Correio braziliense, n. 20300, 19/12/2018. Política, p. 2

 

Auxílio volta 22 dias após ser suspenso

Renato Souza 

19/12/2018

 

 

Durou menos de um mês o fim do auxílio-moradia, que tinha deixando de existir por força de uma decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF). Baseado no ato do próprio magistrado, que entendeu pela constitucionalidade do benefício ao revogar decisões que mantinham os pagamentos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu ontem, na última sessão do ano, publicar uma resolução que concede a remuneração para magistrados de todo o país.

O plenário do Conselho levou exatamente um minuto para tomar a decisão que afeta os cofres públicos e mais uma vez joga nas mãos do contribuinte arcar com as despesas criadas pelo setor público. Na sequência, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) também aprovou o retorno do benefício para procuradores e promotores.

Para voltar com os pagamentos, o CNJ firmou uma série de regras que restringem esse direito aos magistrados. No entanto, os efeitos financeiros da decisão ainda são desconhecidos, já que não existe balanço exato de quantos juízes se encaixam nas regras. Segundo levantamento preliminar do CNJ, 1% dos magistrados do país seriam beneficiados. De acordo com o relatório Justiça em Números, de 2018, que traz dados do ano passado, o sistema nacional de Justiça tem 18 mil magistrados, o que levaria ao número de 180 aptos a receber o auxílio-moradia de forma imediata.

Levando em conta o valor máximo definido para o benefício, de R$ 4.377,73 no ano que vem, o gasto com os pagamentos do penduricalho seria de R$ 9,5 milhões ao ano, caso todos os 180 recebessem o teto. No entanto, um dos incisos da resolução prevê que o “custo para moradia ou auxílio-moradia aos ministros de tribunais superiores será disciplinado pelos respectivos tribunais”. Ou seja, STF, Superior Tribunal de Justiça (STJ), Superior Tribunal Militar (STM), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Tribunal Superior do Trabalho (TST) podem criar regras próprias, que se forem de interesse do órgão, permitam o pagamento para todos os ministros, o que engordaria a verba que será usada para conceder o benefício.

O CNMP seguiu as mesmas regras do CNJ. Mas ainda não apresentou dados de quantos integrantes do MP serão beneficiados, ou o custo financeiro da decisão. Ao aprovar a medida, a procuradora Raquel Dodge afirmou que estava cumprindo a decisão do Supremo. “Este Conselho está cumprindo uma decisão judicial liminar que está em vigor. Decisão judicial se cumpre”, afirmou. Ela destacou que não concorda por inteiro com a liminar de Fux, tendo inclusive apresentado recurso na Corte.

Dodge alega, na ação, que as resoluções que foram derrubadas por Fux não atingem os integrantes do MP. “Apesar da relevância e da repercussão do decidido nesta AO 1773 (Ação Originária), é intuitivo que não se trata de julgado em controle de constitucionalidade, tampouco de pronunciamento em processo julgado sob a sistemática de repercussão geral, não havendo efeitos vinculantes e que transcendam as partes da demanda”, alegou Dodge. Pela decisão de Fux, será necessário criar uma resolução conjunta entre o CNJ e o CNMP para regulamentar os pagamentos. Isso deve ocorrer no próximo ano, e pode resultar em uma abrangência ainda maior do auxílio-moradia.

Na hora da votação no CNMP, o conselheiro Valter Shuenquener de Araújo lançou críticas à opinião pública, à mídia e defendeu o benefício. “Não recebo adicional, não recebo hora extra, adicional de insalubridade, mas a Lei Orgânica prevê o direito pelo simples fato de não existir imóvel funcional no local de trabalho. Se é algo a ser repensado, se não comporta mais esse tipo de benefício, que me garantam os direitos da CLT”, disse ele, se referindo à lei que regulamenta direitos e benefícios de trabalhadores em empresas privadas e alguns setores do serviço público.

O impacto inicial nas contas públicas pode se tornar bem maior ao longo do tempo. A advogada constitucionalista Vera Chemim, especialista em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que é comum a mudança de cidade pelos juízes no exercício da função. “Isso ocorre de forma recorrente. A mudança é necessária para que o magistrado não tenha grande envolvimento com determinada comunidade, para preservar sua isenção funcional. O juiz também muda de cidade ou comarca por conta da promoção na carreira. Por antiguidade, por exemplo, um juiz de 1ª Instância pode ascender para um tribunal de 2ª Instância”, afirma.

A partir de 1º de janeiro, magistrados que mudarem de cidade e forem para locais onde não exista apartamento funcional, podem pleitear o auxílio-moradia. A resolução destaca que, para ter direito ao pagamento, os juízes de todo o país não podem ter casa própria na localidade onde vão atuar. Isso vale para o cônjuge do magistrado e das pessoas que viverem com ele, na mesma residência, que também não podem ter imóvel próprio, receber auxílio com o mesmo objetivo ou ocupar apartamento funcional.

O pagamento ocorre a título de ressarcimento, ou seja, será necessário apresentar comprovante de que paga aluguel. De acordo com a resolução, o benefício cessará no mês subsequente caso o juiz retorne para a comarca original ou juízo de origem, assim como nos casos em que adquira imóvel. O mesmo ocorrerá se for disponibilizado apartamento funcional ao beneficiário. Além disso, se o magistrado recusar o imóvel funcional disponibilizado pelo poder público, perde o auxílio de forma imediata.

Previsão legal

O auxílio moradia está previsto no artigo 65 da Lei Orgânica da Magistratura (Loman). O benefício foi suspenso desde o dia 26 do mês passado, quando o ministro Luiz Fux revogou as liminares que permitiam o repasse da verba para juízes e integrantes do Ministério Público. Ele tomou a decisão em resposta a sanção presidencial que autorizou o aumento de 16,38% nos salários dos ministros do STF, que a partir de janeiro vão chegar a R$ 39 mil. Dados levantados pelo Senado e pela Câmara indicam que esse reajuste, que será reproduzido em efeito cascata para outras categorias do serviço público, vai gerar um impacto entre R$ 4,1 bilhões e R$ 4,5 bilhões ao erário por ano.

A Loman é de 1979 e previa o pagamento do auxílio nas comarcas em que não houvesse residência oficial. Mas vetava para quem morasse nas capitais. Em 1986 essa restrição às comarcas localizadas nas capitais foi retirada, universalizando o benefício.