O globo, n. 31211, 19/01/2019. Artigos, p. 3

 

Irredutível anticlímax

Candido Mendes

19/01/2019

 

 

O começo do governo Bolsonaro foge por completo, apesar de seu sucesso eleitoral, a um comando da opinião pública por novas iniciativas que a capturem e respondam à propalada virada de página do sistema. Mais que isso, prenuncia-se uma sucessão de anticlímaxes, em contraste desalentador com o que se pensava fosse a proposta de um governo forte, senão inédito, na força de votos com que saiu das eleições.

E, de saída, pelas idas e vindas na apresentação da reforma da Previdência, dificilmente escapará do fatiamento do projeto, após os primeiros contatos com o novo Congresso. E, à cata de uma mínima liquidez imediata de fundos, decidiu realizá-la por etapas, num confronto diário com o déficit orçamentário.

Ao mesmo tempo, o governo vai frontalmente ao esvaziamento dos partidos, confrontando-os com a nova representação política saída das urnas. O que se depara, a partir de agora, é a acolhida, ou não, pelo Executivo das pretensões dos membros do Congresso, na contabilização precisa, caso a caso, dos apoiadores do novo regime.

O que de logo também emerge é o desmonte das esquerdas tradicionais, não só pela regressão eleitoral do PT, mas pela falta, ainda, de uma plataforma emergente de quem o substitua e, sobretudo, mantenha uma frente ponderável de negociação, ao invés de cair-se num somatório estéril de minipartidos e facções. Desaparece, de saída, a ameaça de uma radicalização oposicionista, tal como esfuma-se um consenso mínimo sobre a defesa da estatização e a mantença básica do setor público na economia da mudança, como a conheceu o país até agora.

É, de todo, uma improvisação, em que se delineia o novo governo, desguarnecido de qualquer passado de fidelidades temáticas, e por inteiro agora no advento do purismo liberal de Paulo Guedes, sem qualquer tradição prévia de acordos para a acomodação de facções. Nem dispomos de uma experiência das direitas no poder no que sejam questões fechadas na sua identidade política.

A perplexidade vai ao dia a dia, e depara a contradição entre o resultado das urnas e a efetiva plataforma do governo que se quer diferente.