Correio braziliense, n. 20311, 30/12/2018. Economia, p. 8

 

Crédito caro desafia o novo governo

30/12/2018

 

 

 Recorte capturado

Apesar da queda da Selic, sistema financeiro nacional cobra juros que estão entre os mais altos do mundo. Para o país crescer, é preciso aumentar a competição e eliminar fatores que encarecem os empréstimos para empresas e consumidores

O Brasil figura entre os países que têm as mais altas taxas de juros do mundo, embora os encargos cobrados dos consumidores que recorrem a empréstimos e financiamentos bancários venham diminuindo gradativamente nos últimos meses e a Selic, a taxa básica determinada pelo Banco Central, esteja nos patamares mais baixos da história. Trazer os juros para padrões civilizados, de forma que o crédito possa se expandir e dinamizar a economia, é um dos desafios colocados diante do governo que tomará posse na próxima terça-feira.

Para muitos analistas, um dos fatores que determinam o alto custo do crédito no Brasil é a concentração do mercado nas mãos de cinco bancos, dois deles controlados pelo governo. Juntos, Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, Caixa e Santander detêm mais de 90% das operações do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Essa é também uma das razões pelas quais o spread bancário — a diferença entre o que os bancos pagam aos investidores para captar recursos e o que cobram dos tomadores de empréstimos — é um dos mais elevados do planeta. Segundo o Banco Mundial, o Brasil detinha o segundo maior spread bancário em 2017, atrás apenas de Madagascar.

O Banco Central (BC) tem procurado aumentar a competição no mercado, incentivando, principalmente, as cooperativas de créditos e as fintechs, como são chamadas as empresas que usam inovação tecnológica para oferecer serviços financeiros mais baratos e competitivos. No entanto, as iniciativas ainda se mostram tímidas quando analisado o custo do crédito para o tomador final.

 

Spread

Além da falta de competição, outros fatores contribuem para encarecer o custo do crédito no Brasil. De acordo com um estudo do Banco Central que analisou dados entre 2015 e 2017, a maior parte do spread praticado pelas instituições financeiras, cerca de 37%, era decorrente da necessidade de formar reservas contra a inadimplência, ou seja, proteger os bancos do risco de calotes. Em segundo lugar, vinham as despesas administrativas, que correspondiam a 25% do spread. Tributos e a contribuição para o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que protege as aplicações dos investidores, representavam 22,8%. Por fim, com menor participação, a margem financeira, incluindo os lucros, com 14,9%.

O professor Bruno Vinícius Ramos, do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de Brasília (UnB), aponta outro motivo dos altos juros bancários no Brasil: o elevado deficit público, que absorve parte considerável da poupança nacional. “Apesar de a Selic ter caído recentemente ao menor nível histórico, isso não chegou aos bancos, já que 70% dos recursos que o sistema financeiro tem disponíveis estão aplicados em títulos públicos. Com a alta dos juros, os bancos “encarteiraram” a dívida pública doméstica, sobrando 30% para o mercado, que é composto por pessoas físicas e jurídicas que demandam crédito. É muito pouco”, explica.

De acordo com o economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, a rentabilidade do capital investido no Brasil não chega a ser antagônica à de outros países com taxas bancárias mais atrativas. Segundo ele, a tributação excessiva acaba prejudicando a diminuição das taxas. “Países como Chile e Colômbia têm rentabilidade de capital investido semelhante, mas taxas de créditos mais baratas. O que nos faz ir na contramão desses países, quando falamos de spread ou crédito bancário, é a questão de tributação e das taxas aderentes ao serviço”, destaca.

Bruno Ramos, da UnB, observa que o oligopólio existente no sistema financeiro se fortaleceu nos últimos anos. “Em um passado recente, com os bancos estaduais sendo comprados por grandes grupos, o setor privado se expandiu e quase ultrapassou as duas instituições federais (Banco do Brasil e Caixa). No entanto, essa concentração tem um lado positivo, que até é mencionado pelo BC, de tornar mais fácil a fiscalização e a regulamentação bancárias,”, pondera. “O efeito positivo da concentração pôde ser observado durante a crise financeira de 2008, em decorrência da quebra do banco norte-americano Lehman Brothers, na qual o sistema financeiro brasileiro revelou-se sólido.”

Porém, ressalta o professor, a oligopolização tem também muitos aspectos negativos. “O principal deles é a menor competição entre as instituições”, frisa. “Entretanto, estamos imersos em um cenário no qual surgem as fintechs, que oferecem justamente serviços mais baratos e maior retorno ao cliente. É um segmento ainda incipiente, mas muito promissor. Obviamente, os grandes bancos estão atentos a esses investimentos”, completa Ramos.

Rubens Sardenberg, da Febraban, argumenta que a concentração existe também em outras áreas da economia brasileira. E afirma que, apesar do oligopólio, há uma competição equilibrada entre as instituições tradicionais e as novas modalidades bancárias. “A competição é 100% válida. Não vemos problemas em relação ao crescimento das fintechs e das cooperativas de crédito, contanto que haja um equilíbrio na regulamentação”, diz.