. Ele cuidava do coro da igreja. Nunca se envolveu com grupos armados. Contei que os militares investigaram o Francisco para a minha ex-cunhada (esposa dele), assim que recebi o e-mail do Correio e ela deu risada. ‘Meu marido era um santo’, ela falou”, comentou José Fornos.

Cinco anos depois, Pelé voltou a ser alvo de atenção dos militares ao pleitear alteração da restrição etária do filme Os trombadinhas. Os responsáveis pela Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), órgão ligado à Polícia Federal, entenderam como um ato de desobediência o “lobby” feito por Pelé para transformar a censura 14 anos em livre. Como “lição”, o filme ficou retido por oito meses.

Orientação política

A proximidade de Pelé com Vasco José Faé, presidente do Santos Futebol Clube em 1972, também foi investigada. Os militares relataram que Faé se tornou sócio majoritário de uma rádio que abrigava “esquerdistas” investigados pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Suposta amizade entre o dirigente, os radialistas e um grupo de teatro ligado à empresa de comunicação despertou suspeitas sobre a orientação política do rei do futebol.