Correio braziliense, n. 20298, 17/12/2018. Cidades, p. 19

 

Plano para o futuro

Adriana Bernardes

17/12/2018

 

 

Segunda reportagem da série do Correio mostra como o transporte de passageiros sobre trilhos tem a capacidade de impulsionar avanços econômicos e sociais por onde passa. Apenas a chegada do VLT pode significar 113km a mais de trilhos na capital do país

Mais do que levar e trazer pessoas, o transporte de passageiros sobre trilhos é um indutor do desenvolvimento por onde serpenteia na paisagem urbana. E, se depender de projetos, o setor deve crescer consideravelmente nas próximas duas décadas, como mostra a segunda reportagem da série DF sobre trilhos — A glória do passado e a incerteza do futuro.

Pela primeira vez na história, o Distrito Federal elaborou um Plano de Desenvolvimento de Transporte Público sobre Trilhos (PDTT-DF). O estudo prevê investimentos de R$ 13 bilhões em 20 anos. Caso sejam executados, o Distrito Federal passará a ter 128km de trilhos, sendo 113 de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) e 15km de metrô, além de 113 estações.

O primeiro elemento para tornar a proposta realidade é a vontade política. O gestor público é quem define quais são as prioridades do governo para cada área. No Brasil, desde a décade 1950, a opção tem sido pelo modal rodoviário. “É a única tábua de salvação da mobilidade do DF. Se não seguirmos esse plano, o resto (propostas para mobilidade urbana) é papo furado”, defende Marcelo Dourado, presidente do Metrô-DF.

Morador de Samambaia, Manoel Campos Ferreira viu de perto a cidade mudar assim que o metrô chegou. Quando se mudou para lá, há pouco mais de 20 anos, havia uma casa aqui, outra acolá. Mas eis que um dia a terra vermelha começou a ser rasgada por máquinas e o vaivém de trabalhadores delineava o que seria a primeira estação da Companhia do Metropolitano do Distrito Federal.

“Depois que inaugurou, isso tudo em volta mudou. O comércio chegou e mais gente quis morar aqui. Hoje, tem de tudo: hospital, banco, supermercado, escola”, admira-se o servidor público de 59 anos, que sonha em trocar a casa onde vive por outra, ainda mais perto da estação.

Os prédios foram erguidos ao longo da linha férrea, separados apenas por uma rua. Do outro lado, uma área verde com torres de distribuição de energia e mais casas. Nas imediações de cada estação, predomina a mistura de cheiros do comércio informal: do pequi ao frescor do coentro e da hortelã, passando pelo aroma do pastel frito na hora. Pega-se quem passa por ali pelo estômago ou no grito. É um tal de “olha o bolo no pote, bolo no pote”, “olha o espetinho, está quentinho”, “queijo trança, queijo minas”.

 

Valorização

Era fim da tarde de uma terça-feira quando Midian Gomes fez a feira numa banca de verduras em frente ao Terminal Samambaia. Mudou-se para a cidade há pouco mais de um ano. Um dos critérios para a compra do imóvel levou em conta a proximidade do metrô. “Quanto mais perto do metrô, mais cara é a casa. Encontramos diferença de preço de até R$ 20 mil”, relembra.

Presidente do Metrô-DF, Marcelo Dourado afirma que trilho traz desenvolvimento social e econômico. “Ele agrega valor e promove a expansão imobiliária e financeira no mundo todo. Quando lançamos a expansão do sistema de Samambaia, este ano, já começou uma movimentação em função disso. É natural. Todo mundo quer morar perto do trilho”, diz.

 

Planejamento

Mas somente construir trilhos não basta. É preciso planejar todo o sistema de transporte observando a vocação de cada microrregião da cidade, explica o Pastor Willy Gonzales Taco, diretor do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes (Ceftru), da Universidade de Brasília (UnB).

“Há estações com vocação comercial, para a conexão urbana ou industrial. Elas precisam ser adequadamente distribuídas no espaço urbano. Além disso, os sistemas (ônibus, metrô, VLT e BRT) precisam ser complementares. Não podem concorrer entre si, porque, senão, um deles vai morrer.”

