Correio braziliense, n. 20277, 26/11/2018. Mundo, p. 12

 

União Europeia aprova divórcio com Reino Unido

26/11/2018

 

 

BREXIT » Depois de 17 meses de negociações, termos da saída britânica do bloco europeu foi acordado ontem em Bruxelas. O documento estabelece as regras da separação e enfrenta resistência de boa parte do Parlamento britânico, que ainda precisa retificá-lo

Quatro décadas e meia depois de aderir ao bloco, o Reino Unido divorciou-se oficialmente da União Europeia, em um acordo histórico definido como “tragédia” por Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. O documento de 585 páginas, contendo 185 artigos e três protocolos, ainda precisa ser ratificado pelos parlamentares britânicos, muitos dos quais ameaçam rejeitá-lo. Depois da reunião de cúpula extraordinária de Bruxelas, onde os 27 governantes europeus aprovaram a separação, Juncker falou aos jornalistas, ao lado da primeira-ministra britânica, Theresa May. “Esse é o melhor acordo possível para a Grã-Bretanha, esse é o melhor acordo possível para a Europa.”

O mesmo recado foi enviado por May ao Parlamento britânico. Ela afirmou que “em qualquer negociação, você não consegue tudo o que deseja”. A premiê enfrenta não apenas a oposição, mas um grande grupo de rebeldes no próprio Partido Conservador. “Se as pessoas pensam que pode, de algum modo, acontecer outra negociação, não é o caso. Esse é o acordo que está sobre a mesa, é o melhor acordo possível, o único acordo possível. O Brexit não é um momento de alegria nem de celebração, é um momento triste e uma tragédia”, insistiu Juncker. A saída do Reino Unido da União Europeia está prevista para 29 de março de 2019.

O acordo aprovado ontem inclui os termos do divórcio, com questões como os direitos dos cidadãos europeus no Reino Unido e vice-versa, a conta de 39 bilhões de libras que Londres deve pagar e a solução para evitar uma fronteira com vigilância policial na ilha da Irlanda. A chanceler alemã, Angela Merkel, chamou o resultado dos 17 meses de duras negociações, repletas de sobressaltos, de “obra de arte diplomática”. Depois da ratificação pelo Parlamento britânico, as duas partes ainda precisam se debruçar sobre um ambicioso tratado político e de livre comércio, cujas diretrizes foram citadas em uma declaração política, durante um período de transição que deve prosseguir, no máximo, até o fim de 2022.

 

Gibraltar

A negociação enfrentou na reta final a exigência do governo espanhol de uma garantia para que, depois do Brexit, nenhum acordo entre União Europeia e Reino Unido seja aplicado ao território de Gibraltar sem a aprovação de Madri, algo que o Conselho e a Comissão asseguraram em uma declaração ontem. “A UE, pela primeira vez nos anos que atuamos como Estado-membro, assume a posição política do governo da Espanha a respeito da questão de Gibraltar”, disse o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez, que no sábado adiantou que discutiria com o Reino Unido sobre a soberania compartilhada.

Os críticos de Theresa May consideram esta questão mais uma concessão no acordo de divórcio, além de outras prerrogativas que consideram inaceitáveis. Arlene Foster, líder do pequeno partido unionista norte-irlandês DUP — que, com seus 10 deputados, é um apoio crucial para a maioria parlamentaria de May —, afirmou que o Parlamento britânico rejeitará o acordo. “Não parece existir muito entusiasmo na Câmara dos Comuns por esse acordo. Não vejo como a aprovação vai acontecer”, declarou.

A UE deve se dedicar ao novo estímulo do bloco, idealizado na reunião de cúpula de Bratislava em setembro de 2016. Espera-se que os governantes abordem a questão na primeira reunião sem o Reino Unido no bloco, na cidade romena de Sibiu, em maio. Em um contexto de avanço das forças populistas antieuropeias, o presidente francês, Emmanuel Macron, defendeu a “reforma” da Europa para que a população a entenda. “O Brexit nos diz que (o projeto europeu) não soube tranquilizar nossos cidadãos”, advertiu.

 

Questões cruciais // Veja os principais pontos do acordo que estabelece as bases da saída do Reino Unido em março de 2019:

 

Direitos dos cidadãos

»  Os cidadãos estabelecidos no Reino Unido e os britânicos estabelecidos em um país da UE antes do fim do período de transição poderão continuar vivendo como antes no país de residência. Os direitos dos cidadãos na UE, como a possibilidade de solicitar residência após cinco anos vivendo em um país, serão respeitados para aqueles residentes atualmente no Reino Unido ou em um dos outros 27 países do bloco ou que chegarem durante o período de transição.

 

Conta

»  O preço do Brexit: entre 35 e 39 bilhões de libras (entre 40 e 45 bilhões de euros), segundo o governo britânico, com base no método de cálculo do acordo de divórcio. O Reino Unido deverá cumprir todas as obrigações financeiras que assumiu como membro de pleno direito da UE desde 1973, inclusive as que prosseguirão por mais tempo que o período de transição.

 

Transição

»  Ao consumar o divórcio em 29 de março, o Reino Unido seguirá durante 21 meses no mercado interno da UE e na união alfandegária, para dar tempo de preparação às empresas e países à ruptura final.

 

Futura relação

»  Os negociadores das duas partes ainda precisam finalizar uma declaração política sobre a futura relação após a transição, um documento juridicamente não vinculante e que traçará as linhas da futura negociação sobre um acordo de livre comércio entre ambos.

 

Irlanda do Norte

»  Para evitar o retorno de uma fronteira clássica entre a Irlanda, país da UE, e a província britânica da Irlanda do Norte e, ao mesmo tempo, preservar o acordo de paz da Sexta-Feira Santa de 1998, o acordo responde ao desafio em duas partes. A solução passa pela futura relação entre britânicos e europeus, especialmente por um eventual acordo de livre comércio. Para manter a unidade do mercado único europeu e não apenas a integridade do Reino Unido, a Irlanda do Norte manteria as normas do bloco necessárias para evitar uma fronteira clássica na ilha, como as relativas aos produtos agrícolas ou as fitossanitárias.