O globo, n. 31196, 04/01/2019. País, p. 4

 

Armas, Trump e 'rolo'

Jussara Soares

04/01/2019

 

 

Bolsonaro defende porte e posse, parceria bélica com EUA e se afasta de Queiroz

Em sua primeira entrevista no cargo, o presidente Jair Bolsonaro confirmou ontem ao SBT que pretende fazer um pente-fino em atos assinados nos últimos 30 dias do governo do ex-presidente Michel Temer. Entre uma série de assuntos abordados, Bolsonaro falou de política externa e disse que pretende visitar Donald Trump nos Estados Unidos em março. Confirmou o desejo de flexibilizar a posse e o porte de armas de fogo por meio de decretos, comentou a situação do ex-assessor do seu filho Flávio, investigado por movimentações atípicas no Coaf e também deu detalhes do projeto de reforma da Previdência que pretende enviar ao Congresso nos próximos dias. A seguir, os principais temas:

Mudanças em janeiro

Caminho aberto para posse e porte de armas

O presidente afirmou que vai flexibilizar aposse de armas de fogo, determinando por me iode decreto oqueéa“efetiva necessidade” exigida pela legislação. Segundo ele, o fato de viverem um estado com 10 ou mais homicídios por arma de fogo por 100 milha bitantes já será critério para justificar aposse de armamento.

— A PF age de acordo com orientação do Ministério da Justiça. E a orientação que vem também do governo central. Conversando com Sergio Moro( ministro da Justiça ), ele deu a ideia do novo decreto, e estamos definindo oqueéa “efetiva necessidade”. Isso sai em janeiro com toda certeza.

Bolsonaro também anunciou que pretende facilitar o porte de arma. Ou seja, permitir que, além de manter a arma em casa, o cidadão também possa carregá-la pelas ruas:

— O decreto é só para posse de arma de fogo. Com relação ao porte, vamos flexibilizar também. Podemos dar por decreto, mas tem requisitos para cumprir.

Bala no campo

Número de armas pode ser aumentado

Eleito com forte apoio do agronegócio, Bolsonaro disse que pretende aumentar, também por decreto, o número de armas para o “homem do campo”:

—Homem do campo vai ter direito também. O governo último limitou em duas armas no máximo para cada um de nós. O que estou propondo ali é o povo ter duas armas, para agentes de segurança, quatro ou seis armas, vamos aumentar o número de armas.

O presidente falou ainda que também estuda abrir o mercado brasileiro para a indústria armamentista:

—Pretendemos também, e não está definido, é um decreto que diz sobre o monopólio de arma de fogo. Pretendemos abrir nosso mercado a outras armas também.

‘Legítima defesa’

A receita para reduzir a violência

O presidente voltou a defender a proposta que aplica de forma automática o princípio da legítima defesa (em termos técnicos, excludente de ilicitude) a policiais militares que matem em serviço e também a pessoas comuns que se defendam.

— Pode ter certeza que a violência vai cair assustadoramente —disse Bolsonaro.

Pente-fino

Pedido aos ministros para uma revisão geral

Bolsonaro confirmou ter encomendado aos seus 22 ministros uma revisão de atos de Temer que podem esconder casos de corrupção. Citou o contrato assinado em 28 dezembro de 2018 em que a Funai repassou quase R$ 45 milhões à UFF, revelado pelo GLOBO, para implementação de criptomoedas para a população indígena; a liberação de R$ 200 mil, por meio da Lei Rouanet, para duas corridas de rua no Morro do Borel, no Rio; e uma consultoria de R$ 3 milhões encomendada pelo Ministério do Turismo:

—Tem cara que tem muita coisa errada aí. Eu acho que nenhum agente público ia jogar fora 3 milhões de reais para fazer uma consultoria que qualquer um de nós poderíamos fazer algo parecido com consulta na internet.

Forças Armadas

Contra o socialismo

O presidente afirmou que a aproximação do regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, com a Rússia, que recentemente fez exercícios militares no país vizinho, é motivo de preocupação. Ele voltou a dizer que as Forças Armadas “são o último obstáculo para o socialismo”:

— O dia em que eles quebrarem nossa coluna vertebral, eles impõem aqui um regime de exceção como Chávez fez lá.

Ao ser questionado sobre o seu discurso de posse em que disse que seu governo libertará o Brasil do socialismo, o presidente admitiu que nunca houve socialismo no país.

— Pô, nunca teve socialismo? Graças às Forças Armadas. Vamos agradecer às Forças Armadas. Desde 1922, corremos o risco no Brasil.

Novo eixo

Aproximação bélica com os EUA

Bolsonaro afirmou que a aproximação com os EUA poderá não ser apenas econômica, mas também uma parceria bélica.

— A minha aproximação com os Estados Unidos é uma questão econômica, mas pode ser bélica. Nós podemos fazer acordo voltado para essa questão aqui no Brasil. Nós não queremos ter um superpoder na América do Sul, mas devemos ter, no meu entender, a supremacia.

O ex-assessor

Fabrício Queiroz ‘fazia rolo’

Sobre o caso do ex-assessor do filho Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, o presidente disse que sabia que Fabrício Queiroz vendia carros e “fazia rolo”. Essa foi a explicação apresentada por Queiroz sobre a movimentação de R$ 1,2 milhão em um ano, apontada como atípica pelo Coaf.

—Ele falou que vendia carros, eu sei que ele fazia rolo. Agora, quem vai ter que responder é ele. O Coaf fala em movimentação atípica, isso não quer dizer que seja ilegal, irregular. Pode ser.

Bolsonaro disse que Queiroz “sempre gozou de toda confiança” dele, mas ressaltou que “até que ele prove o contrário", não pretende conversar com o ex-assessor.

Sucessão na Câmara

Apoio e torcida, mas sem se envolver diretamente

Apesar de o PSL ter fechado acordo para apoiar a reeleição de Rodrigo Maia à presidência da Câmara dos Deputados, Bolsonaro voltou a repetir o discurso de que não vai se envolver nas eleições no Congresso. Ele disse, no entanto, esperar que o candidato apoiado pelo seu partido vença:

— Meu partido vai apoiar alguém, eu não vou participar dessa negociação. Espero quem o partido que apoiar, venha a ganhar e coloque em pauta as matérias que porventura viemos a apresentar.

Atentado em Minas

Para presidente, suspeita persiste

O presidente disse que Adélio Bispo dos Santos, autor da facada que quase tirou sua vida durante a campanha, teve o apoio “de gente com dinheiro”. Ele citou que quatro advogados se apresentaram para defendê-lo, lembrou sua filiação ao Psol, e disse esperar uma confissão ou o desfecho do caso pela Polícia Federal.

— Está na cara que gente com dinheiro, preocupada em (ele) não abrir a boca, foi em seu socorro.

Reformas

Novas regras na Previdência

Logo no início da entrevista, Bolsonaro afirmou que pretende propor ao Congresso uma reforma da Previdência que estabeleça, até 2022, uma idade mínima de 62 anos para homens e 57 anos para mulheres.