Correio braziliense, n. 20302, 21/12/2018. Política, p. 2

 

Decisão escancara divisão no Supremo

Renato Souza

21/12/2018

 

 

Mesmo suspenso, ato de Marco Aurélio Mello, que poderia resultar na liberação de condenados em segunda instância, tende a tornar bastante tenso o trabalho da mais alta corte de Justiça no início do próximo ano
Os efeitos da liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou na quarta-feira a soltura de todos os presos que estão encarcerados em decorrência de condenação em segunda instância de Justiça, só não foram mais amplos por conta da rápida atuação da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e do presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli. Caso a decisão continuasse em vigor por mais 48 horas, o país assistiria à libertação de milhares de detentos, inclusive do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar de ter sido cancelado por Toffoli, o ato de Marco Aurélio está longe de ser inócuo. Escancara a divisão entre os integrantes da Corte e representa um presságio do que pode ocorrer no próximo ano, com uma série de assuntos polêmicos pautados ainda para o primeiro semestre.
Conhecido por divergir da maioria nas votações em plenário, Marco Aurélio é apelidado nos bastidores do Supremo como ministro “voto vencido”. No entanto, a divergência dele em diversos assuntos nunca tinha chegado a um nível tão elevado, a ponto de tomar uma decisão com efeito prático que desafia o colegiado. Assim que o magistrado determinou que fossem liberados os detentos que cumprem a chamada execução provisória da pena, juízes de todo o país se mobilizaram para decidir qual decisão tomar com a chegada de pedidos de alvará de soltura por parte de advogados penais para seus clientes. Ele disse, à jornalista Vera Magalhães, que tomou a medida por conta do modo como a pauta do STF vem sendo conduzida. “Depois de 40 anos de toga não posso conviver com manipulação da pauta”, alegou.
Pelo menos um detento foi liberado, por conta da liminar emitida pelo ministro. O juiz Marcos Buch, da 3ª Vara Criminal de Joinville, Santa Catarina, determinou a soltura de um interno, que foi condenado em 2ª instância a cinco anos de prisão, por “crimes comuns”. No documento, Buch citou o ex-presidente Lula.  “Ainda que seja notório que a decisão em apreço abarca o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o fato  é que ela se destina a milhares de pessoas que estão presas sem que a sentença que as condenou tenha transitado em julgado e sem que a prisão preventiva anterior tenha sido decretada”, afirmou. O magistrado destacou ainda que não cabe a juízes de 1ª instância contestar ordens dos tribunais superiores, mas apenas cumpri-las.

Ao saber do caso, o ex-presidente Lula se manteve cético e não acreditou que poderia ser liberado. Ele foi informado por advogados da decisão do ministro. “Não dá para achar que isso de fato vai acontecer. Já vivenciei uma situação como essa e não acredito que vai ser com uma solução simples assim, de ter uma decisão e me deixarem partir”, disse. Ele não foi liberado pela juíza Carolina Lebbos, que preferiu consultar o Ministério Público.

Instabilidade

O racha promovido pela decisão do ministro Marco Aurélio deve produzir efeitos nas próximas pautas, que serão julgadas assim que o Judiciário sair do recesso, em fevereiro. Diego Werneck, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que o ato evidencia uma situação de conflito entre os membros da mais alta Corte do país. “É uma guerra interna em que os ministros utilizam seu cargo para tentar fazer valer seu poder. Ameaças de decisões individuais em relação à prisão antecipada já existiam. Mas o que o ministro Marco Aurélio fez foi muito escancarado. Divide a Corte de uma forma inédita”, destaca.
O jurista destaca que os problemas de entrosamento entre os integrantes do plenário faz com que o presidente do tribunal ganhe uma nova atribuição, a de intervir para evitar crises. “O presidente do STF pode suspender liminares fora do tribunal. Não existe essa competência individual para atuar na conduta exagerada dos ministros. Pode ser que o presidente do tribunal esteja puxando para si esse papel. Vamos ver se isso vai funcionar. É possível que não”, completou.
Na agenda do primeiro semestre de 2019, estão assuntos polêmicos. O presidente Toffoli marcou para 10 de abril a análise das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, que tratam da prisão em segunda instância. O Supremo deve dar, nessa data, uma resposta definitiva para o tema. Outro assunto que promete mexer com a rotina da sociedade é um Recurso Extraordinário que vai provocar discussões sobre a constitucionalidade da criminalização do porte de droga para consumo próprio.

Uma ação, entre as mais polêmicas, está com julgamento marcado para 13 de fevereiro. Os 11 ministros do Supremo devem decidir se tornam a homofobia crime ou não. A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) alega que o Congresso está sendo omisso, por não avançar sobre o tema. A entidade pede que todos os crimes em razão de orientação sexual sejam criminalizados, incluindo ofensa, agressões e homicídios contra homossexuais e transexuais tendo esta motivação como causa