O globo, n. 31197, 05/01/2019. Economia, p. 22

 

Hora da clareza na Previdência

Míriam Leitão

05/01/2019

 

 

Está na hora da clareza sobre a reforma da Previdência e nesta primeira semana de governo ela ficou mais obscura. O ministro Paulo Guedes, na posse, deu a entender que há uma alternativa à reforma, e todos sabem, inclusive ele, que não existe. O presidente Jair Bolsonaro na entrevista ao SBT criou mais dúvida quando falou de uma idade mínima menor do que a que está na reforma do ex-presidente Temer. O ministro Onyx Lorenzoni disse que era para ser mais suave, mas, na verdade, ela pode até ser mais dura dependendo do que se entender do que o presidente disse.

Não há mais tempo para o improviso e as falas conflitantes. O próprio presidente disse que a questão é urgente:

—Mais dois, três anos, vamos entrar em colapso. Nós não queremos que o Brasil chegue na situação da Grécia e todos vão contribuir um pouco para que ela seja aprovada.

Se o risco é de “colapso”, o governo precisa saber o quefazer. Oque Bolso narodisseé que a idade mínima será de 57 anos e 62 anos para a entrada em vigor em 2022. Bom, se for isso, é mais dura doque ade Temer, que previa 62 e 65 anos apenas em 2038. Na proposta que está no Congresso, a idade mínima de 62 anos, para homem no INSS, só seria atingida em 2032. Se na de Bolsonaro vai ser em 2022, então é dez anos antes. Agora, se ele está dizendo que essa será a idade mínima ao fim do processo, então está enfraquecendo a reforma. Esses improvisos de Bolsonaro em assunto que ele não domina criaram ontem uma crise coma área econômica. Ele anunciou de manhã aumento de IOF e mudanças no Imposto de Renda e foi desmentido pelo secretário da Receita, Marcos Cintra. O ministro Paulo Guedes ficou em silêncio apesar de a confusão ter estourado em sua área. Está aí um assunto que não precisava de dúvidas. Houve muita bateção de cabeça na época da transição. Bolsonaro indicou que vai aproveitara reforma que já está na Câmara, mas com mudanças: — Pretendemos, ao colocar num plano a reforma da Previdência, é nós passarmos um corte até o final de 2022. Isso seria aumentar para 62 os homens, 57 as mulheres, um anoa partir da promulgação e outro ano em 2022, e o futuro presidente reavaliaria esta situação para passar para 63 ou 64. Quando ele fala “aumentar”, parece estar se referindo ao servidor público porque o Regime Geral não tem idade mínima. O funcionalismo tem idade mínima de 55 e 60 anos. E em 2022 seria 57 e 62. Quando Bolsonaro diz que o próximo presidente “reavaliaria”, levanta outra questão. Todos sabem que uma reforma da Previdência não pode estar contida dentro do curto tempo de um mandato. Precisa haver regras válidas para décadas. Bolson aron ãoéo único agerar dúvidas sobre o te made crucial importância para a solidez da economia. O próprio ministro Paulo Guedes no seu discurso levantou uma grande interrogação quando disse que se a reforma não fosse aprovada haveria outra PEC a ser enviada desvinculando as receitas. Admitiu haver alternativa para a reforma, o que é um erro, e além disso acenou com um projeto ainda mais difícil de aprovar.

O Brasil está diante do seguinte fato. A primeira vez que o governo propôs a idade mínima foi na reforma do então presidente Fernando Henrique, há 23 anos. Não foi aprovada e desde então estamos rodando em círculos nesse assunto. O déficit cresce de forma vertiginosa. Em 2019, a projeção é de R$ 218 bilhões no INSS, de R$ 44 bi nos servidores civis federais e de R$ 43 bilhões nas Forças Armadas. Soma-se tudo, chega a R$ 305 bilhões, sem contar os estados. E crescerá ainda mais nos próximos anos. A reforma não é panaceia. Ao contrário do que disse Paulo Guedes, ela, sozinha, não é a garantia de que o país cresça durante 10 anos. Uma agenda de reformas, com esta e outras mudanças, pode sim dar um impulso novo à economia brasileira. Nessa agenda, a reforma da Previdência é indispensável. Sem ela não dá para começar o trabalho de elevar a confiança.

