O globo, n. 31200, 08/01/2019. Opinião, p. 2

 

Cuidados no acordo de delação de Sérgio Cabral

08/01/2019

 

 

O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral é um dos destaques da Lava-Jato. Denunciado e condenado por desdobramentos da operação em curso no estado, preso desde novembro de 2016, Cabral tem recebido sucessivas condenações e já acumula sentenças de quase 200 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de cartel entre empreiteiras para manipular preços, com a finalidade de desviar dinheiro do Erário fluminense.

Tem cabido ao juiz Marcelo Bretas, da 7ªVara Federal Criminal do Rio de Janeiro, deliberar sobre acusações feitas ao ex-governador pelo Ministério Público. Com mais de 20 denúncias, Cabral recebeu em setembro pena de 47 anos e quatro meses de prisão, por parte de Bretas, por receber mesada de uma das empreiteiras com obras no estado, a Carioca, em troca de favorecimento no projeto da linha 4 do metrô, no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Favelas e no Arco Metropolitano. É a maior condenação ocorrida até agora no âmbito da Lava-Jato.

Diante da dimensão do somatório de sentenças, passou-se a esperar que o ex-governador aceitasse fazer acordo de delação premiada, para abater as penas em troca da colaboração com as investigações. É o que tem acontecido em vários casos. Porém, noticiado, o entendimento passou a ser desmentido.

Mal comparando, se isso vier a acontecer, seria como se Lula decidisse ajudar os procuradores nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. Claro que o peso do ex-presidente Lula no esquema lulopetista do petrolão foi incomensurável. Mas, no âmbito fluminense, Sérgio Cabral e seu time da Alerj tiveram importância proporcional.

Com este aventado acordo de colaboração premiada, volta a discussão sobre o risco de benevolências incabíveis diante da roubalheira praticada em um estado a caminho de grave crise, cujos efeitos se converteram em todo tipo de sofrimento, incluindo mortes, em emergências da rede de saúde pública, por exemplo.

Não se trata de ir contra o conceito da colaboração premiada, correto mecanismo de troca de informações consistentes por redução de pena, consagrado em diversas legislações penais no mundo. A questão é evitar que graves crimes contra o contribuinte e toda a população saiam barato. O rigor não pode ser desconsiderado.

Deve-se considerar, ainda, que Carlos Miranda, muito próximo a Cabral, “homem da mala”, fez acordo de colaboração premiada e deve ter avançado em assuntos de conhecimento do ex-governador. Em que mais Cabral poderá contribuir?

Uma delação dele, comenta-se, poderia projetar luz em transações no Judiciário e MP fluminenses. Revelações que se convertam em acusações bem fundamentadas são sempre bem-vindas. Mas não podem apagar todo o passado.