O Estado de São Paulo, n. 20288, 07/12/2018. Política, p. 2

 

Uma conservadora, mas nem tanto...

Rodolfo Costa e Hamilton Ferrari

07/12/2018

 

 

GOVERNO EM TRANSIÇÃO » Advogada e pastora, Damares Alves assume ministério que cuidará também das mulheres, dos índios e da família. Escolha de Bolsonaro confirma isolamento de Magno Malta. Futura ministra promete conversar com todos os movimentos da área

 

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), confirmou ontem a advogada e pastora Damares Alves como a futura ministra dos Direitos Humanos. O nome completo da pasta, entretanto, será mais pomposo: Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Com ela, são 21 ministros anunciados até o momento. A decisão sacramenta a separação do governo de transição com o senador Magno Malta (PR-ES) e define a pasta como a estrutura que abarcará a Fundação Nacional do Índio (Funai), uma derrota para os indígenas (Leia matéria abaixo). A definição do ministro do Meio Ambiente, no entanto, segue pendente. “O presidente continua reflexionando”, justificou o futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM).

A opção pela ministra indicada é coerente em relação ao pensamento de Bolsonaro, que desejava para a pasta dos Direitos Humanos alguém conservador, apesar de, em algumas partes do discurso feito ontem, posições em defesa de minoria aparecerem. Sem papas na língua, Damares se posicionou contra o aborto e se comprometeu a proteger o direito à vida, seja de mulheres, índios, idosos ou crianças. “A mulher aborta acreditando que está ‘desengravidando’. O aborto não ‘desengravida’ nenhuma mulher. Se a gravidez é um problema que dura só nove meses, eu digo que o aborto caminha a vida inteira com a mulher”, sustentou.

A mulher, aliás, esteve muito presente no discurso de Damares. Ela prometeu, por exemplo, brigar pela igualdade salarial. “Nenhum homem vai ganhar mais do que mulher nesta nação, desenvolvendo a mesma função. Isso já é lei e o Ministério Público está aí para fiscalizar”, apontou. Sobre a pauta LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros), Damares garantiu ter uma relação muito boa com os movimentos. “Eu tenho entendido que dá para ter um governo de paz entre movimento conservador, movimento LGBT e demais movimentos. Vamos sentar com todas as associações, movimentos e toda a representatividade”, assegurou. E se empolgou na defesa da pauta: “Se precisar, estarei nas ruas com as travestis. Se precisar, estarei na porta das escolas com as crianças que são discriminadas por sua orientação sexual”, prometeu. Em entrevista ao jornal O Globo, ela afirmou que é preciso inserir transexuais no mercado de trabalho e que o casamento homoafetivo é um direito adquirido.

Damares também tem vivência na relação com indígenas, ainda que para o desagrado de algumas etnias mais conservadoras, que, por algum tipo de tradição, sacrificam crianças que nascem com alguma deficiência física ou mental. Ela, inclusive, adotou uma criança indígena deficiente que seria abandonada. “Comecei um diálogo com os povos que acabou se prolongando de tal forma que estou há 15, 16 anos cuidando de crianças indígenas no Brasil”, declarou. A Funai, agora, vai para a estrutura do Ministério dos Direitos Humanos.

O nome da ministra indicada confirma também um nítido desprestígio de Malta com o governo. Durante as eleições, ele foi um dos coordenadores da campanha de Bolsonaro. Porém, foi isolado por aliados que o consideram “tóxico”. O presidente da bancada evangélica, deputado Takayama (PSC-PR), minimiza o escanteamento ao parlamentar, que é evangélico. “Algumas pessoas acham que é desfeita. Não acho. Bolsonaro ofereceu a ele a vice-presidência e ele recusou. Não indicamos ou chancelamos nenhuma indicação, mas Damares é um nome qualificado com vinculação de princípios que defendemos. Se é bom para Bolsonaro e para as famílias conservadoras, é bom para nós (da frente parlamentar)”, destacou.

 

Saneamento

A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) passa por uma polêmica semelhante à Funai. O governo de transição estuda migrar a autarquia, atualmente sob o guarda-chuva do Ministério da Saúde, para outra pasta. Ou até mesmo extingui-la. Oficialmente, ninguém comenta a possibilidade. O próprio futuro ministro, Luiz Henrique Mandetta (DEM), não confirma a extinção, mas a equipe já dá indícios. “Ele não vê necessidade de manter essa estrutura, sendo que haverá um ministério com a atribuição dessa atividade”, explicou um interlocutor.

O ministro indicado da Saúde tem avaliado o caso com base em estudos e análises do Tribunal de Contas da União (TCU). A intenção é que a Funasa passe a fazer parte do recém-criado Ministério de Desenvolvimento Regional. Em 28 anos, é a primeira vez que se discute a transferência das atividades da autarquia, criada para promover saneamento básico à população. Ninguém na agência foi comunicado ou ouvido para colaborar com a avaliação de Mandetta, mas a ideia preocupa. “Não estamos sabendo da extinção ou mudanças. Contudo, é preciso levar em consideração a importância da Funasa para muitas comunidades carentes”, avaliou um superintendente estadual do órgão.