O globo, n. 31202, 10/01/2019. País, p. 4
Entrevista - Santos Cruz: 'Na minha opinião, ou aumenta o salário ou faz um auxílio-moradia'
Santos Cruz
Eduardo Bresciani
Jussara Soares
Karla Gamba
10/01/2019
O ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, diz-se a favor de um reajuste salarial ou da volta do auxílio-moradia para os militares. General da reserva, ele considera que a remuneração do Executivo está “muito abaixo” da que é paga no Legislativo e no Judiciário. Com assento no Planalto, militar defende reforço na remuneração das Forças, critica diferenças salariais nos três Poderes e afirma que EBC não será extinta, como prometeu Bolsonaro
Ministro da Secretaria de Governo da Presidência, Carlos Alberto dos Santos Cruz, 66 anos, defende, nesta entrevista ao GLOBO, a recriação do auxílio-moradia para militares. General da reserva, ele avalia que o presidente Bolsonaro tem dois caminhos nesse tema: ou aumenta o salário nas Forças ou traz de volta o benefício extinto em 2001. Também afirma que a comunicação digital do governo será reforçada, contraria a promessa de Bolsonaro de acabar com a EBC e diz que o Banco do Brasil deve explicar a promoção do filho do vice, Hamilton Mourão, que dobrou o salário com a chegada do pai ao poder.
Qual a posição do senhor sobre o auxílio-moradia para militares?
Quando eu era tenente, capitão, lembro que existia o auxílio-moradia. Depois, ele se tornou tão mínimo que acabou saindo do contracheque e foi extinto. Hoje, isso aí é um problema muito sério, porque o civil não muda muito de cidade, mas o militar tem a característica de mudar. Você vai servir lá no interior, e o Exército tem que oferecer moradia, porque não tem casa para alugar. Em alguns locais, o aluguel é acessível para o salário do militar, mas há outros onde não é.
Então o auxílio é justo?
Na minha opinião, ou aumenta o salário ou faz um auxílio-moradia. O problema é que tem de dar um salário que possa cobrir tudo isso. Quando o salário não é suficiente, você tem que pendurar outros benefícios, igual a outros trabalhadores, como vale-alimentação, vale-transporte.
O governo precisa discutir a remuneração dos militares?
Eu acho que precisa discutir a remuneração de todo o Executivo. A remuneração do Executivo é muito abaixo do Judiciário e do Legislativo. Se você comparar os salários, são muito discrepantes e é muito difícil fazer um nivelamento.
Como equacionar isso diante do ajuste fiscal?
É muito difícil, porque os poderes são independentes. Os outros poderes têm a vantagem de não administrar o Orçamento da União. O Executivo tem que administrar as contas e acaba cortando na própria carne. Os outros têm a vantagem de estabelecer aumentos, e o Executivo que ajuste o orçamento.
O presidente Bolsonaro prometeu acabar com a EBC. O que será feito?
A EBC é uma empresa que tem duas televisões, oito emissoras de rádio e duas agências. É uma empresa que tem 2.025 pessoas. Precisa passar por uma racionalização de estrutura, sem dúvida nenhuma. Mas é preciso fazer isso respeitando os direitos daqueles que trabalham lá. Tem que otimizar orçamento, diminuir despesas e aumentar a qualidade.
A ideia é acabar com a EBC?
A ideia não é acabar. Ela vai passar por modificações, em curto prazo, para ter mais efetividade. Aproveitar ao máximo a estrutura, mas fazer uma racionalização, torná-la mais atualizada, mais ágil, sem ideologia.
O governo vai priorizar as redes sociais para falar à sociedade?
Qual foi o grande fenômeno nessa eleição? Existe uma forma direta de comunicação que não é o veículo de massa, como vinha sendo. E você vê que muitos veículos se afastaram da realidade e não tiveram influência, com toda a tecnologia, com toda a rede montada, com toda a especialidade de comunicação. A parcela do nosso trabalho em mídia digital é de 15%. Vamos aumentar.
Essa comunicação é suficiente para dialogar com a população em temas como a reforma da Previdência?
Vejo por mim: eu lia jornal. Agora, já pego aqui (pega o celular) e dou uma olhada. Hoje, para dar conta do WhatsApp é difícil. Então, essa comunicação com a população pode ser dividida com uma mensagem presidencial pelo Twitter. Ela se espalha com uma velocidade incrível. É importante também para manter a população motivada. O nível de politização está muito alto, qualquer um acompanha tudo, seja por piada, por texto ou por imagem na rede social. É importante que a população fique ligada.
A promoção do filho do vice, Hamilton Mourão, que vai passar a ganhar mais que o dobro do salário no Banco do Brasil, constrange o governo?
Eu vi pela imprensa. É uma situação que você tem um funcionário com 18 anos na carreira que foi promovido dentro da estrutura do banco. Então, é o banco que tem que dizer por que selecionou. Não vou entrar no mérito. Você vê em diversos órgãos públicos pessoas que não têm a menor experiência naquela área e ganhando até mais.
A violência no Ceará pode chegar a outros estados?
Se qualquer coisa surgir ou ressurgir nessa linha, medidas serão tomadas. O que está acontecendo no Ceará é uma ousadia do crime organizado. O Estado não pode ser refém desse bando de vagabundo criminoso que agride a autoridade governamental dessa maneira. Isso mostra o quanto o Estado tem que ser forte, e a população inteira tem que se mobilizar contra essa praga. É um câncer na sociedade que se chama crime organizado.
Está satisfeito com o caso Fabrício Queiroz?
Sinceramente, o tal de Fabrício de Queiroz não é motivo da minha atenção e não é assunto de governo. Ele que explique o que tem que explicar.
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MP de FH nunca votada acabou com benefício
Daniel Gullino
10/01/2019
Editada em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, a medida provisória (MP) 2.215 revogou uma lei de 1991 que havia estabelecido a chamada “indenização de moradia”.
O texto determinava o pagamento do benefício para “auxiliar as despesas com habitação do militar e seus dependentes, em razão das condições obrigatórias de mudanças frequentes de residência a que está sujeito”.
A MP 2.215 estabeleceu, por outro lado, a gratificação de localidade especial, paga apenas quando o militar serve em “regiões inóspitas”.
O projeto até hoje não foi analisado no Congresso — naquela época, as medidas provisórias não perdiam a validade se não fossem votadas —e segue em vigor.
A criação da gratificação também acabou com diversos outros benefícios dos militares, como a promoção automática a quem passasse para a reserva, a licença especial e o adicional de inatividade.
Na cerimônia de transmissão de cargo do novo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, Bolsonaro defendeu a revogação da MP e criticou Fernando Henrique.
—Temos como herança desse governo que citei agora há pouco, uma medida provisória, a 2.215, que esperamos, prezado ministro Fernando, não deixá-la completar 19 anos.
Após a cerimônia, o ministro afirmou que a medida precisa ser “avaliada”:
—A MP 2.215 foi editada sem uma consulta mais profunda. Nós dormimos de um jeito, acordamos de outro jeito. Perdemos algumas coisas até plausíveis em termos de carreira e não houve uma discussão. E a Medida Provisória está em curso ainda e deve ser avaliada.