O globo, n. 31198, 06/01/2019. Economia, p. 29

 

Reforço no caixa

Geralda Doca

Martha Beck

06/01/2019

 

 

Bancos públicos venderão subsidiárias para devolver quase R$ 84 bi ao Tesouro

Os presidentes dos principais bancos públicos — Caixa, Banco do Brasil e BNDES — tomam posse amanhã com uma missão: ajudar o governo a reequilibrar as contas públicas. A orientação dada pelo presidente Jair Bolsonaro é mudar a política adotada nos últimos dez anos, período em que essas instituições foram capitalizadas pelo Tesouro para ampliar a oferta de crédito no país. O plano é devolver os aportes recebidos na forma de Instrumento Híbrido de Capital e Dívida (IHCD). Esse tipo de operação não prevê prazo de pagamento da dívida, apenas dos juros.

O total de recursos aportados na Caixa, no BB e no BNDES nesse formato chega a R$ 83,8 bilhões. As instituições terão ainda que marchar alinhadas à agenda de privatizações, desfazendo-se de negócios que não têm relação direta com a atividade bancária. Isso ocorrerá principalmente no BB e na Caixa. O caminho será a abertura de capital—oferta pública de ações, IPO na sigla em inglês.

—Os bancos públicos terão que ajudar na agenda econômica, nós vamos contar com os IPOs deles —disse um integrante da equipe econômica. Segundo essa fonte, os bancos vão reduzir de tamanho e adotar medidas para melhorar a gestão e combater a corrupção.

A ideia é acabar com a estratégia utilizada nos últimos governos, segundo a qual essas instituições direcionavam seus recursos para empréstimos a grandes empresas, como o grupo JBS. Em alguns casos, essas operações deram prejuízo e envolveram irregularidades, como pagamento de propina nas operações do Fundo de Infraestrutura do FGTS (operado pela Caixa). Em entrevista ao GLOBO, o novo presidente da Caixa, Pedro Guimarães, afirmou que pretende definir um cronograma para devolver ao Tesouro todos os aportes concedidos na modalidade de instrumento híbrido. De acordo com o último balanço trimestral da Caixa (setembro), os aportes feitos pelo Tesouro nesse formato somam R$ 40,2 bilhões.

Os contratos foram assinados em 2007, 2009, 2012 e 2013. Guimarães disse que a nova equipe econômica quer que o BB também devolva R$8,1 bilhões recebidos nessa modalidade, e o BNDES, mais R$ 35,5 bilhões. Na visão dele, os instrumentos híbridos são ruins porque geram uma concorrência desleal no sistema. No caso do BNDES, o governo também vem negociando com o banco a devolução de outros aportes feitos pelo Tesouro além dos IHCD. Ainda no governo Michel Temer, o BNDES começou a negociar com a equipe econômica a devolução de recursos.

O Tesouro injetou na instituição mais de R$ 500 bilhões a partir de 2009 para combater os efeitos da crise financeira internacional. Para reduzir a dívida pública, o BNDES começou a devolver antecipadamente esses aportes. Mais de R$ 300 bilhões já foram pagos e outros R$ 100 bilhões devem retornar em 2019. O pagamento desses empréstimos dos bancos à União não ajuda a equipe econômica a atingir a meta fiscal, mas tem impacto na dívida pública, pois reduz o estoque.

Já o dinheiro a ser obtido com as operações de IPO, além de trazer recursos novos para os bancos, eleva as receitas da União com impostos. Segundo dados da Caixa, a venda entre 15% e 30% de participação nas subsidiárias da instituição pode gerar uma receita de R$ 20 bilhões. A venda entre 15% e 30% das subsidiárias da Caixa pode gerar receita de R$ 20 bi

Foco reformulado

O novo presidente da Caixa reforçou ainda que pretende redirecionar o foco do banco para o microcrédito, para os empréstimos consignados e para a oferta de recursos a pequenas e médias empresas.

