O globo, n. 31210, 18/01/2019. País, p. 4

 

O foro do filho

Juliana Dal Piva

Bruno Abbud

Carolina Brígido

18/01/2019

 

 

Fux suspende investigação sobre ex-assessor a pedido de Flávio Bolsonaro;

O Palácio do Planalto informou que não vai comentar a decisão do Supremo

O deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) obteve uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender as investigações sobre as movimentações atípicas envolvendo Fabrício Queiroz , ex-assessor de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio.

O filho do presidente Jair Bolsonaro fez uma reclamação à Corte argumentando que o foro do caso seria o STF já que ele assumirá o mandato no Senado. Além disso, Flávio acusou o Ministério Público do Rio de “quebrar seu sigilo fiscal e bancário sem mandado judicial”.

Ministro de plantão durante o recesso do Judiciário, Luiz Fux decidiu pela suspensão da investigação por entender que cabe ao relator sorteado no STF, ministro Marco Aurélio Mello, decidir em que foro o caso deve prosseguir.

A partir de fevereiro, Flávio passa a ter foro privilegiado no STF, mas a Corte terá de analisar o destino da investigação de acordo com a nova regra decidida no ano passado de que só ficam no Supremo casos que aconteceram durante o mandato e em razão da função parlamentar. Na semana passada, o senador eleito foi convocado para prestar depoimento no MP, mas faltou dizendo que iria marcar nova data após ter acesso aos autos da investigação.

Na decisão do STF, Fux descreveu as acusações do senador de que o procedimento do MP sobre o caso tinha irregularidades. Segundo a liminar do STF, a defesa de Flávio protestou sobre o fato do MP do Rio ter solicitado ao Conselho do Controle de Atividades Financeiras (Coaf), em 14 de dezembro, informações de dados sigilosos seus, “abrangendo o período de abril de 2007 até a data da implementação da diligência, a pretexto de instruir referido procedimento investigativo”.

Ao STF, o senador eleito também reclamou que o MP do Rio teria solicitado informações ao Coaf “abrangendo período posterior à confirmação de sua eleição para o cargo de senador da República, sem submissão a controle jurisdicional”.

Ao STF, a defesa de Flávio sustenta ainda que a própria abertura da investigação foi feita de modo ilegal porque o MP do Rio teria tido acesso aos dados do Coaf de modo irregular. “O procedimento investigatório é baseado em informações obtidas de forma ilegal pelo D. MPE/RJ junto ao COAF — informações essas que estão (ou deveriam estar) protegidas pelo sigilo constitucional fiscal e bancário”, descreve a petição. Assim, a defesa solicitou a anulação das provas obtidas até agora.

Em nota à imprensa, Flávio Bolsonaro disse que, ao consultar os autos, viu que era investigado desde a abertura do procedimento. O procedimento estava sendo conduzido de modo ilegal. “Constatou-se também ter havido a quebra dos sigilos fiscal e bancário do Sr. Flávio Bolsonaro sem prévia autorização judicial, em afronta aos mais básicos ditames constitucionais”.

Ao tomar conhecimento da decisão, o MP do Rio negou que Flávio fosse investigado e disse que aguardará o pronunciamento do relator, o ministro Marco Aurélio Mello. O MP disse que não iria comentar as acusações do senador. Queiroz foi convocado quatro vezes para depor no MP e alegou problemas de saúde para não comparecer. Intimadas, a mulher e duas filhas dele também não apareceram.

Em dezembro, o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, emitiu uma nota de esclarecimento informando que os casos permaneceriam no Rio de Janeiro mesmo depois da posse de deputados que iriam atuar na esfera federal.

Procurado, o Palácio do Planalto informou que não iria comentar o caso.

O recesso no STF termina no dia 31. No momento, o tribunal está fechado e quem emite decisões urgentes é o presidente da Corte. Desde quarta-feira, a presidência é exercida por Fux, vice-presidente do STF, que concedeu a liminar. Tradicionalmente, segundo informou o STF, a presidência é ocupada durante o recesso tanto pelo presidente como pelo vice.

Ao G1, Marco Aurélio disse que só analisaria o caso após as suas férias.

Empréstimo

De acordo com o Coaf, foi registrada movimentação financeira de R$ 1,2 milhão, considerada atípica, na conta de Queiroz. O ex-assessor recebeu sistematicamente em suas contas bancárias transferências e depósitos feitos por oito funcionários que foram ou estão lotados no gabinete parlamentar de Flávio na Alerj. Uma suspeita é que o caso constitua desvio de salários dos assessores, mas até agora não há provas que envolvam Flávio em irregularidade.

Entre as movimentações atípicas registradas pelo Coaf, há também a compensação de seis cheques de R$ 4 mil cada, que somam R$ 24 mil, pagos à primeira-dama, Michelle Bolsonaro, além de saques fracionados em espécie. O presidente afirma que o cheque é parte do pagamento de uma dívida de R$ 40 mil.

Em entrevista ao SBT, Queiroz disse que o valor em dinheiro que movimentou em sua conta é fruto da compra e venda de veículos usados e que um câncer o impossibilitou de prestar depoimento. Ele não explicou por que recebeu tantos depósitos de assessores de Flávio em sua conta e nem a origem do dinheiro. Limitou-se a dizer que vai esclarecer o assunto para o MP.

