O globo, n. 31210, 18/01/2019. Economia, p. 16

 

Bônus para mães não reduziria desigualdades

Daiane Costa

Cássia Almeida

18/01/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Para especialistas, adicional de um ano para cada filho, estudado pelo governo como parte da reforma da Previdência, não compensaria dupla jornada e defasagens enfrentadas por todas as mulheres

A proposta para a reforma da Previdência, em estudo pelo governo, de permitir que mulheres com filhos se aposentem mais cedo não terá efeito para reduzir a desigualdade de gênero, avaliam especialistas, mesmo aqueles que concordam com a medida. Segundo analistas, a antecipação da aposentadoria em um ano para cada filho, limitado a três, não compensa a dupla jornada enfrentada também pelas mulheres que não têm filhos nem a defasagem de contribuição previdenciária que elas sofrem por estarem em ocupações mais precárias, ganharem em média 25% menos que os homens e serem mais atingidas pelo desemprego —a taxa deles é de 10,5% e a delas,13,6%.

— É injusto com as mulheres que não têm filhos, porque sobre elas também recaem os afazeres domésticos e o cuidado com os idosos da família. Na Europa, essa discussão

é a ordem do dia, porque o envelhecimento da população está pesando sobre as mulheres — diz Lucilene Morandi, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Economia da UFF, que concordaria com o benefício se fosse um adicional a uma idade mínima menor para toda a população feminina.

Lena Lavinas, professora da UFRJ, diz que a medida não tem efeito reparador porque a taxa de fecundidade das mulheres vem caindo desde o final dos anos 1960 no país. Na década de 1950, a média era de seis filhos, hoje é de 1,7:

— A taxa de fecundidade despencou. Qual o crédito de aposentadoria que ela vai conseguir? Um ano, dois no máximo. Eles acham que as mulheres vão ter mais filhos? Claro que não. Essa conta não se sustenta.

Lena, que defende idade menor de aposentadoria para mulheres devido às desigualdades no mercado de trabalho e na divisão das tarefas domésticas, diz que a política de dar bônus às mães existe em países como Chile, Noruega, Suíça e Suécia, mas acoplada a outras medidas, como complementação da contribuição.

— Copiar modelos de países desenvolvidos requer ter a mesma política pública que eles, com crédito de aposentadoria para quem cuida de idosos e familiares ou vive um desemprego mais longo, por exemplo.

Hélio Zylberstajn, economista da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e professor da USP, é contrário à proposta de dar um adicional às mães. Ele diz que esse benefício desequilibra o sistema, porque as mulheres vivem mais do que os homens. Logo, seria privilegiado o grupo que tende a contribuir por menos tempo e receber o benefício por mais anos. A expectativa de vida deles é de 72 anos e a delas, de 79 anos.

— Temos de caminhar para uma igualdade total, entre gêneros e classes. Conceder um benefício a um grupo dá brecha para que outros, como militares e servidores, também queiram diferenciação.

Mães têm benefícios menor

Para a economista Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a desigualdade de gênero deve ser resolvida na origem, no mercado de trabalho. Ela defende idades iguais de aposentadoria para homens e mulheres, mas concorda com o bônus às mães pela questão biológica:

—A maternidade gera um custo de oportunidade que é maior para a mulher, mesmo com a licença compartilhada (quando também é estendida ao pai). É a mulher que tem filho, amamenta. Tem um custo na carreira profissional. É uma questão biológica. Isso justifica ter uma compensação. Não pela dupla jornada. Assim, se dá o incentivo errado. Tem que atacar a origem, a inserção no mercado de trabalho.

Estudo da economista mostra que a mulher que tem filhos recebe uma aposentadoria menor do que a que não tem. O benefício da que tem filhos é, em média, de R$ 1.229,79, enquanto o da que não tem, de R$ 1.602,20.

Mesmo com essas diferenças, Alessandra Louback, de 40 anos, defende a mesma idade mínima para aposentadoria. Mãe de dois filhos, ela trabalha desde os 20 e tem dois empregos:

—Temos que rever o sistema previdenciário. Debater. Hoje passamos mais tempo produzindo, até as pessoas mais velhas. Eu e meu marido contribuímos da mesma forma na criação dos nossos filhos.

Joana Ferreira, de 30, é gerente de atendimento de uma empresa de comunicação, mora com o companheiro, não tem filhos, e também acha que as regras devem ser iguais:

—Em casa, dividimos todas as tarefas. Estabelecer que mulheres com filhos devem se aposentar antes reforça a ideia de que a responsabilidade com o filho é só da mulher.

Luis Eduardo Afonso, economista da USP, é contrário ao estabelecimento de idades diferenciadas por gênero. No entanto, considera admissível, do ponto de vista social, o adicional para mães:

— Quando a mulher se afasta do mercado para criar os filhos, tem dificuldades de se reinserir no mercado e, quando consegue, a renda pode ser mais baixa. Se vivêssemos em um país com creche em tempo integral para os filhos das mulheres de baixa renda, que são maioria, poderíamos corrigir essa sobrecarga de outra forma, que não pela Previdência.

Para Afonso, a nova regra, se incluída na reforma, tem pontos a serem acertados:

— E os filhos adotados, os viúvos com filhos, os pais solteiros e os casais homoafetivos? Tudo isso precisará ser discutido.