O globo, n. 31197, 05/01/2019. País, p. 4

 

Em busca do erro

Vinicius Sassine

05/01/2019

 

 

Governo fará pente-fino nas desapropriações dos últimos 10 anos

O governo do presidente Jair Bolsonaro pretende revisar demarcações de reservas indígenas, titulações de áreas quilombolas e desapropriações de terra para reforma agrária feitas nos últimos dez anos. A informação foi revelada ao GLOBO pelo secretário especial de Assuntos Fundiários, o líder ruralista Luiz Nabhan Garcia, a quem caberá cuidar do setor. Segundo ele, todos os atos que apresentarem “falha grave", “erro inadmissível" ou “fraude processual" poderão ser revistos.

— Será feito um levantamento amplo e geral de tudo que aconteceu em questões fundiárias no Brasil, seja em reforma agrária, demarcação de terras indígenas e quilombolas. Se houver alguma brecha que mostre para a Justiça que houve um erro, tudo é possível de anular. Houve uma participação muito grande de processos políticos e ideológicos nessas demarcações, inclusive uma participação indevida de ONGs com interesses escusos —disse Nabhan. O secretário especial, um dos aliados mais próximos do presidente, afirmou que a Justiça pode ter sido induzida a erro em casos de demarcações feitas por decisão judicial, e que o governo buscará provar essas falhas. Já demarcações feitas sem passar pela Justiça poderão ser revistas “de cara" pelo Executivo, disse Nabhan. —O departamento jurídico é que vai determinar — a própria AGU — se houve falha grave, fraude processual, um laudo que foi falsificado. Com constatação de falsificação, pode-se anular qualquer processo. Tem centenas de processos em andamento. É uma coisa muito grande. As decisões judiciais precisam ser respeitadas, mas é preciso convencer os juízes, seja na primeira instância ou na Corte Suprema, a rever uma decisão que foi equivocada — disse o secretário especial.

Esvaziamento da FUNAI

A Secretaria Especial de Assuntos Fundiários foi criada no âmbito do Ministério da Agricultura especialmente para abrigar o presidente da UDR, um dos principais apoiadores de Bolsonaro durante a campanha presidencial. A reestruturação administrativa do governo federal, definida em medida provisória num dos primeiros atos do governo, confirmou que caberá à Agricultura a demarcação de terras indígenas, a titulação de áreas quilombolas e as políticas de reforma agrária, uma mudança radical em relação ao que vinha ocorrendo até agora.

A guinada significa, por exemplo, um esvaziamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), a quem cabia fazer a identificação e demarcação de terras indígenas. A autarquia era subordinada ao Ministério da Justiça, que cuidava das homologações. Agora, a Funai está vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves. O secretário especial de Assuntos Fundiários também cuidará de “licenciamento ambiental nas terras quilombolas e indígenas", conforme decreto. Por mais de uma vez depois de eleito, Bolsonaro declarou que não demarcará “nem um centímetro" de terra indígena em seu governo.

Invasões de terra

Nabhan disse que pretende contestar decisões judiciais, para as quais ainda cabe recurso, que determinam demarcações. O GLOBO revelou, em novembro de 2018, a existência de 54 demarcações de áreas indígenas em discussão na Justiça. O secretário cita casos em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia e “em vários estados onde há problemas indígenas". Nabhan disse ainda existir possibilidade de revisão da confirmação da demarcação de Raposa Serra do Sol, em Roraima, como já aventado pelo próprio Bolsonaro. Nabhan afirmou que “invasões de propriedade" não serão admitidas:

— Não vamos aceitar que se faça qualquer tipo de ato administrativo de desapropriação na base da pressão e da ameaça. Invasão é crime em qualquer circunstância. Todas as vezes em que ocorrer uma invasão, pode ter certeza que vai ser extremamente prejudicial ao pleito de quem quer que seja. Não podemos aceitar que o Brasil, em pleno século 21, conviva com invasões.

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Em página pessoal, Bolsonaro lança nova marca do governo

05/01/2019

 

 

Presidente usou seu Twitter para divulgar slogan ‘Pátria Amada Brasil’

O presidente Jair Bolsonaro divulgou em sua conta pessoal no Twitter a nova marca oficial do governo federal. O slogan adotado é “Pátria Amada Brasil". A assessoria do Palácio do Planalto avisou que a divulgação aconteceria por meio de redes sociais.

A marca foi divulgada com um vídeo de 30 segundos no qual aparece apenas a bandeira do Brasil e um pequeno texto. “Em 2018, não fomos às urnas apenas para escolher um presidente. Fomos às urnas para escolher um novo Brasil, sem corrupção, sem impunidade, sem doutrinação nas escolas e sem a erotização de nossas crianças. Fomos às urnas para resgatar o Brasil", diz a peça. A propaganda é encerrada com a voz de uma criança cantando o slogan escolhido pela Presidência.

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Tempo da Justiça deve ditar revisões

Carolina Brígido

05/01/2019

 

 

A ideia do governo de revisar demarcações de reservas indígenas, quilombolas e desapropriações de terra para reforma agrária na última década não deve ser encerrada com um simples ato do Executivo. O mais provável é que a questão seja levada ao Supremo Tribunal Federal (STF), responsável por julgar processos sobre o assunto. Ao menos sete processos de demarcações indígenas aguardam o pronunciamento na Corte. Eles estão na pauta do plenário do dia 25 de abril. Pela Constituição, cabe à União demarcar as terras. Como é um direito constitucional, os casos acabam no STF. Nos processos, normalmente são os estados que questionam a demarcação, alegando prejuízos econômicos. No governo Bolsonaro, um novo tipo de processo deve ser inaugurado, a partir da revisão administrativa das demarcações. Segundo o secretário especial de Assuntos Fundiários, Luiz Nabhan, isso será feito em caso de falha grave ou fraude. A tendência é que os povos indígenas recorram dessa eventual decisão ao STF, representados pelo Ministério Público. Uma súmula do STF diz que, em caso de fraude, o poder público pode invalidar o ato. No eventual julgamento dessa causa, também caberá ao tribunal decidir se houve fraude no ato anulado.

O caso mais rumoroso que o tribunal já julgou foi o da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. Foi fixada uma demarcação contínua, e não segmentada, ao contrário do que queria o governo do estado.