Correio braziliense, n. 20277, 26/11/2018. Economia, p. 6

 

Geração solar dispara para aproveitar regras

Simone Kafruni

26/11/2018

 

 

 Recorte capturado

INFRAESTRUTURA » Alteração regulatória deve incluir a remuneração do uso do fio da rede de distribuição em 2019. Distribuidoras estão preocupadas porque o número de consumidores com direito a créditos aumentou 23% em três meses

A possibilidade de mudanças regulatórias, em 2019, para remunerar o uso do fio da rede de distribuição de energia elétrica está provocando uma corrida à geração distribuída, quando o consumidor produz a própria eletricidade e pode fornecer o excedente para a concessionária da própria região. Em junho de 2016, 4,4 mil unidades consumidoras do país recebiam créditos por injetar no sistema mais do que o consumido. Em agosto deste ano, o número saltou 1.168%, para 51,5 mil. Em 23 de novembro, eram 63,5 mil, alta de 23% em três meses. Do total, quase 90% dos créditos são relativos à geração solar fotovoltaica.

O tema, alvo de amplo debate durante o Seminário Nacional dos Distribuidores de Energia Elétrica (Sendi 2018), realizado na semana passada, em Fortaleza, preocupa as distribuidoras de energia, porque pode, no longo prazo, inviabilizar o modelo de negócios. Enquanto as concessionárias querem que a mudança regulatória ocorra o quanto antes, a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) quer exatamente o contrário. No meio da disputa entre os agentes, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) promete abrir uma audiência pública, este ano, para encontrar uma solução.

O diretor-geral do órgão regulador, André Pepitone, diz que é função da Aneel conciliar os interesses antagônicos. “A inovação está transformando a relação do consumidor com o setor elétrico. Nos próximos cinco anos, teremos mais mudanças do que as que ocorreram nos últimos 50”, afirma. O desafio, portanto, é fazer a regulação acompanhar a velocidade das transformações. “São 130 novos sistemas de geração distribuída por dia, mas dentro de um universo de 82 milhões de consumidores conectados às distribuidoras do país, os 60 mil que recebem créditos são uma gota no oceano”, pondera.

Para Pepitone, é natural que as inovações tenham regras diferenciadas para que evoluam. “Em 2015, a Aneel aprimorou a resolução 482 para estimular a geração distribuída. Em 2019, vamos estudar o modelo de negócios. É preciso remunerar o fio de maneira adequada, separado da energia”, explica. “O fato é que não será possível conviver com 82 milhões de consumidores fazendo uso da geração distribuída com o atual modelo tarifário. Isso é impraticável”, afirma.

O secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia (MME), Ildo Grudtner, diz que a pasta trabalha em conjunto com a Aneel. “É necessário antecipar os ajustes, decorrentes de novas tecnologias. O modelo é baseado num fluxo unidirecional, de geração, transmissão e distribuição. Hoje, a carga deixou de ser passiva e é ativa. O fluxo é bidirecional”, destaca.

A correção do rumo, enumera Grudtner, passa pela separação da energia do fio distribuição, pela revisão dos subsídios e pela melhoria de preços e tarifas. “O futuro exigirá uma tecnologia de medição avançada, com comunicação bidirecional. Como tudo está em transformação, também o negócio das concessionárias vai passar por mudanças acentuadas”, aposta. “Mas precisamos antecipar os ajustes regulatórios antes que os problemas ocorram”, completa.

 

Simbiose

O presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Leite, ressalta que a rede é essencial e mesmo a geração distribuída depende dela. “O processo é uma simbiose. Somos favoráveis à microgeração distribuída, porque é inexorável, mas precisa ser implementada com sustentabilidade”, pontua. Segundo ele, 18% do que o consumidor paga na tarifa é para remunerar a distribuição. “A solução tem que ser buscada enquanto o problema ainda é pequeno”, argumenta.

Leite alerta que o preço dos painéis fotovoltaicos caiu muito nos últimos anos e o prazo de payback (retorno do investimento) está diminuindo a tal ponto que permitirá ao regulador retirar o subsídio sem inviabilizar o negócio. “Tem que se buscar equilíbrio, porque se não quem não entrar na microgeração acabará subsidiando os demais. É como em uma mesa de bar, se os primeiros saírem sem pagar, a conta aumenta para quem fica”, comparou.

Segundo ele, a tarifa binômia resolve a situação porque separa o uso do fio da energia, e a compensação fica só na energia. O presidente da Abradee acentua que o negócio das distribuidoras não morre no curto prazo, porque o cronograma da Aneel prevê discutir as mudanças regulatórias no ano que vem e implantá-las em 2020. “A questão é tem muita gente entrando para manter o benefício, por isso a pressa de resolver o impasse regulatório. É preciso saber até quando os entrantes com as regras atuais terão subsídio. Até pagar o painel, até cumprir contratos ou é vitalício?”, indaga.

 

Exemplos internacionais

Durante o Sendi 2018, foram apresentados dois modelos internacionais. Na Itaília, segundo Alberto Biancardi, o sistema precisou passar por uma troca na medição, para equipamentos inteligentes de primeira geração. Nos próximos três anos, a Itália vai instalar os dispositivos mais modernos, que permitirão um novo conjunto de parâmetros. “Os dispositivos precisam medir e interagir com distribuidores, além de dar informações aos reguladores”, diz. O diretor da empresa Eletricista do Chile, Rodrigo Castillo, explica que, como é rateada por todos, a tarifa precisou refletir melhor os custos reais na transição. “A exigência de modernizar o sistema no Chile acabou impactando em aumento de 1,5% na conta de luz. Porém, o esforço tarifário foi pequeno para o desenvolvimento que as mudanças permitirão”, conclui.