O globo, n. 31125, 23/01/2019. País, p. 4 e 6

 

Familiares de miliciano no gabinete

Bruno Abbud

Igor Mello

Vera Araújo

23/01/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

 

 

 

 

Flávio Bolsonaro empregou parentes de ex-PM foragido a quem deu prêmio na Alerj

O gabinete do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSLRJ) empregou até novembro do ano passado a mãe e a mulher do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, considerado pelo Ministério Público do Rio como o homem-forte do Escritório do Crime, organização suspeita do assassinato de Marielle Franco. Adriano foi alvo de um mandado de prisão ontem e está foragido, acusado há mais de uma década por envolvimento em homicídios.

Adriano e outro integrante da quadrilha, o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, foram homenageados por Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), em 2003 e 2004, respectivamente. Adriano é amigo de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, investigado sob suspeita de recolher parte dos salários de funcionários do político. Teria sido Queiroz — amigo do presidente Jair Bolsonaro desde os anos 1980 — o responsável pelas indicações dos familiares de Adriano.

A mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães, e a mulher, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, ocuparam cargos no gabinete de Flávio Bolsonaro. Elas tinham salários de R$ 6.490,35. Segundo o Diário Oficial do Estado, ambas foram exoneradas a pedido no dia 13 de novembro de 2018. O GLOBO revelou a existência do Escritório do Crime em agosto de 2018.

Ex-integrante do Bope, Adriano se formou no curso de operações especiais da PM em 2000. Ele foi preso na operação “Dedo de Deus”, de 2011, desencadeada para combater o jogo do bicho no Rio. À época, era capitão da PM. Ele foi expulso da corporação em 2014.

"Brilhantismo"

Em discurso de 2007, Flávio disse que “não se pode, simplesmente, estigmatizar as milícias, em especial os policiais envolvidos nesse novo tipo de policiamento, entre aspas”. Para ele, à época, “a milícia nada mais é do que um conjunto de policiais, militares ou não, regidos por uma certa hierarquia e disciplina, buscando, sem dúvida, expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos”.

Raimunda é uma das servidoras do gabinete que fizeram repasses para a conta de Queiroz. A ex-assessora, de 68 anos, transferiu R$ 4,6 mil para a conta dele. Ela ocupou cargos na Alerj ao menos desde 2 de março de 2015, quando foi nomeada como assessora da liderança do PP — então partido de Flávio. A mãe de Adriano permaneceu no cargo até 31 de março de 2016, pouco depois do senador eleito deixar o PP e se filiar ao PSC. No dia 29 de junho do mesmo ano, voltou a trabalhar na Alerj, dessa vez no gabinete de Flávio. Já Danielle trabalhou por mais de 11 anos no gabinete de Flávio.

Em outubro de 2003, Flávio apresentou uma moção de louvor ao ex-PM. Ele afirmou que Adriano atuava com “brilhantismo e galhardia”. Segundo a homenagem, o ex-PM prestava “serviços à sociedade desempenhando com absoluta presteza e excepcional comportamento nas suas atividades”. Em julho de 2005, Flávio concedeu uma nova homenagem ao policial. Desta vez concedeu a ele a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria do parlamento fluminense.

O relatório do Coaf aponta mais uma possível ligação entre Queiroz e Adriano. Segundo dados da Receita Federal, Raimunda é sócia de um restaurante localizado na Rua Aristides Lobo, no Rio Comprido. O estabelecimento fica em frente à agência 5663 do Banco Itaú, na qual foi registrada a maior parte dos depósitos em dinheiro vivo feitos na conta de Fabrício Queiroz. Na agência foram feitos 17 depósitos não identificados, em dinheiro vivo, que somam R$ 91.796 — 42% de todo o valor depositado em espécie nas transações discriminadas pelo Coaf, segundo um cruzamento de dados feito pelo GLOBO.

