O Estado de São Paulo, n. 20287, 06/12/2018. Economia, p. 6

 

Pobreza atinge um em cada quatro brasileiros

Ingrid Soares e Andressa Paulino

06/12/2018

 

 

 Recorte capturado

CONJUNTURA » Estudo do IBGE mostra que de 2016 para 2017 cresceu para 54,8 milhões no número de pessoas que vivem com menos de R$ 406 mensais. Norte e Nordeste têm o maior percentual de pobres na população. DF é a unidade da Federação mais desigual

A grave crise que se iniciou no governo Dilma e, até agora, ainda não foi totalmente superada, levou ao aumento da pobreza no país . Levantamento feito pela Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que um em cada quatro brasileiros está abaixo da linha da pobreza. Entre 2016 e 2017, o número de pessoas vivendo com rendimento familar, por pessoa, de até R$ 406 por mês, no Brasil, saltou de 52,8 milhões para 54,8 milhões. Houve aumento também no contingente que vive em extrema pobreza, com menos de R$ 7 por dia, que atingiu 15,2 milhões de pessoas.

As regiões Nordeste e Norte concentravam os maiores percentuais da população em situação de pobreza, 44,8% (25,5 milhões) e 43,1% (7,5 milhões), respectivamente. Nos três estados do Sul, 12,8% da população — quase 30 milhões — estavam nessa situação em 2017. O Sudeste tinha 15,1 milhões de pessoas (17,4%) vivendo com menos de R$ 406; e o Centro-Oeste, 2,6 milhões (16,9%).

O Maranhão apresentou a maior proporção de pobres do país. A pobreza atingia mais da metade da população, 54,1%, no ano passado. Em Alagoas, chegava perto: 48,9%. As capitais Porto Velho e Cuiabá foram as únicas onde o percentual de pessoas em situação de pobreza superava os índices estaduais. Em Porto Velho era de 27% ante 26,1% de Rondônia; e em Cuiabá, de 19,2% contra 17,1% de Mato Grosso.

Em 2017, segundo o Índice de Palma citado na pesquisa, o Distrito Federal foi a unidade da federação mais desigual, onde os 40% das pessoas com os menores rendimentos acumularam 8,4% da massa e os 10%  com os maiores rendimentos detinham 46,5%. A razão entre esses dois valores chegou a 5,57 no DF, e superou as outras 26 unidades da Federação.

Nascido em Brasília, o profissional de reciclagem, Ailton Souza Pereira, 51 anos, conta que em um bom momento, trabalhava com restauração de móveis. Com a crise, precisou mudar de atividade e, hoje, passa dificuldades. “É instável. A gente nunca sabe quanto vai ganhar. Tem meses que eu consigo tirar R$ 1 mil; em outros períodos, só tiro R$ 400”, contou.

Morador do Sol Nascente, ele explica que o lucro com o trabalho dá para comprar apenas o necessário para dentro de casa. “Moramos eu, minha esposa e dois filhos. Só eu trabalho aqui em casa. Então, não posso dizer que dá para viver bem, porque a gente consegue apenas sobreviver. Apesar de faltarem algumas coisas, arroz, feijão, água, luz e gás sempre dá para ter em casa. Mas carne e outras misturas, com frequência não têm”, acrescentou.

O analista de pesquisas do IBGE, Leonardo Athias, afirmou que a degradação do mercado de trabalho e o aumento da taxa de desocupação são fatores que contribuíram para a realidade de carência e privação. “O PIB cresceu, mas foi puxado pelo agronegócio. O corte de programas sociais, em 2017, também foi responsável por atingir ainda mais a população. Quem era pobre ficou ainda mais pobre. A linha de corte da pobreza também aumentou”.

Athias ressalta que políticas voltadas para o mercado de trabalho ou ainda a aceleração em programas de transferência de renda podem ajudar a solucionar a questão. “Para erradicar a pobreza, seria necessário investir R$ 10,2 bilhões por mês na economia, ou garantir R$ 187 a mais, por mês, a cada pessoa nessa situação. Aumentar a formalização do trabalho também auxiliará as pessoas a saírem dessa situação”, avalia.

 

Melhora no país

Para o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marcelo Neri, o cálculo de R$ 10,2 bilhões mensais para tirar o país da pobreza é muito alto, e não se encaixa na situação fiscal do país atualmente. “Assumir que as pessoas que recebem R$ 406 estão na linha da pobreza e querer solucionar a situação por meio de políticas sociais é suicídio econômico e só vai causar um desequilíbrio fiscal”, explica.

Ele defende a melhoria da condição do país e para que o mercado de trabalho seja mais inclusivo. Na opinião de Neri, é necessário reformular o cálculo que caracteriza a população pobre no país. “Acredito que, atualmente, a nossa linha da pobreza deveria ser caracterizada por pessoas que recebem por mês em torno de R$ 224. Dessa forma, o custo de programas sociais cairiam em um quarto. Como estamos hoje, não dá para abranger ações sociais para os que ganham R$ 406 por mês.”

O economista observa que se o Brasil tiver crescimento médio de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), a taxa de pobreza só voltará ao patamar de 2014, em 2030. “É importante que o país volte a crescer. Evitar que a pobreza piore se confunde com a agenda macroeconômica de ajuste fiscal e ganho de produtividade”, ressaltou.