O novo titular do BB, o economista Rubem Novaes, também deve executar um plano de reduzir os empréstimos diretos para grandes empresas, atuando mais como auxiliar na captação de recursos no mercado por meio da emissão de debêntures, que são títulos de dívida emitidos por empresas. O BB também pretende manter a liderança no crédito agrícola e nas exportações. A ordem também é se desfazer de ativos, com a abertura de capital do BB DTVM (gestora) e venda de participações em empresas como a Neoenergia, do banco Patagônia (Argentina) e do Banco Votorantim.

Outros ativos também estão no radar, como a venda de imóveis, como é o caso do prédio em Brasília do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) —que serviu de base para o governo de transição. No comando de Joaquim Levy, o BNDES também ficará menor e terá papel decisivo nas privatizações e no setor de infraestrutura. Outro foco do banco de fomento será dar acesso a médias e pequenas empresas e financiar projetos de inovação.

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Instituições terão de enxugar quadros e ampliar serviços

Rennan Setti

06/01/2019

 

 

Para manter relevância com participação menor no crédito, será preciso adaptar estrutura e reduzir custos, afirmam analistas

Com a missão de serem mais enxutos e focados em seus “objetivos sociais” sob o novo governo, os bancos públicos terão o desafio de manter a relevância mesmo com participação menor no crédito e de adaptar a estrutura para atuação mais restrita, avaliam analistas do setor bancário. —Antes, o desafio da Caixa era sua estrutura de capital e a qualidade dos seus ativos. Hoje, é o custo em relação ao balanço que está encolhendo. Mesmo com a contribuição importante dos PDVs (Plano de Demissão Voluntária), a Caixa, por ser estatal, tem flexibilidade de pessoal restrita —disse Ceres Lisboa, da Moody’s.

Em novembro, a Caixa anunciou seu terceiro PDV, com o objetivo de abranger até 1.600 funcionários e reduzir os custos em R$ 324 milhões por ano. Esse é o terceiro PDV da Caixa em dois anos. Os dois primeiros reduziram os quadros do banco em 9%, segundo a Moody’s. A agência calcula que isso ajudou a diminuir o peso dos custos em relação às receitas da Caixa de 68,5% para 57,7% desde o fim de 2016. Isso será ainda mais importante, segundo a analista, devido às margens menores dos segmentos de habitação e crédito consignado, que vão concentrar os esforços do banco daqui para frente. Ou seja: são áreas menos lucrativas. Desde 2014, a participação da habitação na carteira de crédito da Caixa subiu de 56% para 62%, enquanto a de grandes corporações caiu de 6,1% para 3,6%. —O resultado é que a Caixa não pode fazer apenas habitação e consignado. Ela terá que compensar a rentabilidade menor gerando outras receitas junto ao público de mais baixa renda, como serviços, seguros etc. —acrescentou Ceres. No caso do BNDES, espera se que o governo pressione para que o banco acelere a devolução dos R$ 280 bilhões ainda devidos ao Tesouro. Segundo Teresangela Araes, da Moody’s,há espaço para que se entregue mais que os R$ 26,6 bilhões previstos este ano,dada a redução dos desembolsos — que foram de R$ 190,4 bilhões em 2013 e devem ter fechado 2018 perto de R$70 bilhões. O desafio é evitar que isso comprometa a capacidade de crédito do banco. A redução da carteira de desembolso também traz desafios. Para Ceres, isso deve ser acompanhado de redução de estrutura.

No BB, uma das intenções do novo governo é privatizar a BB DTVM, maior gestora do país. Nesse caso, o plano também pode esbarrar na rentabilidade do banco. — Vender esse braço seria uma renúncia de receita muito grande. Eles vão analisar outras opções para reduzir o tamanho, mas não vejo o banco deixando esse bolo na mesa — afirmou Alexandre Albuquerque, que acompanha o BB na Moody’s. Embora a tendência seja de redução da participação dos bancos públicos, como o crédito deve crescer 11% este ano, segundo a Fitch, mesmo eles vão emprestar mais, disse o diretor Claudio Gallina: — O capital desses bancos melhorou. Logo, eles têm capacidade de expansão. A questão é saber se eles vão crescer mais que a inflação ou não.