O globo, n. 31210, 18/01/2019. Mundo, p. 20 e 21

 

Entrevista - Juan Guaidó: 'Governo Bolsonaro tem nos dado apoio muito sólido'

Juana Guaidó

Janaína Figueiredo

18/01/2019

 

 

Esperança da oposição venezuelana, deputado reafirma necessidade de instalar governo de transição no país, e destaca ajuda internacional: “O mundo está nos ouvindo”

Nas últimas semanas, o nome de Juan Guaidó, novo presidente da Assembleia Nacional (AN) da Venezuela não reconhecida pelo governo de Nicolás Maduro, tornou-se onipresente na política nacional e em discussões regionais sobre a crise que assola o país. Guaidó, de apenas 35 anos, é visto hoje como a grande esperança da oposição em momentos de relançamento de sua luta para tirar Maduro do poder. Em tempo recorde, o jovem dirigente conseguiu respaldos decisivos, dentro e fora da Venezuela, a favor de sua cruzada para instalar um governo de transição que convoque novas eleições presidenciais. No último fim de semana, confirmou o presidente da AN em entrevista exclusiva ao GLOBO, o deputado Eduardo Bolsonaro lhe telefonou para expressar “um apoio contundente” e, também, sua solidariedade pela tentativa de detenção por parte de agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin). Desde então, ampliou, “está sendo coordenado um contato direto com o Executivo brasileiro”. O governo Bolsonaro, assegurou Guaidó, “vem nos apoiando desde antes da posse do presidente e hoje ocupa um papel central na região em relação à Venezuela”. Ontem, o presidente da AN acompanhou de perto os encontros do chefe de Estado e do chanceler Ernesto Araújo com dirigentes opositores, como o presidente do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) no exílio, Miguel Ángel Martín, e o enviado especial da OEA, Gustavo Cinosi, em Brasília.

Ontem, o presidente Bolsonaro e o chanceler Araújo receberam lideranças opositoras em Brasília. Qual é a importância destas articulações para a oposição venezuelana?

O respaldo internacional é fundamental para nossa luta democrática e nos ajudou muito nos últimos anos. Em 2015, recuperamos a maioria parlamentar, e isso deu impulso a uma onda de protestos contra o governo. Hoje, a AN tem um reconhecimento mundial e ganhou esse reconhecimento por sua permanente defesa da Constituição. Consideramos muito importante o apoio dos presidentes Bolsonaro, Macri (Argentina), Duque (Colômbia), dos Estados Unidos, do Paraguai, Chile e Peru, entre outros. Isso ajuda a estimular nosso povo, nos dá ânimo e nos mostra que vale a pena a luta que estamos encarando. O mundo está nos ouvindo e, apesar de todas as tentativas, não estão conseguindo nos silenciar.

No caso do Brasil, que contatos o senhor teve desde que assumiu como presidente do Parlamento?

No fim de semana passado recebi um telefonema do deputado Eduardo Bolsonaro, e estamos coordenando uma ligação com o Executivo do Brasil.

Qual foi a mensagem do deputado Bolsonaro?

Foi uma mensagem de respaldo contundente à nossa causa, um respaldo pleno ao que estamos fazendo para recuperar nossa democracia. Também a confirmação de que não será reconhecido o governo de Maduro, o que para nós é muito importante. Foi uma conversa amável, muito cálida.

Qual é o papel do Brasil na articulação regional que está surgindo em relação à Venezuela?

Um papel central. Historicamente, somos países aliados, sempre fomos. Claro que em nossa História recente essa aliança foi desastrosa. A parceria entre (o então presidente Hugo) Chávez e Lula levou a escândalos como o da Odebrecht, obras paralisadas, corrupção, enfim, todos já sabemos de tudo isso. Mas nossa relação precisa evoluir em matéria de cooperação e luta pela democracia. O governo Bolsonaro tem nos dado um apoio muito sólido, mesmo antes da posse. Sua chegada ao poder foi uma boa notícia, num marco de respeito pela democracia e direitos humanos fundamentais.

O senhor fala em governo de transição... como se chegaria a esse cenário?

Estamos discutindo uma lei para construir esse processo, que será inédito na Venezuela e deve envolver vários setores. Temos de caminhar para um governo de união nacional, que surgirá de eleições livres e democráticas.

Quem designará esse eventual governo de transição?

Tudo surgirá dessa lei que estamos discutindo. Repito, é uma construção. Precisamos envolver as Forças Armadas, o TSJ no exílio, a diáspora venezuelana, todos.

O senhor seria o presidente de transição?

Isso dependerá de consultas com todos os setores. Volto a dizer, é algo inédito. Algo que não se decreta, se constrói. Hoje sou presidente de uma AN que tem faculdades claras. Temos uma situação de usurpação do poder, existe um consenso mundial em relaçãoa isso. EaANéaún ica instituição legítima da Venezuela, que vive uma ditadura.