Taco destaca ainda que o espaço urbano precisa ser requalificado. “O entorno de uma estação próxima da rede hospitalar precisa ter calçadas, iluminação, segurança, informações, frequência de linhas e integração”, diz.

Outro cuidado deve ser o de escolher o modelo certo para cada área. Segundo Taco, o VLT, por exemplo, tem limitação de velocidade e capacidade. Mas serve muito bem ao propósito de reordenamento do espaço urbano. Onde circula, torna o ambiente mais amigável, faz com que o comércio tenha mais vida e convida as pessoas a caminhar e a conviver.

 

Expectativa

O anúncio da expansão da linha em Samambaia já movimenta a cidade. Corretor credenciado há 22 anos, Lúcio Varlone Pereira de Sá diz que as pessoas já fazem planos de comprar casas e terrenos onde acreditam que serão as duas novas estações. “Como a promessa de ampliar a linha vem desde o Roriz (ex-governador Joaquim Roriz), os negócios ainda não começaram a se concretizar. Mas, assim que isso andar, a valorização é certa”, afirma.

Pereira explica que uma casa na Quadra 107 hoje, onde o metrô vai chegar, custa cerca de R$ 160 mil, valor que pode saltar para R$ 200 mil. “Eu vi isso acontecer quando o metrô chegou a Samambaia. Muitas das casas próximas das estações viraram comércio. A história deve se repetir.”

 

O desempenho do setor

Nos últimos cinco anos, o transporte de passageiros sobre trilhos no Brasil foi responsável por 14,33 bilhões de viagens

Ano         Passageiros transportados (em bilhões)            Variação (%)

 

» 2017 -                2,93 -     0,6

» 2016 -                2,91 -     -0,3

» 2015 -                2,92 -     1,7

» 2014 -                2,87 -     6,2

» 2013 -                2,70 -

 

Projetos contratados ou em execução

Metrô

» Ceará: Fortaleza, linha Leste  (implantação)

» Rio de Janeiro (capital): linha 4 (extensão)

» São Paulo (capital): linha 2 verde, linha 4 amarela; linha 5 lilás (todas, extensão).

 

Trem urbano

» São Paulo: CPTM - Linha 9, esmeralda (extensão)

 

VLT

» Ceará: VLT de Fortaleza, trecho Parangaba-Mucuripe (implantação)

» Goiás: VLT de Goiânia (implantação)

» Mato Grosso: VLT de Cuiabá (implantação)

» Rio de Janeiro: VLT carioca, linha 3 (extensão)

 

Monotrilho

» SP: Linha 15, prata (extensão); linhas 17, ouro e 18, bronze (implantação).

 

Projetos com potencial para contratação ou início de obra até 2030

 

Metrô

» Bahia: metrô de Salvador, linha 2, Aeroporto - Lauro de Freitas (extensão)

» Distrito Federal: linhas Samambaia e Ceilândia (extensão); Asa Norte (implantação)

» Paraná: metrô de Curitiba, linha1 (implantação)

» Rio Grande do Sul: metrô de Porto Alegre, linha 1 (implantação)

» São Paulo (capital): linha laranja (implantação)

» Minas Gerais: CBTU Belo Horizonte, linha 2 (implantação)

» Rio de Janeiro (capital): linha 2 (extensão) e linha 3 (implantação)

 

Aeromóvel

» Rio Grande do Sul: Aeromóvel de Canoas (implantação)

 

VTL

» Maceió (AL): Centro-Maceió Shopping (implantação)

» Salvador (BA): remodelação

» Brasília (DF): Eixo Monumental e W3 (implantação)

» Baixada Santista (SP):  trecho 2 (extensão)

» Sorocaba (SP): implantação

 

Trens regionais

» Distrito Federal-Goiás: Trem Brasília-Goiânia (implantação)

» Distrito Federal-Goiás: Trem Brasília-Luziânia (implantação)

» São Paulo: trens intercidades: São Paulo-Americana (implantação)

 

Fonte: ANPTrilhos