O globo, n. 31213, 21/01/2019. País, p. 4

 

Sinal amarelo

Jussara Soares

Vinícius Sassine

Daniel Gullino

21/01/2019

 

 

Agravamento do caso Queiroz preocupa Planalto

A informação de que Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), movimentou R$ 7 milhões entre 2014 e 2017, revelada neste domingo pelo colunista Lauro Jardim, ampliou o temor, no Palácio do Planalto, de que o governo não consiga se blindar da repercussão negativa do caso. Auxiliares do presidente Jair Bolsonaro afirmaram ontem que foram pegos de surpresa e dizem que a extensão do problema ainda é desconhecida.

Oficialmente, todo o primeiro escalão mantém o discurso de que se trata de uma questão particular de Flávio. Entretanto, reservadamente, admitem que o caso abala os primeiros dias de governo. O presidente fazes ta semana sua primeira viagem internacional para participar do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, onde pretende fazer um discurso para se firmar como líder da América Latina. O receio, contudo, é que essa pauta fique em segundo plano diante das novas revelações envolvendo o ex-asses sordes eu filho. Diante da crise, não há previsão que Bolsonaro conceda entrevista coletiva durante a viagem. O presidente optou pela leitura de um comunicado à imprensa.

A movimentação financeira nas contas de Queiroz consta dos arquivos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras(Coaf ). Ele trabalhou no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) até 15 de outubro de 2018. Em dezembro passado, foi revelado que, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, ele movimentou R$ 1,2 milhão. O Coaf registrou que, nos dois anos anteriores, passaram por sua conta R$ 5,8 milhões, totalizando R$ 7 milhões em três anos. Até hoje Queiroz não apresentou explicação ao Ministério Público.

Entre os incomodados com o agravamento da crise está o núcleo militar mais próximo do presidente. A expectativa durante o dia de ontem era por uma explicação convincente por parte de Flávio.

O Planalto estabeleceu uma ordem de silêncio sobre o caso, que se estendeu ao Ministério da Justiça: Sergio Moro, a quem está subordinado o Coaf, submergiu e não comenta as suspeitas.

O general mais próximo a Bolsonaro, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), não quis comentar o caso:

– Isso não é um problema meu. Não vou me meter nesse negócio.

Moro também foi procurado pela reportagem:

— Sem comentários — limitou-se a dizer.

Erros de estratégia

O advogado Paulo Klein, que defende Queiroz , disse ontem desconhecer o volume de recursos que passou pela conta de seu cliente entre 2014 e 2017. Desde julho do ano passado, o ex-assessor de Flávio é alvo de um procedimento investigatório criminal instaurado pelo Ministério Público do Rio devido à movimentação financeira incompatível com sua renda. Chamado a dar explicações em quatro ocasiões, ele não compareceu, alegando impedimento por causa de um câncer.

A defesa de Queiroz afirma que, embora tenha pedido ao MP acesso às informações registradas pelo Coaf, não obteve tais documentos. Segundo Klein, o fato de Queiroz estar se recuperando de uma cirurgia para a retirada de um tumor impossibilitou que cliente e advogado se reunissem e, portanto, que a defesa obtivesse os extratos bancários.

Segundo o advogado, Queiroz está em São Paulo, onde se recupera do procedimento cirúrgico realizado no hospital Albert Einstein. O ex-assessor teve alta em 8 de janeiro.

Procurada, a assessoria de Flávio informou que o senador eleito não ia se pronunciar. Anteontem ele se disse “indignado” e prometeu “rebater os pontos um a um”.

Integrantes do governo avaliam que houve um erro na estratégia da defesa de Flávio, que recorreu ao Supremo Tribunal Federal para paralisar a investigação do Ministério Público do Rio. Ele argumentou que o foro do caso seria o STF, já que ele assumirá o mandato no Senado em 1º de fevereiro. O pedido foi atendido pelo ministro Luiz Fux, em caráter liminar, mas o relator do caso, Marco Aurélio, já indicou que manterá a investigação na primeira instância.

Um relatório do Coaf identificou depósitos de R$ 96 mil, em dinheiro, no intervalo de um mês, na conta de Flávio. Os repasses foram feitos entre junho e julho de 2017 e aconteceram de forma fracionada: 48 parcelas de R$ 2 mil.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Flávio: depósitos são fruto de venda de apartamento

21/01/2019

 

 

Senador eleito afirma que ele próprio fez as 48 transferências de R$ 2 mil, porque era o limite do caixa eletrônico da Alerj

O senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) declarou na noite de ontem que os R$ 96 mil que entraram em sua conta em 48 depósitos fracionados de R$ 2 mil, como mostrou o Jornal Nacional na noite de sexta-feira, são oriundos da venda de um apartamento. A explicação foi dada por ele em entrevista ao programa “Domingo Espetacular”, da TV Record.

—Tentam de uma forma muito baixa insinuar que a origem desse dinheiro tem a ver com um ex-assessor meu ou terceiros. Não tem. Explico mais uma vez. Sou empresário, o que ganho na minha empresa é muito mais do que como deputado. Não vivo só do salário de deputado — afirmou ele, que é dono de uma franquia de café e chocolate em um shopping.

Flávio também falou sobre o pagamento de R$ 1 milhão de um título bancário da Caixa Econômica Federal, saído de sua conta e identificado em novo trecho do relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre suas movimentações financeiras. Ele disse que esta transferência se refere à compra deste mesmo imóvel.

Na sexta-feira passada, o Jornal Nacional divulgou que o Coaf encontrou os 48 depósitos entre os meses de junho e julho de 2017. O relatório não identifica quem fez as operações, mas, segundo o Coaf, o fracionamento pode ter tido a intenção de ocultar a origem dos recursos.

Na entrevista à Record, o atual deputado estadual do Rio disse que recebeu uma quantia pela venda do apartamento em dinheiro. Assim, teria feito depósitos de R$ 2 mil — limite do caixa eletrônico —em sua própria conta. Flávio disse ainda que usou o terminal da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) por ser o local onde ele trabalhava.

O senador eleito afirmou ainda que a demora do seu ex-assessor Fabrício Queiroz em dar explicações o prejudica. Flávio negou ter recorrido à prática de reter parte do salário de funcionários de seu gabinete na Alerj:

— No meu gabinete, não. Se eu soubesse de alguém que estivesse cometendo isso, era o primeiro a denunciar, a mandar prender, porque quem me conhece sabe que não tem sacanagem comigo. Em alguns períodos no meu gabinete cargos ficaram vagos. Se eu tivesse o intuito de ganhar dinheiro com isso, eu não ia deixar cargo vago.

O filho do presidente Jair Bolsonaro passou o domingo em São Paulo. No sábado, horas depois da revelação sobre suas movimentações financeiras, ele passou a manhã reunido com o pai.

A movimentação bancária de Fabrício Queiroz foi identificada pelo Coaf e encaminhada ao Ministério Público do Rio, por ter sido considerada incompatível com seus rendimentos. O MP apura eventual lavagem de dinheiro por parte do ex-assessor. Na quinta-feira, o ministro Luiz Fux, do STF, suspendeu a investigação a pedido de Flávio. Caberá ao ministro Marco Aurélio, relator do caso, decidir sobre a instância que ficará com a investigação.