Nessa agência foram registradas transações com valores repetidos mensalmente —um indício de lavagem de dinheiro, segundo um integrante do Ministério Público Federal. Em setembro, novembro e dezembro foram feitos depósitos em espécie no valor de R$ 4.246. Já em outros seis meses foram feitas transferências entre R$ 4.200 e R$ 4.600.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Senador eleito atribui indicação a Fabrício Queiroz

23/01/2019

 

 

Segundo Flávio Bolsonaro, funcionária que apareceu no relatório do Coaf foi contratada por indicação do ex-assessor

O senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) divulgou ontem nota na qual afirma ser alvo de campanha difamatória com objetivo de atingir o governo do pai dele, o presidente Jair Bolsonaro, e responsabiliza o ex-assessor Fabrício Queiroz pelas nomeações da mãe e da mulher do capitão Adriano Magalhães da Nóbrega.

“Continuo a ser vítima de uma campanha difamatória com objetivo de atingir o governo de Jair Bolsonaro. A funcionária que aparece no relatório do Coaf foi contratada por indicação do ex-assessor Fabrício Queiroz, que era quem supervisionava seu trabalho. Não posso ser responsabilizado por atos que desconheço, só agora revelados com informações desse órgão”, diz Flávio na nota.

“Quanto ao parentesco constatado da funcionária, que é mãe de um foragido, já condenado pela Justiça, reafirmo que é mais uma ilação irresponsável daqueles que pretendem me difamar”, completa a nota de Flávio.

A mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães, e a mulher, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, ocuparam cargos no gabinete de Flávio Bolsonaro.

O senador eleito afirma ainda esperar que todas as suspeitas sejam investigadas e que os responsáveis sejam julgados como prevê a legislação.

“Aqueles que cometem erros devem responder por seus atos”, diz a nota.

Sobre as homenagens prestadas na Alerj, Flávio diz que sempre atuou na defesa de agentes de segurança pública e já concedeu centenas de outras homenagens.

Além de empregar os familiares de Adriano da Nóbrega, Flávio por duas vezes homenageou o ex-PM considerado um dos principais nomes da milícia conhecida como Escritório do Crime.

Já a defesa de Fabrício Queiroz também divulgou nota na qual repudia o que chamou de “tentativa espúria” de vincular o nome dele a uma milícia do Rio.

“A divulgação de dados sigilosos obtidos de forma ilegal e sua divulgação na imprensa constitui verdadeira violação aos direitos básicos do cidadão, como também uma grande desumanidade, considerando seu estado de saúde. De outro lado, (a defesa) registra ainda que, embora tenha requerido em três oportunidades, as referidas informações ainda não foram disponibilizadas e para sua total surpresa e indignação vem sendo vazadas diariamente com caráter sensacionalista”.

“Continuo a ser vítima de uma campanha difamatória com objetivo de atingir o governo de Jair Bolsonaro”
Flávio Bolsonaro, deputado estadual e senador eleito pelo PSL do Rio

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Flávio mantém na Alerj quatro assessores citados pelo Coaf

Marco Grillo

Juliana Castro

Igor Mello

23/01/2019

 

 

Ao todo, nove funcionários e ex-funcionários do deputado foram listados por transações suspeitas com Fabrício Queiroz

O deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), senador eleito, mantém empregados na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) quatro servidores citados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) por transações suspeitas com o ex-motorista Fabrício Queiroz. Três funcionários permanecem lotados no gabinete do parlamentar, enquanto um está nomeado na liderança do PSL — Flávio é o líder do partido. Ao todo, nove assessores e ex-assessores do deputado foram listados pelo Coaf.

Uma das funcionárias que permanece empregada é Evelyn Melo de Queiroz, filha do ex-motorista. Agostinho Moraes da Silva e Márcia Cristina Nascimento dos Santos também estão com cargos no gabinete, e Jorge Luís de Souza está alocado na estrutura da liderança do PSL. Os quatro funcionários ainda empregados recebem, juntos, R$ 24,9 mil de salário, em valores líquidos.

