O globo, n. 31200, 08/01/2019. País, p. 4
Aparando arestas
Jussara Soares
Eduardo Bresciani
08/01/2019
Presidente chama Guedes e Onyx para unificar discurso
Os desencontros na comunicação entre o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, levaram o presidente Jair Bolsonaro a arbitrar ontem o primeiro atrito na sua equipe de governo. Contra as notícias de conflito entre a “ala política” e a equipe econômica sobre as primeiras medidas de sua gestão, Bolsonaro chamou ao gabinete, logo no início da manhã, Onyx e Guedes para afinar o discurso.
O vice, Hamilton Mourão, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, também foram convocados para ajudar na tarefa. No meio da tarde, a Casa Civil chegou a divulgar uma foto em que Onyx e Guedes aparecem almoçando no Palácio do Planalto.
Os embates entre o homem forte da economia e a ala política do Planalto, encabeçada por Onyx, têm a reforma da Previdência como tema principal. Enquanto Guedes é a favor de
um proposta com efeito de longo prazo, Onyx defende um texto que tenha facilidade de aprovação, mesmo que o impacto nas contas públicas seja limitado —na campanha, por exemplo, chegou a dizer que era contrário ao projeto enviado ao Congresso pelo ex-presidente Michel Temer. Na semana passada, em entrevista ao SBT, Bolsonaro falou de detalhes da reforma que não estavam nos planos da equipe de Guedes.
Porta-voz do governo
Diante da repercussão do episódio da última semana, o Palácio do Planalto avalia que o governo precisa indicar com rapidez um portavoz e organizar de modo profissional a comunicação.
Ontem, Heleno admitiu que o governo fará mudanças na área e que as aparentes “divergências” decorrem do excesso de “peso em cima da costas do presidente”, que ouve “muita coisa sem ter tempo de conferir se o que ele está ouvindo já pode ser anunciado”.
— Para quem está começando o governo e tinha um assessoramento de campanha muito mais precário, menos sofisticado, com uma repercussão grande, mas sem a responsabilidade da repercussão de uma fala presidencial, ele (Bolsonaro) hoje mesmo fez um comentário sobre isso e vamos ver mudanças —disse Heleno.
A disputa por protagonismo entre Onyx e Guedes foi percebida pelo Planalto logo na posse dos dois ministros. Na quarta-feira, ao assumir o ministério, Guedes conquistou o mercado com um discurso em defesa de uma reforma da previdência impopular, mas necessária para sanear as contas públicas.
No dia seguinte, Onyx entrou em cena ao anunciar a exoneração em massa de servidores e a “despetização” da máquina. O ministro avançou a área de Guedes ao anunciar pente-fino em contratos federais, levantamento de bens da União e a revisão de conselhos, medidas de ajuste das finanças.
Depois da conversa de ontem com Bolsonaro, Onyx e Guedes, Heleno disse que tudo não passou de um “desencontro” de comunicação do novo ministério, ainda sem um quadro especializado para falar à imprensa, o que teria passado a imagem de “desgaste” da equipe, quando, na verdade, não existiria nada além de um “entrosamento” e uma “conversa muito boa” entre os ministros.
"Best friends"
Para além de rusgas entre os ministros, Heleno negou que exista algum problema na relação entre o presidente e o chefe da equipe econômica.
— Lógico que não teve rusga. Nem carrinho por trás, nem tesoura voadora, não teve nada. Hoje (ontem) de manhã eles se encontraram. “Best friends“— disse Heleno, que admitiu as dificuldades típicas de um início de governo:
— Não é uma novidade, em início de governo, ter alguns desencontros. Hoje já houve uma conversa muito boa. A prova que até andaram levantando se havia desgaste no relacionamento dele com o Paulo Guedes. Acho que aqui ficou provado que é pura invenção. Não existe nada disso. E acho que esse entrosamento vai ser cada vez maior, porque, quando a gente ouve um discurso, e eles não são combinados, a gente percebe que há uma identidade de propósitos —disse o ministro do GSI.
Após o encontro, Guedes também reverberou o clima de harmonia:
— Todo mundo acha que tem uma discussão entre nós, uma briga. Nós somos uma equipe muito, muito sintonizada.
Além da Previdência, o presidente anunciou um reajuste no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o desconto na alíquota máxima do Imposto de Renda. As dúvidas causado por seguidas declarações de impacto fez Guedes se recolher, o que levou Onyx a ter de admitir que Bolsonaro havia se “equivocado”.
Ontem, durante discurso na cerimônia de posse dos novos presidentes dos bancos públicos, o presidente reforçou a confiança no ministro da Economia e sua equipe.
— O desconhecimento meu ou dos senhores em muitas áreas, e a aceitação disso, é um sinal de humildade. Tenho certeza, sem qualquer demérito, que eu conheço um pouco mais de política que o Paulo Guedes. E ele conhece muito mais de economia do que eu.
Opinião do GLOBO
O FESTIVAL de desencontros entre o presidente Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário da Receita, Marcos Cintra, serve para se fazerem acertos urgentes no funcionamento do governo.
É PRECISO conversar mais entre si, assim como ordenar as entrevistas presidenciais. Falar em pé, às pressas, com microfones no queixo, é fórmula segura para criar confusões. Assim como transformar o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em porta-voz significa malbaratar o cargo.
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Canal oficial promove marca do ‘Governo Bolsonaro’
Marco Grillo
08/01/2019
Emissora de TV estatal exibiu tarja com o nome do presidente em cerimônia; para especialista, prática contraria a Constituição
A emissora de TV estatal NBR, responsável por transmitir eventos públicos relacionados ao governo federal, exibiu durante a manhã de ontem uma tarja com a marca “Governo Bolsonaro”, que não faz parte da comunicação oficial da administração. A exposição foi feita no ato que deu posse aos novos presidentes de BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
O presidente Jair Bolsonaro discursou na cerimônia e publicou o trecho em sua conta no Twitter. No Facebook da NBR, a marca também aparece em uma reportagem sobre a atuação da Força Nacional de Segurança no Ceará.
A Constituição proíbe a presença de “nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos” na divulgação de atos do governo. Para o advogado constitucionalista Leonardo Vizeu, o uso da marca “Governo Bolsonaro” contraria a lei.
—Vai contra o que diz o artigo 37 da Constituição, que trata da impessoalidade e publicidade. A questão agora é apurar a responsabilidade, que pode ser da própria emissora —analisa Vizeu.
Ao menos desde sexta-feira, o site oficial do governo federal exibia, como plano de fundo, uma foto da campanha, em que eleitores usavam camisas com o rosto de Bolsonaro ou a frase “Meu partido é o Brasil”. A imagem foi trocada mais tarde. O vídeo do evento em que houve a exibição da marca “Governo Bolsonaro” foi apagado pela NBR no YouTube, mas permaneceu no Facebook. O trecho editado com o discurso de Bolsonaro também pode ser visto na conta do presidente no YouTube.
A Secretaria de Imprensa da Presidência informou que está apurando o caso. Os questionamentos feitos por e-mail não foram respondidos até a noite de ontem. Na semana passada, o governo lançou a nova logomarca, com a frase “Pátria amada, Brasil”.