Como o senhor pretende conseguir respaldo dentro das Forças Armadas?

Estamos trabalhando nisso. Aprovamos uma anistia para militares e estamos falando com muita clareza. Sinto que ressurgiu um ambiente de otimismo entre todos os venezuelanos, inclusive os militares.

O senhor dialoga com militares?

(silêncio) Sou neto de dois militares, minha família vem do mundo militar.

Isso é um “sim”?

(o presidente da AN apenas sorriu).

Um eventual governo de transição estaria em Caracas ou no exílio?

Nossa luta é aqui. Estamos exercendo nossas faculdades aqui. Mas claro que contamos com o apoio de todos os que estão no exílio forçado.

Quais são os prazos que o senhor vê hoje para este processo?

Dependerá de nossas capacidades, mas acho que tudo pode ser muito rápido.

O senhor vem dizendo que o dia 23 de janeiro (quando os venezuelanos lembram a derrubada da ditadura de Marcos Pérez Jiménez em 1958) será um dia D para a Venezuela…

E será. Vamos voltar a unir os venezuelanos e vamos pra rua.

Não teme uma nova onda de repressão, como ocorreu em 2017?

Veja bem, tenho cicatrizes de disparos de balas de borracha no pescoço e nas costas. Fui ferido em 2017, como muitos outros venezuelanos. Nosso temor não é voltar a sermos reprimidos. Nosso temor é continuar vivendo esta tragédia.

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Brasil acusa Maduro de narcotráfico e terrorismo

Eliane Oliveira

Janaína Figueiredo

18/01/2019

 

 

Em dura nota após reunião de autoridades brasileiras com líderes opositores venezuelanos, Itamaraty condena regime chavista e dá sinais de que apoiará governo de transição liderado pelo presidente da Assembleia Nacional

Em uma linguagem inédita na diplomacia brasileira, o Itamaraty acusou o governo de Nicolás Maduro de terrorismo, narcotráfico, corrupção e lavagem de dinheiro em nota divulgada na noite de ontem, depois de mais de 11 horas de reuniões com dirigentes da oposição venezuela na que vieram ao país articula ruma transição ao regime chavista. Na nota, o Brasil deu sinais de que apoiará um eventual governo de transição na Venezuela presidido por Juan Guaidó, atual dirigente da Assembleia Nacional (AN) daquele país.

“O sistema chefiado por Nicolás Maduro constituiu um mecanismo de crime organizado. Está baseado na corrupção generalizada, no narcotráfico, no tráfico de pessoas, na lavagem de dinheiro e no terrorismo”, diz um trecho do comunicado.

Até recentemente, o Brasil só chamava de terrorista grupos assim classificados pela ONU, como a al-Qaeda.

"Genocídio silencioso"

Durante o encontro —que teve a participação de representantes do Grupo de Lima (bloco composto por 14 países do continente) e representantes do governo americano — os líderes das principais forças políticas da Venezuela enfatizaram que Maduro está à frente de um “genocídio silencioso contra seu próprio povo”.Estavam presentes o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma, o ex-presidente da AN Julio Borges, o número 2 do Vontade Popular, Carlos Vecchio, e o presidente do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) no exílio, Miguel Ángel Martín.

A reunião foi cercada de sigilo e os participantes tiveram de deixar seus celulares do lado de fora. No início da tarde,o chanceler Ernesto Araújo interrompeu as discussões e levou Gustavo Cinosi, assessor da secretaria-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), e o magistrado Miguel Ángel Martín para uma conversa com o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto. Em seguida, voltaram ao Itamaraty para novos debates.

Num vídeo divulgado mais tarde, Bolsonaro, em declaração dirigida ao povo venezuelano, afirmou que a solução para a crise no país vizinho “virá brevemente” e garantiu que o Brasil se empenhará para o restabelecimento da democracia.

Na mensagem gravada durante a visita dos opositores, o presidente disse que o atual “desgoverno chegou ao poder” com a ajuda dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT.

— Tudo nós faremos para que a democracia seja restabelecida, que vocês possam viver em liberdade. Nós nos sentimos de uma maneira bastante constrangida, porque se vocês tiverem essa liberdade, nós aqui também nos sentiremos da mesma maneira —disse Bolsonaro.

Uma das principais demandas da oposição venezuelana ao Brasil, ao Grupo de Lima e aos EUA foi o reconhecimento da provável e esperada designação de Guaidó, como “presidente de transição”.

— Saímos das reuniões com a sensação de que nosso pedido será atendido — comentou Ledezma.

