O globo, n. 31217, 25/01/2019. Mundo, p. 22

 

Brasil não quer participar de iniciativas de diálogo

Eliane Oliveira

Vinicius Sassine

25/01/2019

 

 

Na visão do governo, única solução para a crise é a saída de Maduro do poder e a redemocratização da Venezuela; ministro da Defesa descarta novamente intervenção militar e diz que declaração de Mourão ‘esgotou o assunto’

O Brasil não cogita participar de iniciativas de mediação propostas por México, Uruguai e alguns países europeus, como Portugal e Espanha, para que governo e oposição venezuelanos negociem um acordo que permita uma saída para a crise naquele país. A ideia é rechaçar qualquer tentativa de prolongamento de Nicolás Maduro no poder e manter a posição de reconhecer unicamente Juan Guai dó como presidente legítimo de um governo de transição da Venezuela.

Segundo fontes envolvidas diretamente no assunto, o governo brasileiro continua atento à questão migratória, tendo em vista o fluxo contínuo de milhares de venezuelanos que entram no Brasil em busca de melhores condições de vida. Porém, a avaliação é que “a única solução para a crise humanitária venezuelana, da qual a migração faz parte, é o retorno da democracia”.

A ordem é manter a Embaixada e o Consulado do Brasil abertos na Venezuela, reportando-se unicamente a Juan Guaidó. Esses postos diplomáticos são importantes fornecedores de informações para o governo brasileiro. O próprio Guaidó pediu, em carta enviada às embaixadas estrangeiras em Caracas logo após declarar-se presidente interino anteontem, que as representações continuem funcionando na capital.

Entre os diplomatas, no entanto, há incerteza sobre a segurança dos representantes brasileiros em Caracas. Entende-se que a presidência interina de Guaidó não tem como oferecer segurança aos funcionários do Brasil, que poderiam ficar expostos a eventuais ataques de grupos paramilitares.

Os palácios do Planalto e do Itamaraty também têm mantido contatos constantes com Colômbia, Estados Unidos, Israel e Holanda — que têm grande interesse na região, devido à presença que tem no Caribe. São, ainda, interlocutores do governo brasileiro os líderes da oposição ao regime de Maduro que atualmente estão exilados em outros países.

Militares divergem

Internamente, há divergências em torno da posição do Brasil ante acrise da Venezuela. Segundo fontes do governo, a área militar sempre defendeu uma atuação mais discreta do Itamaraty e agora se preocupa em garantir, sempre que possível, que não haverá intervenção no país vizinho.

A despeito dessa posição dos militares, o chanceler Ernesto Araújo não hesitou em pôr em prática um plano regional para pressionar Maduro a deixar o cargo. Com apoio dos EUA, Araújo convenceu boa parte dos países do continente que integram o Grupo de Lima a não reconhecer o segundo mandato de Maduro na Presidência e a usar uma linguagem mais forte, em uma tentativa de desclassificar o regime de Caracas. Araújo também recebeu em seu gabinete líderes exilados da oposição venezuelana.

Ontem, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, disse ao GLOBO que não existe “previsão de intervenção” armada na Venezuela diante da radicalização da criseno paí seque espera um maior fluxo de imigrantes venezuelanos no Brasil se a situação na nação vizinha piorar. Segundo Azevedo, o que deve mudar em relação à atuação do Exército bra sile iro é a intensificação da ação na fronteira, em Roraima, em razão do esperado maior fluxo de imigrantes.

— Nossa declaração foi dada pelo presidente em exercício ontem (anteontem). Esgotou o assunto. Não tem previsão de intervenção — disse o ministro, em referência ao vice-presidente Hamilton Mourão.

Questionado sobre a possibilidade de mudança de planos do governo brasileiro ante uma eventual piora da crise envolvendo a permanência de Maduro no poder, ele respondeu:

— Com uma radicalização, o que pode acontecer para a gente é uma alteração do que está em andamento, da Operação Acolhida, de ter um fluxo maior de refugiados. Por enquanto, mais nada.

Até o governo da então presidente Dilma Rousseff, o Brasil mantinha boas relações com o regime chavista. Após o impeachment, em 2016, o então presidente Michel Temer passou a divulgar duras notas contra Maduro. Com a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições, as relações entre os dois países pioraram ainda mais.

Brasil não tem planos

Um general que faz parte do governo disse que não há plano de contingência, caso a situação na Venezuela piore e traga desdobramentos para o Brasil. Por enquanto, afirmou, as fronteiras estão sendo monitoradas, assim como o fluxo de imigrantes que entram.

Fernando Tibúrcio, amigo e ex-advogado de Juan Guaidó, alertou para o risco de o Brasil sofrer as consequências de um possível agravamento da crise na Venezuela. Ele destacou que grupos paramilitares desmobilizados após o acordo de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia poderiam atravessar fronteiras e gerar um clima de instabilidade na região.