O globo, n. 31197, 05/01/2019. Artigos, p. 2

 

Alianças internacionais

Merval Pereira

05/01/2019

 

 

O governo Bolsonaro que ora se inicia tem proximidades ideológicas com dois movimentos internacionais que se unem em torno de ideias políticas de direita com pensamento liberal na economia. A emergência de uma direita politicamente forte no mundo, culminando em nossa região coma de Bolsonaro, leva a esquerda a perder força na América do Sul, com metade dos países sendo governados por partidos de direita, revertendo uma situação geopolítica. Há cinco anos, dos 12 países da região, só três eram governados por partidos de centro ou à direita: o Chile, de Sebastián Piñera, o Paraguai, de Federico Franco, e a Colômbia, de Juan Manuel Santos. Hoje, metade da região tem governos de centro ou centro-direita, dominando a vasta maioria da população e do PIB.

Steve Bannon, ex-conselheiro de Donald Trump e ideólogo de uma direita internacional, projeta um grupo para reunir os partidos de direita ou extrema direita da Europa em torno de discussões políticas comuns. Eduardo Bolsonaro, eleito o deputado federal mais votado da história do país, pretende ser o líder intelectual da direita na região, e está em sintonia com Bannon.

Na América Latina, a Fundação Índigo, ligada ao PSL, fez recentemente uma reunião em Foz do Iguaçu com diversos representantes de partidos de direita ou centro-direita, que pretendem ser um contraponto ao Foro de São Paulo, que reúne a esquerda de vários países, criado em parceria entre Lula e Fidel Castro, e chegou a elegera maioria dos presidentes de países vizinhos. Ao mesmo tempo, a adesão do novo governo brasileiro a uma política externa alinhada aos Estados Unidos leva a uma maior aproximação com Israel. A anunciada decisão de transferira embaixada brasileira para Jerusalém, acompanhando a decisão deTrump, tema ver com o apoio que evangélicos fundamentalistas lá e cá dão aos governos Trump e Bolsonaro.

O pastor Silas Malafaia chegou a afirmar que os evangélicos apoiaram Bolsonaro sobretudo porque ele se comprometeu com o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, o que foi reafirmado por Bolsonaro ao próprio primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que permaneceu no Brasil por cinco dias. O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, muito ligado a Netanyahu, foi das autoridades presentes à posse de Bolsonaro. Aluta contra a elite globalista abarca desde aposição deTrump contra a ONU e demais organismos internacionais, a movimentação na Inglaterra para o Brexit, assim como os ataques do presidente da Turquia, Recep Erdogan, e do próprio Orbán contra a União Europeia. A emergência política da direita no mundo está merecendo análises em diversos centros de estudos, e um dos especialistas na área, o professor Jonathan Weiler, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, vê paralelos entre a vitória de Bolso n aro eaascen sã ode líderes populistas de direita que defendem as virtudes do nacionalismo e os perigos do globalismo, entre outras causas não diretamente ligadas aos problemas brasileiros, como o controle da imigração. Governos autoritários de direita surgem em países tão diversos quanto Dinamarca, Áustria, Hungria, Polônia, Guatemala e Peru. O que todos esses líderes têm em comum, diz W ei ler,éa habilidade de convencer muitas pessoas de que o mundo é um lugar perigoso, eque eles são os únicos que podem protegê-las. O apelo à lei e à ordem e o nacionalismos ã o traços comuns a eles. Weiler divide os cidadãos em três campos de temperamento: os fixos, que têm medo de mudanças; os fluidos, mais abertos a elas, e os mistos, ambivalentes. É nesse ambiente que trabalham os líderes políticos.

O professor da Universidade da Carolina do Norte diz que classificar esses políticos simplesmente de autoritários reduza questão a fenômeno marginal, quando o comportam entoem relação à raça e imigração é central na formação da opinião pública dos países. Aqui no Brasil, poderíamos fazer uma relação com os valores morais, enfrentamento da violência ou questões de gênero. E coma adesão do novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, ao movimento anti globalista. Quando as pessoas consideram que o caos está tomando contada sociedade e as ameaças são onipresentes, pondera o professor JonathanWeiler, tendem afazer vista grossa ao autoritarismo no interesse de impor mais ordem. Sem levarem conta que a democracia é intrinsecamente conturbada. (Amanhã, o movimento evangélico)