Correio braziliense, n. 20310, 29/12/2018. Política, p. 2/3

 

Ensaio para o retrocesso

Simone Kafruni 

29/12/2018

 

 

 Recorte capturado

E AGORA, BOLSONARO? » A ameaça do novo governo de abandonar o Acordo de Paris e de fundir o Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura deixa ambientalistas pessimistas em relação às metas de combate às mudanças climáticas. Eles veem caminho aberto para a judicialização

As ameaças do novo governo, de unificar o Ministério do Meio Ambiente (MMA) com o da Agricultura e de abandonar o Acordo de Paris, além de declarações polêmicas sobre o tema tanto do presidente eleito, Jair Bolsonaro, quanto de sua equipe, somadas à desistência do Brasil de sediar a 25ª Conferência de Partes na Convenção de Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), preocupam ambientalistas. Desde a Eco-92, no Rio de Janeiro, o Brasil tem tido destaque nas negociações internacionais, exercendo importante papel rumo à redução de gases de efeito estufa e à diminuição do desmatamento. Especialistas temem retrocesso na agenda ambiental a partir de 2019, mas alertam que existe um arcabouço legal de proteção robusto e que a judicialização deve impedir medidas mais radicais.

A participação do Brasil é vital para atingir as metas mundiais, uma vez que o país é o sétimo maior emissor de Gases de Efeito Estufa (GEE), sendo que 70% das liberações são de áreas rurais, e a Amazônia é fundamental na regulação do clima no planeta. Dono da maior floresta tropical do mundo e segundo maior produtor de commodities, o Brasil não pode se abster do papel de protagonista, como o futuro governo ensaia fazer, sob pena de graves consequências, inclusive econômicas. Signatário de compromissos globais, o país promete cortar as emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030, além de reflorestar uma área de 12 milhões de hectares até lá, apesar de ainda não ter apresentado um plano completo sobre como atingir as metas.

Durante a Conferência do Clima (COP 24), na Polônia, neste mês, autoridades e especialistas discutiram alternativas para viabilizar o pagamento por serviços ambientais numa forma de incentivar a conservação de locais como Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reservas Legais (RLs). A iniciativa está prevista na legislação brasileira e também vai na direção do cumprimento dos acordos internacionais.

Um dos palestrantes na Polônia, Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima, lembra que o Brasil sempre esteve entre os pioneiros nas discussões sobre mudanças climáticas e que o próximo governo já deu sinais de que vai abandonar essa agenda. Para a organização WWF-Brasil, o anúncio de não mais sediar a COP 25 diverge do posicionamento anunciado antes das eleições, demonstrando a influência da equipe de transição. O futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, mostra ceticismo às mudanças climáticas e já fez duras críticas ao processo internacional de negociação.

De acordo com o diretor executivo do WWF-Brasil, Mauricio Voivodic, a decisão passa ao mundo um sinal de que o novo governo não enxerga como prioritária a agenda de combate às mudanças climáticas, considerado o maior desafio do planeta. “Em um período marcado por desastres ambientais ao redor do globo, como secas gerando prejuízos na agricultura no Nordeste ao mesmo tempo em que inundações assolam cidades no Sudeste do Brasil, e os históricos incêndios da Califórnia, esperamos que essa decisão não implique um menor protagonismo do Brasil no Acordo de Paris ou um menor compromisso com as já assumidas metas de redução das emissões brasileiras”, afirma.

Para Vinicius Picanço, coordenador do Centro de Empreendedorismo do Insper, o Brasil não pode ser tímido na discussão ambiental. “Grande parte da Amazônia é nossa. O país tem os maiores lençóis freáticos, com a maior porção de água-doce do mundo. A instabilidade política causa preocupação à comunidade que tem construído a agenda ambiental. Receio que esses esforços sejam perdidos por um governo que não valorize as evidências”, destaca. “É preciso discutir isso sem olhar para dogmas, mas para dados científicos”, frisa.

Desmatamento

Inicialmente, Bolsonaro estudou fundir o Meio Ambiente com o Ministério da Agricultura. Ele recuou após críticas tanto de ambientalistas, preocupados com o futuro da Floresta Amazônica, quanto de ruralistas, que alertaram para o risco de aumento das pressões internacionais e de boicote a produtos brasileiros. No exterior, no entanto, a imagem de preocupação permanece, e o temor é de que o desmatamento possa disparar, processo que já começou a ocorrer em 2016 (veja quadro). Nos últimos 30 anos, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 783 mil km2 de área desmatada na Amazônia, equivalente a duas vezes o território da Alemanha.

