O globo, n. 31241, 22/01/2019. País, p. 4

 

Investigados por suspeita de improbidade

Igor Mello

22/01/2019

 

 

Ministério Público apura conduta de 27 deputados citados pelo Coaf

O procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, afirmou que 27 deputados estaduais, com assessores citados em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras( Coaf ), são alvo de investigações na área cível, entre eles Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Neste tipo de apuração, os parlamentares podem ser responsabilizados por improbidade administrativa.

O relatório do Coaf cita os nomes de 75 servidores e ex servidores da Alerj que fizeram movimentações suspeitas entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Um deles é Fabrício Queiroz, do gabinete de Flávio. São conhecidos os nomes de 21 dos 27 parlamentares investigados pelo MP.

Ontem, Gussem rebateu as acusações da defesa de Flávio , que, em pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspendera tramitação doca sono MP RJ, afirmou ser alvo de uma investigação criminal. Segundo Gussem, nenhum dos deputados constam como investigados em procedimentos criminais.

— Existem investigações na área cível contra todos os deputados citados no relatório do Coaf — assegurou o chefe do MP do Rio.

Apuração prossegue

Segundo o Ministério Público, Gussem determinou, no dia 10 de janeiro, que as promotorias de Tutela Coletiva abrissem investigações na esfera cível para apurara possível prática de improbidade administrativa por parte de 27 deputados e exdeputados estaduais.

No caso de Flávio Bolsonaro, o procedimento segue em curso mesmo coma decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF ), de suspendera apuração criminal que envolve o ex assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, cujas transações financeiras foram consideradas atípicas pelo Coaf. As movimentações de Queiroz são analisadas em um procedimento na esfera criminal.

A defesa de Flávio Bolsonaro sustentou ao STF que o Ministério Público do Rio decidiu não incluir o nome de Flávio no rol de investigados como expediente para manter o caso sob sua jurisdição. O senador eleito alega este foi um expediente usado pelos investigadores do Rio para não deslocar o foro para o Brasília.

— Não foi artifício (não torná-los investigados), muito pelo contrário. Foi um cuidado com o nome desses deputados — disse o procurador-geral.

A defesa de Flávio também pediu a anulação das provas obtidas até o momento, argumentando que houve quebra de sigilo bancário e fiscal sem autorização de um juiz. Gussem disse que o Ministério Público do Rio não vai se manifestar nos autos do processo de Flávio Bolsonaro no Supremo. E aguardará a manifestação do relator, o ministro Marco Aurélio Mello, que afirmou “jogar no lixo” pedidos como esse.

A TV Globo localizou parte dos assessores citados no relatório do Coaf. É o caso de Elisangela Barbieri, assessora do presidente em exercício da Alerj, André Ceciliano (PT), que movimentou R$ 26,5 milhões entre janeiro de 2016 e julho de 2017— o maior valor encontrado pelo órgão.

Jorge Luiz de Oliveira Fernandes, outro funcionário da Alerj que não está lotado em nenhum gabinete, movimentou R$ 845 mil — 35 vezes mais do que recebeu de salários. Ele disse que fazia compras para “seu ex-diretor”. A conta dele recebeu recursos de 17 servidores da Assembleia Legislativa do Rio.

—Sempre fiz tudo para ele. Ele ia construir uma casa, eu comprava o material. Ele ia comprar um carro, eu ia comprar para ele — explicou — Mas isso dinheiro dele. Ele tinha um salário muito bom.

André Santo liada Silva Costa, assessor do deputado Mar cio Pacheco( P SC ), movimentou R$1,7 milhão entre janeiro e dezembro de 2016, segundo o Coaf. Mais de R $640 mil foram repassados por contas ligadas a servidores da Alerj. Já Sandro Rosário Soares de Sena, chefe de gabinete de Pedro Augusto (PSD), movimentou R$ 1,37 milhão. Ele recebeu repasses de 21 servidores da Assembleia, o maior número entre todos os citados.

O chefe do Ministério Público do Rio negou que qualquer dos parlamentares seja alvo de procedimentos na área criminal. Nesses casos, ele explicou que, até o momento, as investigações dizem respeito a fatos — as movimentações atípicas de servidores da Alerj identificadas pelo Coaf. É o caso de Fabrício Queiroz.

Ele rebateu a alegação de que houve quebra de sigilo no caso e fez defesa enfática da atuação do Coaf no epísódio.

— Dentro dos protocolos, o Coaf observou rigorosamente alei existente—argumentou Gus sem.

Em defesa do controle

O procurador-geral de Justiça ainda defendeu autonomia dos órgãos de investigação, acusados de seletividade pelo grupo político do presidente Jair Bolsonaro no episódio envolvendo Queiroz:

—Se queremos ter um país íntegro, limpo e diferente, temos que prestigiar os órgãos de controle.

O chefe do MP do Rio ainda fez duras críticas ao que chamou de “falta de transparência” da Alerj na divulgação dos salários de seus servidores.

—A Alerj, na sua página de transparência, não tem os servidores vinculado sacada gabinete. Isso aumenta ainda mais o nosso trabalho —disse Gussem.

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Depósitos fracionados já foram prova para condenação no STF por lavagem de dinheiro

Carolina Brígido

22/01/2019

 

 

Em decisões recentes, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem considerado como elemento para configurar o crime de lavagem de dinheiro o recebimento de depósitos fracionados por parte do investigado. Foi assim, por exemplo, na primeira condenação da Lava-Jato. Em maio do ano passado, o deputado Nelson Meurer (PP-PR) foi enquadrado em lavagem de dinheiro por receber dinheiro dessa forma, em uma tentativa de escapar do rastreamento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ).

O fracionamento de depósitos foi detectada pelo Coaf também no caso do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Segundo relatório, ele recebeu R$ 96 mil em 48 depósitos feitos no intervalo de um mês, entre junho e julho de 2017. Em sua defesa, o parlamentar informou que a operação foi decorrente da venda de um apartamento no Rio.

Os dados bancários de Flávio foram enviados pelo Coaf ao Ministério Público do Rio. Não existe uma investigação judicial instaurada contra o parlamentar. Se for aberto um inquérito, o mais provável é que ele fique na primeira instância. Apesar de ter sido eleito senador, Flávio não teria direito ao foro privilegiado no STF neste caso, porque os fatos ocorreram quando ele ainda era deputado estadual.

A Segunda Turma do STF condenou Meurer por unanimidade no ano passado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O segundo crime foi considerado em relação aos depósitos fracionados. Essa forma de recebimento foi considerada mecanismo para esconder a origem dos recursos.

Em agosto de 2017, esse mesmo entendimento foi usado para justificar abertura de ação penal contra o senador Fernando Collor (PTCAL), também na Lava-Jato. Na denúncia, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que foram feitos vários depósitos fracionados “sem identificação de origem”. As operações foram comunicadas ao Coaf, porque não foram identificados os depositantes. Para a PGR, foi “absurda” a quantidade de depósitos em dinheiro, de forma fracionada. O somatório foi de R$ 2,6 milhões.

Em dezembro de 2017, a Primeira Turma do STF abriu ação penal contra o senador Agripino Maia (DEM-RN). Ele é suspeito de ter cometido lavagem de dinheiro, por ter feito vários depósitos em sua conta entre 2012 e 2014 em valores abaixo de R$ 10 mil, para tentar escapar do Coaf. Segundo a denúncia da PGR, o dinheiro era propina para favorecer a empreiteira OAS nas obras na Arena das Dunas, em Natal, um dos estádios construídos para a Copa do Mundo de 2014. Ao todo, teriam sido depositados dessa forma R$ 654 mil.