O globo, n. 31207, 15/01/2019. Artigos, p. 2

 

O labirinto da esquerda

Merval Pereira

15/01/2019

 

 

Dois fatos políticos registrados na América do Sul nos últimos dias mostram com clareza como o ambiente político mudou na região, confirmando uma guinada à direita que vem se processando desde 2015. E também como a esquerda brasileira está atônita diante dessas mudanças.

Dez anos antes, a maioria dos países da América do Sul era governada pela esquerda. À posse contestada pela ampla maioria dos países ocidentais de Nicolás Maduro, compareceram apenas quatro presidentes da América Latina: da Bolívia, Evo Morales; da Nicarágua, Daniel Ortega; de Cuba, Miguel Díaz-Canel; e de El Salvador, Salvador Sánchez Cerén.

Isolado na região, Maduro pode contar com o PT, que enviou sua presidente, Gleisi Hoffmann. Segundo ela, a presença era um aval de que as eleições venezuelanas foram legítimas. A decisão de enviara presidente do partido a Caracas para prestigiar apos sede Maduro mostra que o PT não aprende una dacoma derrota de 2018, e está completamente fora da realidade.

O partido respeita a eleição na Venezuela, mas diz que a eleição no Brasil não deveria ser validada, e nem participou da posse do Bolsonaro, porque não o reconhece como presidente eleito legitimamente. Considera, depois de ter participado de todos os atos da campanha presidencial, que a eleição sem Lula é um golpe.

Porém, dois adversários de Maduro foram presos sem julgamento durante a campanha, e a eleição foi considerada fraudulenta por diversos organismos internacionais que a acompanharam.

A fuga e a captura do italiano Cesare Battisti, na Bolívia, por forças policiais da Interpole da Itália explicitaram falhas da Polícia Federal brasileira, que não acompanhou o terrorista depois que o então presidente Temer determinou a extradição, e não conseguiu encontrá-lo.

Mas o fato concreto é que ele foi expulso da Bolívia e já está preso em Roma. Caso passasse pelo Brasil antes de ir para a Itália, estaria valendo a extradição, e a pena dele seria de 30 anos no máximo; saindo direto da Bolívia, pegará prisão perpétua por quatro assassinatos, conforme condenação da Justiça italiana.

O presidente Evo Morales está usando um anova tática, não cedeu apressões ideológicas eexpulsouBat tis ti, claramente para agradara o presidente brasileiro, JairBol sonar o, que estava muito empenhadona extradição do italiano.

Já os partidos de esquerda brasileiros lamentaram a prisão do terrorista, que foi comemorada na Itália por partidos políticos de vários espectros políticos, da direita à esquerda. O PSOL considerou uma “covardia” Morales ter expulsado Battisti. O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo disse que a extradição pelo Brasil, no governo Lula, deveria prevalecer.

Com aquedado boli vari anismo em vários países da América do Sul, o ambiente político mudou muito, e Morales, que depende da compra do seu gás pelo Brasil, precisa mudar também, para não ficar isolado.

A emergência de uma direita politicamente forte no mundo, culminando em nossa região coma eleição de Jair Bolso naro,l eva a esquerda a perder força na América do Sul, coma maioria dos países sendo governada por partidos de direita, revertendo uma situação geopolítica. Há cinco anos, dos 12 países da região (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela), só três eram governados por partidos de centro ou à direita: o Chile, de Sebastián Piñera; o Paraguai, de Federico Franco, e a Colômbia, de Juan Manuel Santos.

Dos governantes de esquerda de então, vários estão presos ou sendo processados por corrupção, como Rafael Correa, do Equador; Cristina Kirchner, da Argentina; Lula, do Brasil; Maduro, da Venezuela, entre outros. E o escândalo da Odebrecht foi exportado pelo governo Lula para diversos países da América Latina: Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Panamá, Peru, Venezuela.

Quando os novos presidentes da Colômbia, Ivan Duque, e do Paraguai, Mário Abdo Benítez, tomaram posse em agosto do ano passado, e Temer governava o Brasil, mais da metade dos países da região estava sendo governada por políticos de centro ou à direita. Desde 2015, aconteceram vitórias na Argentina (Mauricio Macri), Peru (Pedro Pablo Kuczynski, que caiu por corrupção e foi substituído por Martín Vizcarra, da mesma tendência política), Chile (Sebastián Piñera), Paraguai (Mario Abdo Benítez). Isto é, dos dez países politicamente relevantes na América do Sul, apenas Maduro e Morales são da esquerda.