Entre depósitos recebidos e transferências feitas, as transações de Queiroz com o grupo de nove assessores e ex-assessores somaram R$ 190 mil entre janeiro de 2016 e março de 2017. Com relação aos quatro funcionários que permanecem na Alerj, o valor citado pelo Coaf é de R$ 17,8 mil no mesmo período.

O maior volume de dinheiro foi movimentado entre Queiroz e duas funcionárias que não estão mais vinculadas a Flávio: Nathália Melo de Queiroz e Márcia Oliveira de Aguiar, respectivamente, filha e mulher do ex-motorista. No total, R$ 136,6 mil entraram ou saíram da conta de Queiroz em transações com as duas familiares.

Depois de ser exonerada da Alerj, Nathália foi nomeada assessora do então deputado Jair Bolsonaro — deixou o cargo em 15 de outubro do ano passado. A personal trainer ainda conseguiu um cargo comissionado na prefeitura de Araruama, mas saiu do posto em dezembro, depois de o relatório do Coaf vir à tona. Já a mulher de Queiroz deixou a Alerj em setembro de 2017 e não ocupou funções comissionadas desde então.

Investigação suspensa

O Ministério Público do Rio investigava Queiroz, que movimentou R$ 1,2 milhão em um ano, por suspeita de lavagem de dinheiro. A apuração foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, após pedido de Flávio, que solicitou ainda a anulação de provas, o que ainda não foi definido. O relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, deve decidir em fevereiro, quando o Supremo voltar do recesso, se a investigação seguirá para a Corte ou permanecerá no Rio.

De acordo com o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, há investigações em andamento, na área cível, sobre Flávio Bolsonaro e outros 26 deputados estaduais. Procurado via assessoria, Flávio Bolsonaro não quis comentar.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Oposição pode criar dificuldades no Conselho de Ética

Bruno Góes

23/01/2019

 

 

O caso envolvendo o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e os pagamentos registrados em relatório do Coaf podem chegar ao Conselho de Ética do Senado, no caso de algum partido ingressar com pedido de investigação no colegiado. O Senado não apura fatos anteriores ao mandato. No entanto, como já ocorreu no caso do ex-senador Luís Estevão, a situação pode se reverter contra o parlamentar, caso seja constatada alguma mentira, seja em pronunciamento do plenário ou mesmo em alguma comissão.

Luís Estevão, eleito em 1998 e cassado em 2000, ficou em evidência após ser acusado de desviar R$ 169 milhões de obras do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo. Ao ser cassado, os senadores entenderam que o político mentiu e quebrou o decoro parlamentar ao negar envolvimento com o esquema.

No Judiciário, uma outra frente de investigação já foi aberta no MP do Rio. Mas o senador Flávio Bolsonaro obteve liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) para paralisar a apuração. A interrupção é temporária. O ministro Marco Aurélio, relator do processo, já avisou que o caso deve ser conduzido pelo MP do Rio. Isso porque, em maio de 2018, o Supremo restringiu o alcance do foro privilegiado. De acordo com a decisão, o STF só aprecia casos de crimes comuns cometidos por deputados federais e senadores no exercício do mandato.

O PT também pode tentar criar dificuldades. O partido discutiu, em reunião, a possibilidade de criação de uma CPI para aprofundar o caso. Para que um CPI possa ser instalada, seja na Câmara ou no Senado, o autor do pedido precisa recolher a assinatura de um terço do total de integrantes da respectiva casa legislativa. Caso seja uma CPI mista, é preciso um terço das assinaturas das duas casas.

Desde a redemocratização, três senadores foram cassados: Luís Estevão, Demóstenes Torres e Delcídio do Amaral. Demóstenes foi cassado por colocar o mandato a serviço de Carlinhos Cachoeira, e Delcídio do Amaral, por obstruir investigação da Justiça.