O globo, n. 31209, 17/01/2019. Economia, p. 17
Pedido de socorro à união
Manoel Ventura
Gabriela Valente
Rennan Setti
17/01/2019
Seis estados tentam entrar no Regime de Recuperação Fiscal para sanar crise
A equipe econômica já trabalha em formas de ajudar os novos governadores a tirarem seus estados do vermelho. Ao menos seis estados (Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Roraima e Mato Grosso) têm mantido conversas com o Tesouro Nacional sobre a possibilidade de ingressarem no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) — pelo qual podem ficar até seis anos sem pagar suas dívidas com a União e receber aval para empréstimos em troca da adoção de medidas de ajuste fiscal.
O problema é que nem todos atingiram as condições mínimas para ingressar no RRF. Alguns governadores já falam abertamente, porém,na possibilidade de mudar o regime para permitir que seus estados se enquadrem.
Segundo técnicos da área econômica, embora estejam em crise, os estados teriam que estar com indicadores muito piores para ter condições de enquadramento. É preciso, por exemplo, que as despesas com pessoal, juros e amortizações sejam iguais ou maiores que 70% da receita corrente líquida (recursos disponíveis) e que as obrigações sejam maiores que a disponibilidade de caixa. Até agora, apenas o Rio de Janeiro —de longe o estado em piores condições —conseguiu entrar no RRF.
—Vários estados ainda estão apurando com a nossa ajuda o tamanho real do problema fiscal. Qual o tamanho do déficit orçamentário e o total de despesas atrasadas que ainda não estão em restos apagar? Vários não têm essas contas — explicou um técnico do governo.
Além de enviar equipes do Tesouro in loco para esmiuçar as contas regionais em situação mais grave (Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Sul), o Ministério da Economia tem recomendado a adoção de medidas como aumento de impostos e privatização de estatais para reequilibrar as finanças. As sugestões foram incluídas num guia para governadores publicado ontem.
Defesa de novo programa
O ministro da Economia, Paulo Guedes, recebeu ontem quatro governadores: Romeu Zema (MG), Helder Barbalho (PA), Mauro Mendes (MT) e Ronaldo Caiado (GO). Todos pediram algum tipo de ajuda para fechar as contas.Técnicos do governo reconhecem que as condições para ingresso no regime de recuperação são muito duras e acabam deixando estados num limbo: não pagam contas em dia, mas não conseguem ser socorridos pelo governo federal.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), defendeu uma mudança na lei de recuperação fiscal dos estados. Ele disse que o tratamento não pode ser o mesmo para estados com situações diferentes. E falou que — se houver acordo —a lei pode ser alterada rapidamente:
— Desde que haja um acordo com o ministro, um acordo com o presidente e um acordo com as bancadas, isso rapidamente se vota. Não é um problema. É matéria que entra na pauta,passa pelas comissões, é votada no plenário e é sancionada pelo presidente. Você faz isso tranquilamente em 21 dias, três semanas ou um mês.
Goiás pleiteia um prazo para ficar sem pagar os R$ 190 milhões que repassa mensalmente ao governo federal. Assim, poderia reerguer as finanças do estado e, segundo ele, sair de um sufoco imediato.
Sobre a recomendação de aumentar impostos, disse que isso é “impossível, inviável e inaceitável” e que o caminho é cortar despesas.
Segundo a secretária de Fazenda de Goiás, Cristiane Alkmin, a entrada no RRF daria fôlego ao estado para dar prioridade à folha de pagamento de dezembro e a outros restos a pagar, que somam R$ 3,4 bilhões.
—Quero entrar no regime para encurtar o sofrimento, porque teríamos um alívio da ordem de R$ 2 bilhões com juros e amortizações.
Já Minas Gerais sequer tem nota de crédito atribuída pelo Tesouro, em relatório divulgado no ano passado. O estado não enviou todas as informações necessárias para a classificação, o que deve dificultar ainda mais inserir o estado no regime de recuperação.
Após o encontro com Guedes, o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), afirmou que decretará calamidade financeira no estado hoje. Após a aprovação do decreto pela Assembleia Legislativa — que não entrou em recesso porque não conseguiu votar o orçamento deste ano — o governador deve colocar em prática um plano de recuperação. Ele evitou comentar se o estado quer entrar no regime de recuperação fiscal e disse apenas que pediu a Paulo Guedes que liberasse recursos do Fundo de Exportação, que não teriam sido pagos no ano passado:
— É um canudinho para que não morramos afogados. Precisamos sobreviver.
