O globo, n. 31199, 07/01/2019. País, p. 4

 

Custo-prisão

Cleide Carvalho

07/01/2019

 

 

 

 

 Recorte capturado

 

 

Sistema penitenciário 'ideal' custaria R$ 95 bi

O Brasil precisa investir R$ 1,1 bilhão por ano, durante os próximos 18 anos, se quiser acabar com a superlotação nos presídios, valor que inclui apenas a construção de novas unidades e reformas nas que estão em más condições. Se contar a compra de equipamentos e o custeio da estrutura ampliada, o montante chega a R$ 5,3 bilhões por ano — ou R$ 95,4 bilhões em 18 anos —, a ser suportado pela União e pelos estados.

A estimativa foi feita pela Secretaria de Controle Externo da Defesa Nacional e da Segurança Pública do Tribunal de Contas da União (TCU).

O custo para a adequação do sistema, contudo, pode ser ainda maior, considerando que o novo governo anuncia planos para aumentar o período dos condenados na prisão, dificultando a progressão de penas. O enfrentamento mais efetivo ao crime organizado também deve pressionar ainda mais as cadeias.

— Não é apenas a questão da corrupção, qualquer criminoso tem que cumprir sua pena de maneira integral. Essa é a nossa política. Se não houver punição ou se a punição for branda, eu acho que é um convite à criminalidade — afirmou, em 30 de novembro, o então presidente eleito Jair Bolsonaro.

Na visão do novo governo, com o endurecimento de regras, haverá redução na prática de crimes, com uma tendência de queda do número de presos no médio prazo.

Hoje a população carcerária cresce em torno de 32 mil por ano. Nos últimos três anos, o governo federal repassou R$ 1,862 bilhão do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) aos estados para investimentos e custeio do sistema penitenciário, mas a realidade prisional do país pouco mudou. Uma fiscalização feita pelo TCU em 11 estados beneficiados e no Distrito Federal mostra que o número de vagas prometidas para obtenção dos recursos, boa parte disponibilizada entre 2016 e 2017, não se materializou.

Das 14.893 vagas compromissadas até o fim de 2018, apenas 996 foram entregues até novembro passado — todas elas em Pernambuco. Com a prorrogação do prazo pelo Ministério da Segurança Pública, outras 2.854 podem ser concluídas até dezembro deste ano, em estados como Ceará, Goiás e Pará. Mesmo assim, o total de vagas criadas até o fim do ano que vem não chegará a um terço do acordado.

Construção mais rápida

Segundo o TCU, os estados não conseguem apresentar projetos no tempo exigido pela legislação. O prazo entre planejar uma unidade prisional e entregá-la pronta chega a quatro anos. Para acelerar a construção de presídios, o governo de Bolsonaro, por meio do Ministério da Justiça, estuda fornecer projetos prontos para os estados, que ficariam incumbidos apenas de tocar a obra. Segundo dados do TCU, a construção de cada vaga em presídio custa, em média, cerca de R$ 49 mil.

Hoje, os estados solicitam a verba do Funpen apenas informando a quantidade de vagas que pretendem abrir. Só depois vão atrás dos projetos de engenharia e até do local onde o presídio será erguido.

Estados que não conseguiram usar a verba do Funpen, como Bahia e Mato Grosso do Sul, por exemplo, estão com seus presídios superlotados. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança, a população carcerária nos dois estados é mais que o dobro do número de vagas.

A superlotação aumenta a tensão nas penitenciárias, muitas delas dominadas por facções criminosas.

— A situação já é muito ruim. Em presídios superlotados, o risco de rebeliões é mais alto — diz Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

No Rio Grande do Norte, a Penitenciária Estadual de Alcaçuz, onde 26 presos morreram em janeiro de 2017, teve suas instalações reconstruídas, mas a superlotação continua.

Segundo Thadeu Brandão, do Observatório da Violência do Rio Grande do Norte, da Universidade Federal Rural do Semiárido, na época da rebelião a penitenciária estava com 1.500 presos. Hoje, tem perto de 2 mil para uma capacidade de 800 vagas.

— A situação é de extrema preocupação. Com a superlotação, qualquer tentativa de rebelião resulta em perda de controle — diz Brandão, que complementa: — Os presídios brasileiros estão há pelo menos duas décadas sob o controle de facções e vamos entrar na terceira. Temos fábrica de marginalidade. É preciso repensar o modelo, não podemos encher com pequenos delinquentes que vão se tornar operários dos traficantes.

O Rio Grande do Norte construiu uma cadeia com 603 vagas em Ceará Mirim, perto de Natal. O presídio, porém, não entrou em funcionamento. Faltam recursos para pessoal e equipamentos.

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Estados não adotam recomendações para presídios

07/01/2019

 

 

Orientações foram dadas por Comitê de Prevenção e Combate à Tortura a unidades que registraram massacres em 2017

Estudo do Tribunal de Contas da União estima que o país precisa investir R$ 95 bilhões em 18 anos para acabar com a superlotação dos presídios. O cálculo desconsidera a promessa de Bolsonaro de apertar a progressão de pena e ampliar o encarceramento. Os estados criaram só 996 vagas em dois anos. Relatório do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, indica que mais da metade das recomendações feitas aos estados em que foram registrados massacres em 2017 não foi cumprida — as mortes chegaram a 126 em presídios do Rio Grande do Norte, Roraima e Amazonas naquele ano.

Em Roraima, sob intervenção federal desde novembro passado, a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo teve 33 presos mortos em janeiro de 2017. Não há informações oficiais sobre a situação dentro do presídio hoje, mas o professor Edgard Zanette, do Programa de Segurança Pública, Direitos Humanos e Cidadania da Universidade Estadual de Roraima, afirma que a superlotação continua.

Segundo ele, a cadeia, a maior do estado, segue dividida entre duas facções criminosas, o Comando Vermelho e o PCC.

— Há três anos, tínhamos uma morte violenta por mês no estado. Hoje, temos uma ou duas por dia —diz Zanette.

Para o coronel Amadeus Soares, secretário de Segurança Pública do Amazonas, onde 56 presos morreram no segundo maior massacre da História do país, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, o problema principal é o tráfico de drogas.

—Sem controle das fronteiras, a disputa entre facções não acaba —afirma Amadeus Soares.

Em 2018, aconteceram duas tentativas de fuga no Pará com mortes de presos —uma no Centro Penitenciário de Recuperação da Grande Belém, com 22 mortos, outra no presídio de Altamira, em setembro último, com sete mortes. O estado tem 14 casas penais em construção e entregou dez nos últimos quatro anos. Também instalou bloqueadores de celulares, mas não conseguiu conter a violência.

—Precisamos discutir o crime organizado além do Pará. É preciso investir em inteligência e troca de experiência entre os estados — afirma Michell Durans, responsável pelo sistema penitenciário do estado.

Na avaliação da professora Valdirene Daufemback, ex-diretora de Políticas Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o Brasil prioriza a prisão e o sistema é voltado à correção de criminosos, não à prevenção para evitar que o crime aconteça.

—Quando o Estado se coloca de forma violenta, os presos se organizam para fazer frente à truculência.