Em fevereiro assume o novo Congresso e até lá o governo terá que se organizar para falar de forma única sobre esse assunto. A Previdência, além de ter um rombo insustentável, é, como disse Guedes, uma fábrica de desigualdades. Cristalizou-se a ideia de que reformá-la prejudica os pobres, quando é exatamente o oposto. Quanto mais o governo se contradiz e bate cabeça, mais fica difícil convencer o país.

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Previdência: governo quer usar texto de Temer

Geralda Doca

05/01/2019

 

 

Segundo fontes da equipe econômica, adotar as principais diretrizes da proposta evitaria pressões e agilizaria tramitação, mas parlamentares próximos de Bolsonaro resistem a usar projeto do ex-presidente

A equipe econômica quer aproveitar as principais diretrizes da proposta de reforma da Previdência enviada pelo ex-presidente Michel Temer ao Congresso e que está pronta para ser votada pelo plenário da Câmara dos Deputados. Além de ganhar tempo, a estratégia tem como objetivo evitar as diversas pressões que o projeto enfrentou nas comissões. Mas o texto só será conhecido em detalhes quando o Legislativo retomar as atividades, em fevereiro. O motivo, explicou uma fonte da área econômica, é evitar dar munição às partes contrárias, parlamentares e pessoas próximas de Bolsonaro que têm ojeriza à reforma de Temer. De acordo com os planos, um líder do governo irá apresentar a proposta repaginada de Temer, buscando caracterizar a reforma como sendo de Bolsonaro. — Vamos usar a 287 (Proposta de Emenda Constitucional) de Temer. Além de obter uma economia processual, vamos evitar pressões nas audiências públicas. O projeto está pronto para ser votado pelo plenário. Nas próximas semanas, vamos levar ao presidente Bolsonaro tudo o que já foi negociado, tudo será considerado. Mas não podemos abrir isso agora por questões estratégicas—disse uma fonte envolvida nas discussões. Ontem, Bolsonaro reafirmou que pretende aproveitar a reforma de Temer, que tem como horizonte um prazo de dez anos. Ele disse que pretende propor ao Parlamento tudo que está no texto, mas com validade até o fim de 2022: — Vamos aproveitar o que está na Câmara. A última proposta minha está em um espaço temporal de 2030. Tudo que é para entrar em vigor até 2022 é o que eu quero propor para o Parlamento.

Aposentadorias especiais

Segundo interlocutores da equipe econômica, entre os itens que podem ser aproveitados no texto final da proposta do antecessor estão as mudanças nas regras das aposentadorias especiais (professores e policiais federais, além de trabalhadores expostos ariscos e agentes nocivos e de portadores de deficiência).

O relatório aprovado na comissão especial que analisou a matéria prevê idade mínima para aposentadoria de 55 anos para policiais federais e 60 anos para professores. Para quem trabalha em condições prejudiciais à saúde, a idade mínima ficou em 55 anos. Para portadores de deficiência, não há limite mínimo. Outro item que o novo governo pode aproveitar diz respeito à idade mínima fixada no regime geral (INSS), em 53 anos (mulher) e 55 anos (homem), subindo progressivamente. Atualmente, não existe limite mínimo para aposentadoria no setor privado. Os trabalhadores podem se aposentar por tempo de contribuição, que é de 35 anos (homem) e 30 anos (mulher). Quem não conseguir somar esse tempo, pode se aposentar por idade aos 65 anos (homem) e 60 anos (mulher), com 15 anos de contribuição para o sistema pelo menos. A proposta de Temer deixou de fora policiais militares e bombeiros, que estão sujeitos às leis estaduais. Eles não precisam atingir idade mínima para se aposentar, apenas tempo de serviço. Técnicos da equipe econômica pressionam para que essa categoria seja incluída na reforma, pois aliviaria as contas dos estados, que arcam com os custos da segurança. Segundo cálculos da Secretaria de Previdência, a reforma de Temer tem potencial para gera ruma economia de R $4,8 bilhões no primeiro ano, R$ 13,5 bilhões no segundo, R$ 18,3 bilhões no terceiro e R$ 22,8 bilhões no quarto ano.