Segundo ele, Guedes pediu um estudo rápido e objetivo sobre o fundo de exportação. A liberação auxiliaria outros estados exportadores. Mato Grosso, entretanto, teria direito à maior parte do bolo (R$ 500 milhões) por ser vendedor de commodities agrícolas. O total a ser distribuído, segundo ele, é de R$ 1,9 bilhão.
No caso de Goiás, integrantes do Tesouro Nacional já se comprometeram a enviar uma equipe de técnicos para avaliar as contas do estado. O governo federal irá esperar o resultado da auditoria para saber se Goiás se enquadra no regime de recuperação fiscal ou propor outra solução para a crise. Em razão da inadimplência, Goiás foi rebaixado para o último nível de capacidade de pagamento medido pelo Tesouro, o que impossibilita o pedido de empréstimos com garantia federal.
O secretário de Planejamento e Finanças do Rio Grande do Norte, Aldemir Freire, defende que o Tesouro crie um programa diferente de ajuda a estados em dificuldade, com base em outros parâmetros e com outro tipo de suporte:
— Temos interesse em entrar no programa, mas não nos enquadramos nesse que está aí, e ele tampouco atende às nossas necessidades. Nossa dívida financeira é de R$ 250 milhões por ano, mas tempos um passivo com servidores e fornecedores da ordem de R$ 2,5 bilhões. Temos quatro folhas em aberto.
Freire disse que propôs a mudança ao Tesouro em reunião na semana passada e que seus interlocutores se mostraram “sensíveis” à ideia. O GLOBO procurou o governo de Roraima, mas não teve retorno.
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Governo quer identificar alertas ignorados, diz Barbalho
17/01/2019
Governador do Pará afirma que União vai liderar processo para responsabilizar gestores anteriores por quebradeira dos estados
O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), afirmou que o governo federal capitaneará um processo para responsabilizar os gestores anteriores e Tribunais de Contas Estaduais (TCEs) pela quebradeira generalizada nos estados. Ele se reuniu com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que teria dito que a intenção é fechar um acordo com os novos governadores para que a investigação seja iniciada.
De acordo com Barbalho, há uma clara compreensão do governo federal de que os novos gestores estão comprometidos com o ajuste das contas dos estados e não podem ser punidos ou terem os mandatos inviabilizados pela má conduta dos antecessores. Ele disse que o Tesouro Nacional pedirá aos TCEs um levantamento de alertas feitos e ignorados pelos antigos governadores. O governo federal também quer que os novos governadores levantem possíveis omissões de técnicos das Cortes estaduais de contas que legitimaram gestões que não foram responsáveis no campo fiscal.
—Há uma busca de movimento para tentar responsabilizar os antecessores. O Tesouro deve convocar os Tribunais de Contas dos Estados já nos próximos dias —comentou Barbalho.
Ele explicou, ao sair do encontro com o ministro, que o assunto deve ser tratado no Fórum dos Governadores marcado para o início de fevereiro.
No caso de Minas Gerais, uma equipe de 12 técnicos do Tesouro esteve em Belo Horizonte no início da semana para traçar um diagnóstico da situação. Após essa etapa, o governo de Romeu Zema quer desenhar as principais medidas e contrapartidas que lhe permitam aderir ao plano de recuperação fiscal.
Em 2018, o déficit do regime de Previdência mineiro até outubro estava em R$ 13,4 bilhões. Já o déficit orçamentário fechou em R$ 11,4 bilhões.
O Rio Grande do Sul tenta há meses fechar um acordo para entrar no regime. Esbarra, porém, nas resistências em alterar regras locais de divulgação de dados com pessoal e em vender o Banrisul.
— Precisamos de um ajuste fiscal amplo. Nesse sentido, o regime de recuperação terá que estar alinhado às outras medidas que serão apresentadas. Nesse momento, avaliamos os impactos dessas medidas —disse o secretário de Fazenda Marco Aurélio Cardoso.
No Rio, o secretário de Fazenda, Luiz Claudio de Carvalho, disse, em nota, que o Estado atua “no sentido de cumprir todas as contrapartidas determinadas no regime”, mas acrescentou que seu Plano de Diretrizes prevê que, em 180 dias, a Fazenda vai “reavaliar e propor alternativas às contraprestações do regime.” O novo governador Wilson Witzel tem se declarado contrário à privatização da Cedae, operação prevista no acordo que viabilizou o regime de recuperação.