Para a doutora em geologia Mônica Veríssimo dos Santos, secretária executiva do Fórum das ONGs Ambientalistas do Distrito Federal, pós-graduada em mudanças climáticas, o governo tem de entender que é passageiro e que as políticas públicas devem ser perenes. “Na questão ambiental, o longo prazo é mais de 30 anos. A mudança climática é um fato científico. Temos uma política nacional a partir de compromissos internacionais já em curso, não é algo que possa ser questionado”, diz.

No entanto, o futuro ministro Ernesto Araújo, que presidiria a COP 25 se a conferência fosse sediada pelo Brasil, declara não acreditar no fenômeno. “São grupos de excelência que comprovam isso. Quando as pessoas falam que não existe, quem tem voz é a indústria do petróleo, que lucra com isso”, alerta Mônica. A especialista pondera, no entanto, que a legislação brasileira garante proteção. “Pelo Código Florestal, a produtividade pode aumentar sem comprometer mais áreas. Não há necessidade de abrir novas fronteiras. Os próprios ruralistas sabem que vai faltar água se o desmatamento continuar”, explica.

As reservas legais e áreas de proteção permanente precisam ser respeitadas (veja no quadro). “Se desmatar essas áreas, o ruralista estará cometendo uma ilegalidade”, avisa. “A tendência mundial são selos verdes. O consumidor está mais exigente, quer saber se o produto é sustentável. O produtor sabe disso, e não cabe aos políticos entrarem na seara e darem pitaco por falta de conhecimento. O Brasil está sendo submetido a selos internacionais”, ressalta.

Além disso, explica a ambientalista, a sociedade tem como pressionar o novo governo para dar continuidade à agenda de proteção do meio ambiente. “Quem chancela o presidente é a sociedade que o elegeu, e ela pode pressionar por meio de judicialização. O Código Florestal só evoluiu porque houve pressão.”

 

Agenda global

O engenheiro florestal Cesar Victor do Espírito Santo, superintendente da Fundação pró-Natureza (Funatura), também se mostra preocupado com o futuro da agenda no governo Bolsonaro. “A avaliação da maioria das entidades ambientalistas é de que, na linha do que foi dito até agora, será um retrocesso”, diz. “As mudanças climáticas existem, não porque o Brasil faz parte dos acordos. É uma agenda global.”

As duas grandes convenções assinadas pelo Brasil sobre mudança climática e manutenção da biodiversidade precisam ser seguidas, conforme Espírito Santo, porque interessam ao próprio país. “Acredito que ainda há um discurso de palanque. Na hora em que o ministro sentar no MMA e enfrentar os problemas, muitas declarações serão relevadas. Primeiro, porque vão verificar que tem muita coisa que não é questão de governo”, aposta.

O especialista também confia no agronegócio. “Quem tem um trabalho sério na agricultura sabe que não pode produzir só para o mercado interno. E que, para exportar, é preciso seguir uma série de normas. Ninguém quer perder mercado. Além disso, a legislação tem de ser cumprida”, afirma.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

Reformas devem ir além da Previdência

Rosana Hessel 

29/12/2018

 

 

 Recorte capturado

E AGORA, BOLSONARO? » Para analistas, se o governo não fizer mudanças no sistema de impostos, na estrutura do Estado, e não adotar medidas para aumentar a produtividade, a economia não voltará a crescer

A reforma da Previdência é a principal engrenagem do ajuste fiscal para reequilibrar as contas públicas no próximo governo. Mas, para ajudar o país a voltar a crescer, continuar com a inflação controlada e ser mais produtivo e competitivo, especialistas elencam outras reformas complementares, como a tributária e a administrativa, além de uma agenda microeconômica, que devem estar na lista de prioridades do presidente eleito, Jair Bolsonaro, logo no início do mandato. Sem isso, avaliam, será impossível dar uma guinada mais agressiva na economia, que se recupera gradualmente de uma das mais graves recessões da história do país.

Em um dos vários documentos entregues à equipe de transição de Bolsonaro, o Ministério da Fazenda traçou cenários com e sem as reformas estruturais, incluindo a da Previdência. Se elas não ocorrerem, a pasta prevê que o país voltará a registrar queda no Produto Interno Bruto (PIB), em 2020. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) conclui que, se as reformas forem realizadas, será possível que o país volte a crescer em ritmo mais forte do que o atual, com ganhos, inclusive, no PIB per capita. Quanto maior a amplitude e a intensidade das mudanças, tanto maior a retomada da atividade econômica.