Diferenças entre as regras atuais e as propostas de reforma

Como é hoje

Pelo regime geral do INSS, o trabalhador pode se aposentar por tempo de contribuição ou por idade. No primeiro caso, não há idade mínima, mas são exigidos 35 anos (homens) e 30 anos (mulheres) de pagamentos ao INSS. Já por idade, a aposentadoria é concedida aos 65 anos, no caso dos homens, e aos 60 anos, no das mulheres, e ambos precisam ter contribuído por, no mínimo, 15 anos para a Previdência. No serviço público, já existe idade mínima de 55 anos, para mulher, e de 60 anos, para homem. Esse grupo também tem que cumprir tempo de contribuição: 35 anos (homem) e 30 anos (mulher). 55 anos (homem) e 53 anos (mulher). No setor público, avançariam a partir dos atuais 60 anos (homem) e 55 anos (mulher). Além de observar a idade mínima, os trabalhadores terão que pagar pedágio de 30% sobre o tempo de contribuição que falta para requerer o benefício pelas regras atuais (35 anos, homem, e 30 anos, mulher). Se faltar um ano de contribuição, por exemplo, terão que trabalhar um ano e três meses. No setor público, a idade aumentaria também para 62 anos e 65 anos. E, para ter direito ao último salário da carreira e ao mesmo reajuste dos ativos, os servidores que ingressaram até 2003 teriam que atingir essa idade mínima já a partir da promulgação da reforma.

O que prevê o texto de Temer

A reforma que tramita no Congresso, ejá foi aprovada em comissão especial, determina, para o INSS, idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres e acaba coma aposentadoria por tempo de contribuição. Essas idades seriam alcançadas após uma transição de 20 anos. As idades avançariam progressivamente. No INSS, começariam a subir aos

O que anunciou Bolsonaro

Ao final dos quatro anos de seu governo, a idade mínima para aposentadoria seria de 62 anos, para os homens, e de 57 anos, para as mulheres. A idade subiria um ano a partir da promulgação da reforma e mais um ano em 2022. O presidente não explicou se essa idade valeria para os trabalhadores do INSS, para os servidores públicos ou para ambos.

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Economistas criticam previsão de mudança no próximo governo

Daiane Costa

05/01/2019

 

 

Presidente disse que idade mínima poderia ser alterada de novo por sucessor

As declarações do presidente Jair Bolsonaro na sua primeira entrevista após a posse causaram preocupação entre os especialistas. Ele propôs idade mínima de 62 anos para os homens e 57 anos para as mulheres, sem especificar se o parâmetro valia para servidores ou para trabalhadores da iniciativa privada. A idade mínima subiria um ano a partir da promulgação da reforma e mais um em 2022. Bolsonaro afirmou que o próximo presidente poderia rever o número e aumentar a idade para 63 ou 64 anos, entre 2023 e 2028. Os especialistas avaliam que uma reforma que prevê novas mudanças a cargo de um próximo governo traz incertezas para o último ano de mandato de Bolsonaro, pois haveria dúvida sobre a continuidade da política para a Previdência. Além disso, afirmam que isso levaria o país a passar o primeiro ano de um novo governo, em 2023, novamente discutindo alterações no regime de aposentadorias. — Já na primeira declaração passa parte da tarefa ao sucessor? Não dá para saber a quem se referia. Não faz sentido para os que contribuem para o INSS, pois as idades estabelecidas são inferiores aos atuais 65 anos para homens e 60 para mulheres na aposentadoria por idade — afirmou Luis Eduardo Afonso, economista da FEA/USP, especialista em Previdência.

Fabio Giambiagi, especialista em Previdência, afirma que o ideal seria definir regras para o longo prazo, um horizonte de ao menos 15 anos. Isso evitaria, segundo economistas, instabilidade e desgaste de capital político. —Bolsonaro não quer colocar azeitona na empada alheia. Mas, do ponto de vista fiscal, os efeitos nesses quatro anos serão similares aos que seriam gerados pela proposta do expresidente Temer —resumiu Giambiagi.