Mais sanções em análise

Os opositores ao regime de Maduro também pediram que os países do Grupo de Lima adotem logo as sanções aprovadas no último dia 4 de janeiro, para estrangular financeiramente a administração de Maduro. Entre as medidas estariam o bloqueio de ativos e a não concessão de empréstimos a autoridades. Nessa parte teve importante participação o enviado do governo Donald Trump, o subsecretário

do Tesouro americano, Marshall Billingslea, cuja presença foi confirmada ao GLOBO por Ledezma. Segundo o ex-prefeito de Caracas, o funcionário se envolveu em discussões “sobre novas sanções econômicas que serão aplicadas ao governo Maduro”.

— Obtivemos o compromisso de que essas novas sanções serão implementadas, sempre respeitando as leis e tratados vigentes em cada um dos países — assegurou Ledezma, que hoje continuará em Brasília.

O ex-presidente da Assembleia Nacional Julio Borges disse que não existe a intenção de pedir intervenção militar aos países do Grupo de Lima.

Ele ressaltou que a ideia é forçar a saída de Maduro.

— Pedimos ao presidente Bolsonaro para pressionar e castigar Maduro, que é um presidente que já caiu, que está derrotado e sem legitimidade —afirmou Borges.

Segundo uma fonte próxima ao governo, a estratégia discutida é derrubar Maduro “de forma rápida e rasteira”.

Além de Ledezma, também permanecerá em Brasília o presidente do TSJ no exílio, Miguel Ángel Martín. Ambos terão novas reuniões, entre elas com o ministro da Justiça, Sergio Moro. Os outros dois opositores, Julio Borges e Carlos Vecchio já partiram.

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Liderança brasileira é vista com bons olhos pelos EUA

Henrique Gomes Batista

18/01/2019

 

 

Para analistas, posição de Brasília no combate ao regime de Nicolás Maduro deve aproximar governos de Bolsonaro e Trump

A liderança do Brasil na tratativa para construir uma saída para o caos venezuelano é bem vista pelos EUA. O tema é prioritário para os americanos e esteve presente em todas as comunicações de funcionários de Washington com o novo governo em Brasília. Eventuais progressos podem se tornar um poderoso cartão de visitas, capaz de sacramentar de vez uma aproximação ideológica entre Brasília e Washington que já ficou explícita em discursos, facilitando novas parcerias e acordos, segundo analistas.

Logo após a vitória de Jair Bolsonaro, altos funcionários do Departamento de Estado não escondiam que contavam com um novo aliado fiel na América do Sul contra Nicolás Maduro, e também contra Cuba e a Nicarágua. Bolsonaro está entregando o que prometeu, embora, claro, não possa sozinho ter o crédito por uma eventual saída do caos em Caracas — que segue distante. Fontes diplomáticas lembram

que a iniciativa brasileira pode dar mais tempo para que os EUA evitem usar sua grande arma contra Caracas, que segue guardada: o embargo ao petróleo venezuelano.

—Não há dúvidas de que essa nova liderança do governo brasileiro em temas da Venezuela será bem vista nos EUA, pois essa é a prioridade americana para a região. Resta saber o que o Brasil fará desta proximidade entre Brasília e Washington. Até agora não está claro qual é a estratégia do novo governo — afirmou Michael Shifter, presidente do Inter-American

Dialogue, centro de estudos de Washington.

Assim, houve um aumento da pressão sobre Maduro sem que os EUA precisassem assumir o protagonismo, e suplementando a saída do México do grupo de pressão sobre a Venezuela —a postura de não interferência do novo governo de Andrés Manuel López Obrador foi o maior baque sofrido pela tentativa de aumentar pressão sobre Maduro — com folga, segundo interlocutores em Washington.

Avanços podem fazer bem aos dois países. Para o governo Bolsonaro, seria uma maneira de emplacar uma nova postura, distanciando de vez sua administração das anteriores petistas, condescendentes com o regime de Maduro. Para Donald Trump, qualquer avanço na Venezuela seria uma agenda positiva num momento em que está mergulhado em problemas de paralisação de governo, muro na fronteira e investigações múltiplas.

Mas o mais interessante seria uma real convergência dos dois governos num tema internacional. Qualquer avanço obtido será vendido como uma vitória de Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo, e pode fazer com que se conquiste ainda mais boa vontade dos EUA. O que tem sido dito e feito em Brasília, como na recente reunião com opositores venezuelanos, soa como música para a Casa Branca:

—Na etapa que se inicia este ano para a política externa brasileira, seremos ainda mais enfáticos na defesa do que consideramos necessário para o desenvolvimento integral, a segurança e os direitos humanos. Intensificaremos, sobretudo, nossa atuação na defesa da democracia e do Estado de direito no Hemisfério — afirmou o embaixador do Brasil na OEA, Fernando Simas, no dia em que a entidade decidiu não reconhecer o novo mandato de Maduro.