 

Desafios

Na avaliação dos especialistas, o encaminhamento das reformas nos primeiros seis meses do governo de Bolsonaro será determinante para o sucesso ou o fracasso do mandato. “O presidente precisará mostrar serviço logo no início do ano, apresentando propostas concretas de ajuste fiscal, e, principalmente, da mãe das reformas, que é a da Previdência. Se não houver avanço nessas mudanças dentro de seis meses, no máximo, o mercado mudará de humor completamente”, afirma a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. “Sem resolver o problema fiscal, o crescimento não vai acontecer”, emenda.

O economista Gabriel Leal de Barros, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, reforça a necessidade das reformas complementares para que o ajuste das contas públicas seja bem-sucedido. “Além da reforma fiscal, que tem início, mas não se esgota na previdenciária, a reforma tributária é uma das mais importantes, com várias outras medidas, como abertura comercial, melhoria da produtividade e do ambiente de negócios, para que o país consiga vencer a armadilha da renda média”, explica.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, avalia que os desafios são consideráveis. “Se não conseguirmos aprovar uma reforma digna desse nome, a chance de voltarmos à crise é muito grande. Além disso, o mundo estará bem instável ano que vem, com a escalada de crise comercial entre Estados Unidos e China, com uma possível desaceleração mais acentuada da economia americana. Não será um início de governo fácil para o novo presidente”, frisa.

Vale destaca ainda que a retomada do crescimento sustentado e mais robusto dependerá do aumento da produtividade. Isso, em parte, está relacionado com a ampliação de investimentos em infraestrutura e com a continuidade da pauta microeconômica iniciada com o governo de Michel Temer, que precisa ser acelerada. “A abertura comercial também terá papel relevante”, diz. Contudo, ele demonstra preocupação com a falta de um plano mais consistente de aperfeiçoamento do capital humano.

O avanço das reformas e do ajuste fiscal, na avaliação de José Ronaldo de Castro Souza Júnior, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, também será crucial para a sustentação do teto de gastos públicos, que ajudou a melhorar as expectativas do mercado em relação à economia. “Sem mudanças constitucionais e legais, o governo não tem mais como fazer cortes e conter o crescimento dos gastos obrigatórios”, afirma.

Souza Junior lembra que as despesas discricionárias já sofreram todos os cortes possíveis, tanto que o patamar dessa rubrica é de R$ 130 bilhões neste ano, semelhante ao de 2009.  “O teto pode se tornar inviável a partir de 2020”, alerta. A emenda constitucional do teto limita o crescimento global das despesas à inflação, mas os benefícios previdenciários e a folha de pagamento vêm aumentando bem acima disso.

Atualmente, mais de 90% dos gastos do governo são obrigatórios, predominantemente, com pessoal e benefícios previdenciários. Especialistas avaliam que, se eles não forem contidos, em poucos anos, não haverá espaço no Orçamento para as demais despesas, como investimentos e custeio da máquina.

 

Funcionalismo

A reforma administrativa pode contribuir, ao reduzir o tamanho do Estado e torná-lo menos pesado no Orçamento. Mas o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, tem dito que essa reforma será “tão difícil quanto a da Previdência”, pois deverá prever a reestruturação das carreiras do funcionalismo, reduzindo o total de 309 para “menos de 20”, o que exigirá muita negociação entre parlamentares e servidores.

A necessidade de uma revisão das despesas da União, dando um choque de gestão para eliminar desperdícios, também é defendida pelos analistas. Eles citam, por exemplo, os aluguéis, que custam R$ 2 bilhões por ano, enquanto o governo tem  imóveis abandonados ou desocupados. A revisão dos subsídios é outro ponto polêmico. De acordo com dados da Fazenda, as renúncias tributárias, que somavam R$ 113,8 bilhões em 2010, poderão chegar a R$ 306 bilhões no próximo ano. Muitos incentivos não são avaliados nem têm prazo definido.

 

Frase

"Além da previdenciária, a reforma tributária é uma das mais importantes, com várias outras medidas, como abertura comercial e melhoria da produtividade”

Gabriel Leal de Barros, diretor da Instituição Fiscal Independente