O globo, n. 31203, 11/01/2019. Sociedade, p. 23

 

Entrevista - Marcos Pontes: ‘Os serviços de lançamento devem ter classe mundial’

Marcos Pontes

Roberto Maltchik

11/01/2019

 

 

Novo titular da pasta afirma que sua prioridade no setor espacial será estabelecer uma nova governança no Brasil; para ele, sua exploração atrai ‘diversas empresas’

Menos de duas semanas após assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes começa a delinear o Programa Espacial Brasileiro. Escolheu o novo presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Carlos Augusto Teixeira de Moura, que conhece os desafios para tornar o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, uma base para lançamentos comerciais de satélites estrangeiros.

Pontes afirma que o objetivo é garantir que o CLA preste serviços de “classe mundial”. Sobre o acordo de salvaguardas tecnológicas com os EUA, pré-condição para o uso comercial de Alcântara, Pontes afirma que há “compreensão mútua” entre os dois países sobre o texto que deverá ser submetido ao Congresso. E reconhece que, antes de dar início ao uso comercial da base de Alcântara, o Brasil precisa estabelecer uma Lei Geral do Espaço.

Quando o senhor acredita que haverá condição de votar no Congresso o AST, acordo de salvaguarda tecnológica com os Estados Unidos, com o objetivo de fazer uso comercial do Centro de Alcântara?

As negociações sobre o AST têm avançado positivamente, com a compreensão mútua de ambas as partes. Acreditamos que, em breve, o texto acordado estará pronto e depois poderá ser apreciado pelos congressistas.

Quais são as garantias mais importantes para que esse acordo não afete a soberania nacional?

O Brasil é um país de destaque nos fóruns mundiais de não proliferação, tais como MTCR (tecnologias de mísseis) e NSG (supridores nucleares). Temos, portanto, uma reputação de país responsável, cumpridor dos compromissos assumidos. Com respeito ao AST, o Brasil vai se comprometer a atuar como ocorre nos principais centros de lançamento do mundo. O detentor do satélite ou do lançador terá as garantias para que, durante as atividades de lançamento e, na eventualidade de investigação de acidente com exposição de partes desses sistemas, será respeitado o direito de proteção à propriedade intelectual. De qualquer forma, na condição de país lançador, o Brasilmanterásobsuaresponsabilidadeacoordenaçãogeral das atividades de lançamento e rastreio.

Qual é o modelo de gestão que o senhor entende mais adequado para o uso comercial do CLA?

Os serviços de lançamento devem ter classe mundial. Somente depois disso é que teremos condições de estabelecer o melhor modelo de exploração das atividades, principalmente no que tange a aspectos comerciais. Enquanto isso, estamos verificando como as operações espaciais ocorrem em outros centros mundo afora.

Como o senhor entende que deve ser a atuação da AEB no serviço de lançamento de satélites?

Ao longo deste ano, o Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro estudou gargalos que precisam ser vencidos na área espacial, e foram propostas soluções. Uma das mais importantes é a nova governança do setor, alçando nosso programa a um efetivo compromisso de Estado em prol desta e das futuras gerações. A AEB manterá, nesse modelo de governança, diversas atividades que já executa, além de secretariar o Comitê Executivo do Espaço. A título de exemplo, continuará cabendo à AEB o estabelecimento de acordos internacionais e o fomento de atividades junto às nossas universidades e institutos técnicos, de forma que o Programa Espacial desperte vocações e dê o melhor retorno possível aos anseios da sociedade.

O senhor é favorável à concessão da exploração da área do CLA para a iniciativa privada, em um período que possa ir a até 50 anos?

Primeiramente, precisamos de segurança jurídica. Além do AST, temos trabalhos em desenvolvimento para estabelecer uma Lei Geral do Espaço. Com isso, investidores poderão equacionar seus modelos de negócios, de forma que suas atividades sejam não somente rentáveis, mas também indutoras de desenvolvimento tecnológico e socioeconômico para toda a região de Alcântara.

Além de uma eventual concessão de exploração, o senhor concorda com a ideia de repassar a administração do CLA para alguma fundação, com o objetivo de facilitar a alocação de recursos para o centro?

Seria muito prematura qualquer iniciativa nessa direção. Em todo o mundo, há centros espaciais qualificados que fazem o uso de serviços técnicos, logísticos e de segurança de forma associada a organizações de defesa. Portanto, o importante é garantir a qualidade dos serviços.

Em quanto tempo o senhor considera viável o início da exploração comercial do CLA?

O centro já possui um amplo leque de sistemas e serviços capaz de atender, com pequenas adaptações, veículos de pequeno porte. Temos recebido diversas empresas interessadas em se valerem das condições excepcionais de Alcântara. Acreditamos, assim, que tão logo esses aperfeiçoamentos sejam feitos e tenhamos o arcabouço legal definido, poderemos partir para a negociação concreta da exploração comercial.

Qual é sua opinião sobre o Veículo Lançador de Microssatélites?

Está em linha com as tendências do “new space”, no que tange a lançamento de satélites de pequeno porte e com mais frequência. É um nicho de mercado muito favorável à exploração pelo Brasil. Além disso, após a obtenção dos parâmetros reais de voo, poderemos, a partir do VLM, desenvolver a família de lançadores Áquila, com maior capacidade de carga.

O senhor pretende dar prioridade para esse projeto?

Prosseguiremos com o desenvolvimento, com a participação de nossa indústria, e rumo à nossa autonomia em lançamentos de pequeno porte. Aliás, os testes do motor S-50, em desenvolvimento pela Avibrás, têm demonstrado ótimas perspectivas de atender seu desempenho.