Cronologia do caso

6/12 - Relação de confiança

Relatório do Coaf aponta movimentação atípica de R$ 1,2 milhão em uma conta de Fabrício Queiroz. Flávio Bolsonaro diz ao Estadão que não sabia “nada sobre o assunto”, que Queiroz trabalhou por mais de dez anos como seu segurança e motorista, e que “construiu uma relação de amizade e confiança” com ele.

7/12 - ‘História plausível’

Flávio disse ter cobrado respostas do ex-assessor: “Hoje, o Fabrício Queiroz conversou comigo, fui cobrar esclarecimentos dele sobre o que estava acontecendo. A gente não tem nada a esconder de ninguém. Ele me relatou uma história bastante plausível, me garantiu que não haveria nenhuma ilegalidade nas suas movimentações”.

7/12 - Cheque foi empréstimo

O presidente Jair Bolsonaro diz, antes de tomar posse, que os R$ 24 mil pagos em cheques pelo ex-assessor à primeira-dama Michelle Bolsonaro referem-se à quitação de uma dívida pessoal : “Emprestei dinheiro para ele em outras oportunidades. Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou”.

8/12 - Depósitos de oito funcionários

Relatório do Coaf apontou que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro recebeu depósitos em espécie e por meio de transferências de oito funcionários que já foram ou estão lotados no gabinete do parlamenta .

11/12 - Depósitos nas datas de pagamento da Alerj

A maior parte dos depósitos em espécie na conta de Fabrício de Queiroz coincidem com as datas de pagamento na Assembleia Legislativa do Rio, segundo o Jornal Nacional. Nove funcionários do gabinete do filho do presidente eleito repassaram dinheiro.

11/12 - Casa simples

Queiroz mora em uma casa simples, na Taquara, Zona Oeste do Rio, segundo revelou reportagem do GLOBO.

12/12 - ‘Dói no coração’

Jair Bolsonaro disse estar disposto “a pagar a conta” caso a investigação aponte irregularidade Ele afirmou disse ainda que o caso “dói no coração ”.

26/12 - ‘Sou um cara de negócios’

Na primeira aparição pública, Queiroz afirmou ao SBT que suas transações financeiras são fruto da compra e venda de veículos usados, mas disse que preferia falar ao MP sobre os depósitos. Ele procurou eximir de responsabilidade Jair Bolsonaro e o filho.

7/01 - Flávio não responde

Apesar de ter afirmado que estaria “à disposição das autoridades”. Flávio não respondeu ao convite do Ministério Público do Rio para prestar depoimento.

17/01 - Fux suspende

Uma liminar do Supremo Tribunal Federal, concedida a pedido de Flávio Bolsonaro, suspendeu as investigações A decisão foi do ministro Luiz Fux.

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Coordenador da Lava-Jato e até Janaina Paschoal criticam decisão

18/01/2019

 

 

Em resposta, eles dizem que a regra do foro não pode ser usada nesse caso; para Deltan Dallagnol, ‘é de se esperar que o Marco Aurélio reverta a liminar’

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux de suspender as investigações sobre o ex-assessor do senador eleito pelo Rio Flávio Bolsonaro (PSL) provocaram reações na Lava-Jato e até entre aliados do governo do presidente Jair Bolsonaro.

O procurador da República Deltan Dallagnol criticou a decisão. Para o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba “não há como concordar com a decisão”, tomada a pedido da defesa de Flávio Bolsonaro.

Nas redes sociais, Dallagnol afirmou ainda esperar que o relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, reverta a decisão tomada por Fux, enquanto vice-presidente da corte, durante o recesso do Judiciário.

“Com todo o respeito ao Min. Fux, não há como concordar com a decisão, que contraria o precedente do próprio STF. Tratando-se de fato prévio ao mandato, não há foro privilegiado perante o STF. É de se esperar que o Min. Marco Aurélio reverta a liminar”, escreveu.

Kim: "cheira muito mal"

A deputada estadual eleita por São Paulo, Janaina Paschoal (PSL), também criticou a decisão do ministro Fux: “Respeitosamente, entendo que a decisão do Ministro Fux está equivocada. O precedente que tratou da prerrogativa de foro realmente foi no sentido de que os casos devem ser analisados em concreto; entretanto, os fatos devem ser posteriores ao início do mandato. Não é o caso!”, escreveu na internet a advogada, que foi cotada para ser candidata a vice na chapa de Bolsonaro.

Para o deputado federal eleito pelo DEM de São Paulo, Kim Kataguiri, do Movimento Brasil Livre (MBL), o pedido de Flávio "cheira muito mal". A ação para ser investigado com foro privilegiado, segundo o deputado, é “no mínimo suspeito”.

Sempre ativos nas redes sociais, os três filhos políticos do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo, Carlos e Flávio, silenciaram ontem sobre o caso. Até as 21h de ontem, nenhum deles comentou o principal assunto político do dia no Twitter nem no Facebook.

“Respeitosamente, entendo que a decisão do Ministro Fux está equivocada”

Janaina Paschoal, deputada estadual eleita por São Paulo que já foi cotada para ser vice na chapa de Bolsonaro em 2018